Mais dois jornalistas são mortos em ataque de Israel na Faixa de Gaza


01/08/2024


De O Globo


Palestinos recitam oração sobre o corpo do jornalista da Al-Jazeera Ismail al-Ghoul, morto com o cinegrafista Rami al-Refee em um ataque israelense na Faixa de Gaza — Foto: Omar AL-QATTAA / AFP

Dois jornalistas da Al-Jazeera foram mortos num ataque aéreo israelense no norte da Faixa de Gaza, anunciou a rede catari na quarta-feira (31). Segundo o veículo, o repórter Ismail al-Ghoul, de 27 anos, e o cinegrafista Rami al-Rifi morreram após um bombardeio atingir o carro em que eles estavam. Ambos tinham acabado de fazer uma reportagem perto da casa do chefe político do grupo terrorista Hamas, Ismail Haniyeh, que foi assassinado no Irã também nesta quarta.

A rede de notícias acusou o Exército de Israel de ter atingido os jornalistas com um “ataque direto” e informou que o carro bombardeado “estava claramente marcado como um veículo de imprensa”. Em comunicado, a Al-Jazeera Media Network afirmou que o “assassinato de Ismail e Rami, ocorrido enquanto documentavam os crimes das forças israelenses, ressalta a necessidade urgente de uma ação legal imediata contra as forças da ocupação para garantir que não haja impunidade”.

O conflito em Gaza é considerado o mais mortal para jornalistas desde que os dados sobre o tema começaram a ser recolhidos, em 1992. As mortes de al-Ghoul e al-Rifi elevaram para 111 o número de profissionais da imprensa que perderam a vida cobrindo a guerra no enclave desde que ela eclodiu, em outubro. Desses, 106 eram palestinos, de acordo com o Comitê para a Proteção dos Jornalistas, órgão que contabiliza as vítimas. Os demais eram dois libaneses e três israelenses.

Mohammed Moawad, editor-chefe da Al-Jazeera, elogiou a coragem de al-Ghoul numa publicação nas redes sociais. Ele escreveu que o repórter era “conhecido pelo seu profissionalismo e dedicação” e que chamava a atenção do mundo “para o sofrimento e as atrocidades cometidas em Gaza”. Mowad compartilhou uma mensagem que disse ter sido escrita por al-Ghoul. Nela, o jornalista dizia ser assombrado pelo sofrimento e morte de civis que ele havia testemunhado ao reportar a guerra.

“Devo dizer, meu amigo, que já não conheço o sabor do sono”, escreveu al-Ghoul. “Os corpos das crianças, os gritos dos feridos e suas imagens ensanguentadas nunca saem da minha vista. Os gritos das mães e os lamentos dos homens que perderam seus entes queridos nunca desaparecem da minha audição. Estou cansado, meu amigo”.

Os corpos dos dois jornalistas da Al-Jazeera foram levados para o hospital al-Ahli. O repórter Anas al-Sharif, que estava na unidade de saúde para onde seus colegas foram levados, disse que os dois estavam “transmitindo o sofrimento dos palestinos deslocados”. Num vídeo da rede catari feito do lado de fora da unidade de saúde é possível ver os dois corpos em macas vestindo coletes designados a proteger jornalistas – ambos marcados com a palavra “imprensa”.

Diretora executiva do Comitê para a Proteção dos Jornalistas, Jodie Ginsberg disse em comunicado que a organização estava “consternada” com as mortes dos jornalistas, que, afirmou, “nunca devem ser alvos”. Ginsberg declarou que “Israel deve explicar por que mais dos jornalistas da al-Jazeera foram mortos em um aparente ataque direto”. O Exército israelense não respondeu a pedidos de comentários feitos nesta quarta.

Histórico de violência

Israel tem uma relação conturbada com a Al-Jazeera. Em maio, o governo do Estado judeu encerrou as operações locais do veículo – uma medida que os críticos denunciaram como antidemocrática e parte de uma repressão mais ampla. O premier israelense, Benjamin Netanyahu, também já acusou sem provas a rede catari, uma das principais fontes de informação do mundo árabe, de prejudicar a segurança de Israel e de incitar a violência contra seus soldados.

O New York Times e outras grandes publicações internacionais retiraram jornalistas palestinianos que trabalhavam para eles do enclave. Israel e Egito, por sua vez, restringiram a entrada de jornalistas internacionais em Gaza – com exceção de visitas coordenadas a locais específicos com o Exército israelense. Com isso, as histórias que emergem da guerra têm sido frequentemente deixadas para repórteres palestinos documentarem sozinhos, trabalhando em condições perigosas.

— É claro que os jornalistas precisam ser protegidos — disse Stéphane Dujarric, porta-voz da ONU, a jornalistas nesta quarta-feira. — Estes e outros incidentes semelhantes devem ser investigados de forma completa e transparente, e deve haver responsabilização.

Esta não foi a primeira vez que jornalistas da Al-Jazeera foram mortos em ataques de Israel à Faixa de Gaza. Em janeiro, Hamza Wael Dahdouh, repórter do canal catari, morreu enquanto viajava num veículo com Mustafa Thuria, um cinegrafista independente que trabalhava para a agência AFP desde 2019. Antes disso, o pai de Hamza, Wael al-Dahdouh, editor-chefe do escritório da Al-Jazeera no enclave, foi ferido em um bombardeio. A esposa dele e outros dois filhos foram mortos nas primeiras semanas da guerra. (Com AFP e New York Times)