14/09/2021
Cidadão Boilensen ligado à ditadura no Macunaíma
O Cineclube Macunaíma exibe hoje, a partir das 10h até segunda-feira, o premiado documentário Cidadão Boilensen (2009), do diretor de cinema e televisão Chaim Litewski, que conta a história do dinamarquês Henning Albert Boilesen, presidente do grupo Ultra , que assistia às sessões de tortura e foi executado pela esquerda armada (ALN), em 1971. No filme, o diretor investiga as ligações do executivo com a ditadura militar e, possivelmente, com a Oban (Operação Bandeirantes), grupo de extermínio dos insurgentes. O diretor concorreu ao É tudo Verdade deste ano com o filme “Golpe de Ouro”, cujo roteiro mostra a forma de Assis Chateaubriand mobilizar sua poderosa cadeia de jornais, revistas, rádios e TV para coletar “Ouro pelo Bem do Brasil”, nos primeiros dias do golpe militar.
Em 90 minutos de Cidadão Boilesen, Chaim Litewski reuniu 60 entrevistados, incluindo extremos, como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado de tortura durante o regime militar, e o militante de esquerda Carlos Eugênio da Paz, que diz ter dado o tiro de misericórdia em Henning Boilesen, em uma emboscada feita pela Ação Libertadora Nacional (ALN), grupo ao qual pertencia. O empresário foi morto no mesmo local de Marighella. Às 19h30, haverá um debate sobre a obra com o diretor, o cineasta Silvio Tendler, a historiadora torturada Dulce Pandolfi, a pesquisadora Victoria Grabois, do Grupo Tortura Nunca Mais, e o escritor Fernando Morais. O mediador é o jornalista Ricardo Cota. Assista o filme e o debate pelo canal da ABI no YouTube.
Filme e diretor
Cidadão Boilensen ganhou quatro prêmios em 2009: Melhor Filme no festival É tudo Verdade, Melhor Documentário do Cinesul, Melhor Direção do Recine e Hors Consours do Festival do Rio. Segundo críticas da época, com um título notoriamente inspirado no clássico Cidadão Kane, Chaim Litewski produziu ao longo de 16 anos um documento audiovisual de qualidade ímpar em termos de pesquisa, impacto e apuro técnico. Em sua abertura, o filme revela o Curriculum Vitae de Boilesen (batido a máquina) e tece a sua história através dos depoimentos de vítimas de tortura, diplomatas, militantes de organizações de esquerda, políticos, militares da reserva, religiosos e até ex-presidentes como FHC. E é impressionante ver como um homem de notável capacidade de liderança, criador de mecanismos de auxílio ao novo trabalhador como o CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola) sucumbiu ao “lado escuro” numa clara demonstração de que – de fato – o poder corrompe.
O longa não perde nunca a denúncia, embalada por boa trilha sonora com direito até a regravação do clássico “Eu Te Amo Meu Brasil” de Don & Ravel. O documentário desnuda de maneira contundente o dinamarquês mais famoso do Brasil (condecorado pelo rei de seu país), revelando um homem frio, calculista, capaz de participar de sessões de tortura e até importar instrumentos para este fim como a máquina que ficou conhecida como “Pianola Boilesen”.
O espectador é inserido no contexto da época e depoimentos e documentos comprovam a conexão estabelecida entre os caminhões da Ultragaz e as prisões políticas. Assim como as ligações dele com o delegado Fleury e a guinada do Esquadrão da Morte, que passou a perseguir militantes políticos, revelam os bastidores do plano maquinado em 1969 para arrecadar fundos para financiar a OBAN (Operação Bandeirante), criada para combater o terrorismo, misturando policiais civis e militares, acabou virando uma espécie de pedra filosofal do famigerado DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna).
Você verá o cineasta Roberto Faria e Celso Amorim, na época na Embrafilme, falando dos problemas de Pra Frente Brasil, e o ex ministro Delfim Netto revelando empresas famosas da FIESP que cederam a pressão de Boilesen que, segundo um embaixador, não era agente mas falava com a CIA. E até o ex presidente Fernando Henrique Cardoso não poupa saliva para falar do “golpe do golpe” em 64 e afirmar “um a menos” sobre o assassinato de Boilesen em 1971 com 19 tiros, a maioria, na cabeça. Cidadão Boilesen é um documento moderno sobre um tema antigo, um filme que ajuda a entender determinados mecanismos do poder e suas ligações históricas com um passado não tão distante do Brasil de João Goulart, do ódio ao comunismo, dos militantes de esquerda e de um exército no poder.
O diretor Chaim Litewski trabalhou na ONU e cobriu conflitos em mais de cem países, sendo um renomado diretor de cinema e televisão. No filme, ele investiga as ligações do executivo com a ditadura civil militar. Ele foi também diretor da Fundação Antares entre 1987 e 1988, no Piauí.
Quando Boilensen foi assassinado, Chaim Litewski tinha uns 16 anos de idade e já se falava da ligação dele com o aparato repressivo, mas não era dito nos jornais devido à censura. No próprio obituário de Boilesen era claro que havia uma possível ligação sua com a Oban [Operação Bandeirantes]. Chamou a atenção de Chaim o fato de ele ser dinamarquês, morar no Brasil, ter sido assassinado e estar envolvido com a ditadura. Litewski começou a pensar em contar aquela história de alguma forma.
A proposta ficou engavetada por uns tempos e, após graduar-se em Cinema com especialização em propaganda e conflito pela Polytechnic of Central London (Westminster University) e ingressar na Organização das Nações Unidas (ONU), no início dos anos 90, retomou a ideia, resolvendo fazer um documentário, que começou a ser produzido em 1994.
O mais difícil de entrevistar foi o coronel Brilhante Ustra, pois as negociações para a entrevista dele duraram quase três anos e acabou não sendo uma entrevista porque foi a primeira vez que ele falava em público. Ele exigiu que as perguntas fossem enviadas com antecipação e foi gravado lendo as respostas. Muito difícil também foi a entrevista com o filho do Boilesen, que demorou alguns anos para ser organizada.
A primeira entrevista que Chaim fez foi com o Eugênio, o cara que assassinou Boilesen. Chaim não conhecia nenhuma dessas pessoas, só o Daniel Aarão Reis e com o resto entrou em contato, dizendo que queria contar a história do Boilesen, falar sobre a história da Oban e a ligação do aparato de repressão do estado com os empresários. Conseguiu reunir as pessoas, contando a verdade sobre o que estava fazendo. E essa foi a filosofia do filme: ter o maior número possível de vozes distintas, que se contradizem para as pessoas entenderem do jeito que quiserem.
Durante a longa produção, o cineasta seguiu com seu trabalho na ONU, por onde vivenciou experiências boas e ruins durante as coberturas midiáticas, dentre elas, uma das piores de sua vida, que foi o Genocídio de Ruanda, em 1994, quando teve que passar por um tratamento psiquiátrico.
A dificuldade em conseguir todas as entrevistas e informações necessárias sobre o personagem principal, aliada às dificuldades financeiras, fez com que o filme só ficasse pronto em 2009. O próprio Chaim fez o grosso da pesquisa, entrando em vários países para ver o que tinha sobre Boilensen com a Lei de Acesso a Informação como nos Estados Unidos, na Inglaterra e no Brasil que demorou quatro anos para liberar essas informações. Mas ele teve muita coisa do Departamento de Estado Americano e do Serviço Secreto Inglês. Seguiu contratando pesquisadores e produtores quando podia pagar e não tinha um prazo para finalizar o documentário porque era um hobby. Ele tinha um emprego na ONU e não podia trabalhar em outros locais. Foi levando, até que seu afilhado Pedro Asbeg, o editor do filme, sentenciou que hora de editar.
No mesmo ano em que o filme foi concluído, o diretor o inscreveu no Festival É Tudo Verdade. O documentário quase pronto ganhou e com o dinheiro do prêmio (R$ 100mil) foi finalizado. Cidadão Boilesentem vida até hoje e surpreende o diretor pela longevidade do filme e sua relevância em todo este tempo. Participam o ex-ministro Celso Amorim, Delfim Neto,D. Paulo Evaristo Arns, Jarbas Passarinho, Erasmo Dias e Tina Duek e muitos outros.
Chaim Litewski viveu no Piauí, quando dirigiu a TV Antares, na época TV Educativa que assumiu em 1987 e acredita que fez um bom trabalho. Ele saiu da Globo onde trabalhava e foi para o novo emprego porque acreditava na democratização dos meios de comunicação.
Cidadão Boilesen conta como foi o envolvimento e apoio do empresário dinamarquês naturalizado brasileiro Henning Albert Boilesen aos militares durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985). Boilesen foi o responsável por financiar a repressão política no período, com recursos próprios e de outros empresários com os quais mantinha relações profissionais, sendo ele o coletor dessa ajuda. O filme mostra o envolvimento dele com apoio financeiro ao movimento de repressão à oposição do governo militar, assim como a sua participação na criação da Operação Bandeirante (Oban).
O documentário mostra outros empresários que combateram as ações de militantes de esquerda e opositores do governo. Depoimentos contam que Boilesen assistia às torturas de forma voluntária, fato relatado pelo ex-secretário da segurança pública Erasmo Dias, o ex-governador Paulo Egydio Martins e presos políticos, como Carlos Eugênio Sarmento da Paz e o historiador Jacob Gorender, além do oficial que dirigia os trabalhos na Oban, Dirceu Antônio. Conta-se até que Boilesen teria inventado uma máquina de suplício, chamada de pianola. Sua presença nas sessões de tortura é contestada pelo filho de Boilesen, Hennig Boilesen Jr., e pelo coronel Brilhante Ustra. O filme traz também trechos de cinejornais, arquivos de TV, filmes de ficção, imagens do acervo da família, documentos do SNI (Serviço Nacional de Informação) e da embaixada britânica que permaneceram secretos durante décadas. “Cidadão Boilesen” foi eleito um de nossos 100 melhores documentários pela Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema)?
Henning Albert Boilesen (Copenhague, 14 de fevereiro de 1916 — São Paulo, 15 de abril de 1971) o executivo dinamarquês radicado no Brasil que presidiu a Ultragaz e atuou como fundador do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE) é mais lembrado por sua atuação no âmbito da política do que por suas atividades como executivo. O empresário foi morto em 15 de abril de 1971, na cidade de São Paulo, em uma operação conjunta conduzida por membros do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e da Ação Libertadora Nacional (ALN), como represália por seu envolvimento na tortura e repressão de militantes de esquerda da época. Quando voltava do CIEE foi atingido por disparos e faleceu.
Imigrando para o Brasil na década de 30, Boilesen foi um executivo influente no ambiente de negócios brasileiro na época da ditadura militar. Participou na fundação do CIEE e ocupou a presidência de uma das seções do Rotary Club. Foi um dos primeiros executivos a financiar o aparato político-militar brasileiro, por meio da Operação Bandeirante (OBAN), que viria a ser o embrião do modus operandi dos DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações e Defesa Interna).
Ele foi executado a tiros por guerrilheiros de duas organizações de esquerda na manhã de 15 de abril de 1971 na Alameda Casa Branca, mesma rua em que dois anos antes havia sido morto um dos líderes da ALN, Carlos Marighella, em operação liderada pelo delegado Sérgio Fleury (que fora amigo pessoal de Boilesen). Na ocasião da morte do empresário, o tiro de misericórdia teria sido desferido por Carlos Eugênio Paz, também conhecido como “Clemente” – um dos comandantes das ações armadas da ALN.
Lançado em 27 de novembro de 2009, o documentário “Cidadão Boilesen”, dirigido por Chaim Litewski, apresenta Boilesen como um cidadão marcado pelas ambiguidades e paradoxos, apresentando-o como empresário e pai de família que ao mesmo tempo se dispunha a pagar para assistir sessões de tortura.
Debatedores
Fernando Morais é escritor e jornalista mineiro. Sua obra literária é constituída por biografias e reportagens. Em São Paulo passou pelas redações de Veja, Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo, TV Cultura e portal IG. Recebeu três vezes o Prêmio Esso e quatro vezes o Prêmio Abril. Seu primeiro sucesso editorial foi A Ilha, relato de uma viagem a Cuba. Escreveu ainda Olga, Chatô, o Rei do Brasil; Corações Sujos; Cem Quilos de Ouro Na Toca dos Leões ; Montenegro, as aventuras do Marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil); O Mago; Os Últimos Soldados da Guerra Fria ; e escreve a biografia de Lula. Quatro livros foram adaptados para o cinema: Olga, Chatô, o rei do Brasil; Corações sujos (não se concretizou); Os últimos soldados da guerra fria (2019, de Oliver Assayas e com Penélope Cruz).
Dulce Pandolfi – a historiadora pernambucana pertencia ao grupo Aliança Libertadora Nacional (ALN), dirigida por Carlos Marighella, durante a ditadura. Foi presa e, barbaramente, torturada, durante três numa prisão ilegal no DOI-Codi da Tijuca. Depois foi para o Dops, em seguida para Bangu e voltou a Recife, onde também tinha processo. Participou das auditorias militares onde os torturados denunciavam as torturas. Esses documentos deram origem aos arquivos do Brasil: Nunca mais. Ela sofreu ainda mais quando foi objeto de uma aula de tortura e, por isso, elogia o trabalho do Tortura nunca mais e da Comissão da Verdade.
Victoria Grabois – ela se classifica como sobrevivente e não como vítima. Pertence à diretoria do grupo Tortura nunca mais/RJ. Victoria criou o filho e reconstruiu a vida apesar dos 16 anos de clandestinidade dos 21 aos 36 anos quando casou e teve um filho e só não ficou na guerrilha do Araguaia (1972-1975) por que o Partido Comunista – reorganizado por seu pai que desapareceu no Araguaia, bem como seu irmão e seu marido – não aceitava mulher nessa guerra. Victoria foi dada como morta ao fugir e só 16 anos depois voltou a ter sua identidade. Ela é autora do livro Maurício Grabois, meu pai. Ela continua a luta para encontrar os corpos dos 70 desaparecidos políticos na Guerrilha do Araguaia. Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade estipulou pelo menos 434 mortos e desaparecidos no período de exceção. Segundo o Human Rights Watch, mais de 20 mil pessoas foram torturadas pelos militares brasileiros.