17/03/2021
Certamente, Nelson Rodrigues exagerou ao afirmar que antes de Mário Filho – seu irmão – a imprensa esportiva “roía pedra nas cavernas” . No que diz respeito ao futebol, por exemplo, alguns estudos recentes demonstram que já nas décadas de 1910 e 1920 esse esporte, aos poucos, passava a ocupar mais espaço em jornais importantes do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Entretanto, para melhor compreendermos o papel de Mário Filho é preciso não nos ater somente a questões que dizem respeito ao número de linhas dedicadas ao futebol nas páginas impressas, mas, sobretudo, ao tipo de linguagem usada para a representação desse esporte. É nesse aspecto que reside o diferencial da atuação de Mario Filho na história da imprensa esportiva, tornando-se o principal fator que converterá essa instância, ou seja, o jornalismo esportivo, em uma das mais importantes mediadoras entre público e futebol.
Antes de Mário Filho, o futebol era alvo de atenção por parte de importantes jornais como, por exemplo, o Estado de São Paulo cuja cobertura dada a alguns jogos na década de 1910 incluía não somente aspectos descritivos, mas fomentadora de emoções. Outro veículo relevante foi a Gazeta – Edição esportiva, que tinha como principal proposta editorial oferecer ao leitor um inigualável volume de informações a respeito do cotidiano esportivo, especialmente o futebol.
A Gazeta fazia a cobertura tanto dos principais clubes de São Paulo como dos diversos outros torneios de futebol, desde os de várzea até pequenos campeonatos criados por ligas operárias. Nesse periódico, destacou-se o jornalista Thomaz Mazzoni, cujo prestígio o levou a viajar com a seleção brasileira para a Copa de 1938, na França, não como um simples jornalista, mas como um membro oficial da delegação.
Além desses exemplos, é preciso mencionar que algumas revistas de variedades e periódicos especializados em esportes, desde a década de 1910, já costumavam oferecer um tratamento ao futebol, diferente do que a maioria da imprensa tradicional oferecia. Muitas reportagens produzidas por aquelas publicações se caracterizavam pelo uso de um tom mais humorístico, investindo em charges e fotografias.
Como afirmou Marcelino Rodrigues Silva, nessas reportagens começava a ser alimentada uma interpretação do futebol “não como pedagogia, mas como diversão (…) em que cabiam as superstições populares, a irreverência, a iconoclastia e as manifestações mais francas das paixões clubísticas e regionais” . Tais recursos narrativos foram levados, com sucesso, por Mário Filho para O Globo e o Jornal dos Sports, sendo que ele mesmo já os experimentara nos jornais A Manhã e Crítica, ambos de propriedade de seu pai Mário Rodrigues.
No final dos anos de 1920, Mário Filho foi responsável nesses jornais pela página de esportes e mesmo no pouco espaço que ocupava, já dava mostras das estratégias que seriam empregadas futuramente em suas crônicas e reportagens. Estratégias que flertavam com o folhetim, que investiam na narrativização da notícia e em uma série de outros mecanismos linguísticos de captação do interesse do leitor. Com auxílio do ilustrador Guevara, a seção esportiva de A Manhã e Crítica passou a investir em fotografias tiradas em close e que captassem os jogadores ainda em ação nas partidas.
Já a imprensa tradicional trilhava outros caminhos. Para compreendermos um pouco melhor a diferença de tratamento dada ao futebol, é interessante recorrer ao exemplo da Copa de 1930. As notícias sobre esse evento ocupavam apertado espaço e eram anunciadas geralmente de modo econômico: “Os brasileiros venceram os bolivianos por 4 x 0” (O Globo, 21/07/1930). Já nas páginas de Crítica a participação da seleção na Copa de 1930 recebeu tons mais superlativos, com investimento em conteúdos mais subjetivos, como depoimentos e entrevistas.
É o que se pode perceber na manchete: “Crítica publica hoje, uma descripção detalhada e sensacional da viagem dos brasileiros, segundo o diário de bordo de um jogador” (Grifos meus, 12/07/1930). O uso de uma perspectiva mais subjetiva, também era notável na matéria: “Prego assistiu um treino dos uruguaios e ficou convencido de que os atuais campeões do mundo são equivalentes aos brasileiros (Grifos meus, 10/07/1930).
Com o fechamento de Crítica, Mário Filho, juntamente com parte da equipe, passa a trabalhar na redação esportiva de O Globo, onde imprimiu técnicas de reportagens e de representação dos fatos, próximos ao que usava nos jornais de seu pai. A página 8 de O Globo capitaneada por Mário Filho foi responsável por uma cobertura inovadora da Copa de 1938 e nela o jornalista investiu em biografias dramatizadas dos principais jogadores da época, romanceando suas vidas e fortalecendo o laço de familiaridade entre torcedor e ídolo. Nesse mesmo jornal nasceu a coluna “De primeira Fila”, mantida por sete anos e que serviu de base para a construção do livro O negro no futebol brasileiro, publicado em 1947. O Negro no Futebol é um dos mais importantes livros sobre a história do futebol no Brasil, até os dias de hoje.
A construção do Maracanã marca outro momento importante em sua carreira. Em julho 1947 foi criada pelo prefeito recém-eleito, Mendes de Morais, a Comissão dos Sete, com a finalidade de reunir importantes nomes que ficariam à frente da escolha do melhor projeto arquitetônico para o estádio que abrigaria a Copa de 1950. Essa comissão foi composta por arquitetos, pelo procurador geral Luís Galotti e pelo jornalista Mario Filho, dando mostras de sua relevância pública.
No dia 08 de agosto de 1947, Mendes de Morais enviou à Câmara dos Vereadores, o pedido de aprovação para a construção do estádio. Desse modo passou para esse órgão municipal a responsabilidade de escolher qual seria o projeto vencedor. A Câmara se transformou em um palco de disputas entre os vereadores Ary Barroso e Carlos Lacerda.
O primeiro defendia o projeto de que o estádio para a copa de 1950 deveria ser construído para abrigar mais de 150 mil pessoas, sendo localizado no terreno do Derby Club, área considerada de fácil acesso devido à sua localização central e à existência de ramais ferroviários. Do lado oposto, estava Carlos Lacerda, que propunha que o estádio deveria possuir uma com capacidade de público menor e ser erguido no bairro de Jacarepaguá, localização de difícil acesso para a época.
Um dos mais influentes aliados de Ary Barroso foi Mario Filho, que fez do seu próprio Jornal dos Sports – um dos mais vendidos do país – o canal de divulgação de opiniões favoráveis ao estádio no Derby Club. O jornalista enfatizava o desejo popular e a função social do futebol.
O apoio de Mário Filho com seu grande prestígio de jornalista e agitador cultural foi fator fundamental para que o estádio fosse construído no bairro do Maracanã, para abrigar um amplo público.
O Estádio Municipal foi inaugurado em 16 de junho de 1950 e no dia seguinte abrigou sua primeira partida entre as seleções do Rio de Janeiro e São Paulo. À frente do estádio ergueu-se um busto do então prefeito Mendes de Morais. Entretanto, o busto teve vida curta sendo destruído pela revolta popular logo após a derrota para o Uruguai.
Popularmente o estádio sempre foi chamado de Maracanã. Mas, em 1964, após se falecimento o estádio recebeu passou a se chamar oficialmente Estádio Jornalista Mário Filho. Tratava-se de uma homenagem ao homem que não somente foi importante para a construção do estádio, mas que já havia publicado desde os anos de 1940, diversos livros completamente dedicados ao futebol e suas histórias. Isso sem mencionarmos suas inúmeras crônicas publicadas na Manchete Esportiva e que ajudaram a inflar o imaginário futebolístico nacional concedendo aos fatos esportivos atmosferas trágicas, épicas e por vezes cômicas.
Mario Filho desempenhou para o futebol brasileiro a função daquele narrador que Walter Benjamin fez questão de exaltar como elemento fundamental para o compartilhamento de experiência e memória capaz de perpassar diferentes gerações. Memórias contadas, recontadas e renovadas, mas sempre capazes de trazer consigo a marca das experiências individuais e coletivas.