O futebol acaba de ficar órfão com a morte radialista Luiz Mendes, na manhã desta quinta-feira, 27 de outubro, 87 anos de idade. A sua ausência será uma lacuna difícil de ser preenchida devido a tudo que ele representava para a história do jornalismo esportivo, onde deixou um registro especial como “o comentarista da palavra fácil”.
De acordo com a assessoria do Hospital São Lucas, em Copacabana, no Rio, onde Luiz Mendes estava internado no CTI desde o dia 18 de outubro, a morte foi provocada por complicações decorrentes de uma leucemia linfocítica crônica. Há muitos anos Mendes sofria com diabetes.
Em sua homenagem ao radialista o site da Rádio Globo comenta que Luiz Mendes “foi um craque do microfone esportivo. Na ‘latinha’ foi testemunha dos mais importantes eventos esportivos do Brasil e do Mundo em mais de 70 anos de profissão — o único brasileiro a transmitir a final da Copa do Mundo de 1954”.
Para a Rádio Globo, emissora onde o comentarista trabalhou por mais de 60 anos, desde a sua inauguração em 1944, Luiz Mendes era “dono de uma fala simples e envolvente, de memória ampla impressionante, de carisma e simpatia sem pares, e sua morte Luiz deixa o país órfão e o futebol triste”.
Em entrevista à repórter Cláudia Souza para o
ABI Online(
http://www.abi.org.br/paginaindividual.asp?id=3297), publicada em 19 de setembro de 2008, Mendes contou que iniciou a sua carreira, em 1941, quando ainda era menino, no serviço de alto-falante da cidadezinha Ijuí, no Rio Grande do Sul. Ele falou também da sua ida para a Rádio Globo no Rio de Janeiro:
— No fim de novembro de 1944, estive no Rio para fazer a transmissão de um jogo do campeonato brasileiro de seleções e fiquei sabendo que a Rádio Globo seria inaugurada no dia 2 de dezembro. Fui até lá e procurei o Rubens Amaral, o locutor-chefe. Como eu era muito menino, ele perguntou se eu tinha experiência. Assim que mostrei a carteirinha da Farroupilha — uma das emissoras mais fortes na época — ele pediu para eu retornar no dia seguinte. “Para fazer um teste?” indaguei. “Não! Se você é locutor da Rádio Farroupilha, será locutor da Rádio Globo”, ele respondeu. E assim, quase no grito, fui um dos fundadores da estação. Sou o último sobrevivente da inauguração, ao lado de Benedito Silva, que era o Tesoureiro e hoje está com 92 anos.
Devido ao agravamento do seu estado de saúde, antes de ser internado, Luiz Mendes já não saía e participava de casa da mesa-redonda “Enquanto a bola não rola”, que vai ao ar pela Rádio Globo aos domingos. No programa “Globo esportivo”, apresentado por José Carlos Araújo todas as tardes de segunda a sexta-feira, Mendes dava o seu toque especial no quadro “Da pelada ao Pelé”, no qual narrava os principais casos que presenciou na sua longa trajetória no universo do futebol.
Batizado como Luiz Piñeda Mendes, o comentarista nasceu em Palmeira das Missões, no Rio Grande do Sul, em 1924. Torcedor do Grêmio, no Rio de Janeiro torcia pelo Botafogo, que decretou luto oficial de três dias e cedeu a sede de General Severiano para o velório.
Em mais de seis décadas de carreira, quase que integralmente ligada ao esporte, Luiz Mendes fundou emissoras de rádio, criou a primeira mesa-redonda da TV brasileira e foi introdutor e o responsável pelo sucesso do programa “TV Ringue”. Foi um campeão de coberturas de Copas do Mundo, dos 19 torneios mundiais realizados participou de 16. Os únicos mundiais em que na esteve presente foram os de 1930, 1934 e 1938.
Na Copa de 1950, apesar da tristeza, teve a difícil missão de narrar o gol de Gigghia, o segundo na vitória do Uruguai sobre o Brasil por 2 a 1, que mergulhou o País um uma das suas mais longas decepções esportivas, que ficou conhecida como Maracanazo.
Luiz Mendes era casado com a atriz e também radialista Daisy Lúcidi, com quem conviveu por 64 anos e teve um filho, que lhe deu netos e uma bisneta. Seu corpo vai ser enterrado no Cemitério São João Batista, em Botafogo, às 10h.
Luiz Mendes, na visão dos amigos
José Rezende, radialista e locutor esportivo: “O Luiz Mendes fez parte da minha infância, quando eu morava na Avenida Henrique Valadares, quintal da minha casa dava para a Travessa Chiquita, da Vila Rui Barbosa onde ele morava com a Daisy. Ele da janela via eu jogar botão e irradiar os jogos. Sob o ponto de vista profissional, além o excelente locutor e comentarista esportivo era a memória viva da história do futebol brasileiro. Essa perda irreparável ficará eternamente na lembrança dos amigos e companheiros de profissão”. .
Gilmar Ferreira, Gerente de Esportes da Rádio Globo: “Estamos tentando superar a emoção e tocar a vida em frente. Queria dizer para os ouvintes da Rádio Globo, que perdemos não apenas um mestre, perdemos na nossa família aquele avô que sentava na cabeceira da mesa, que tinha um olhar penetrante a palavra certeira e um ensinamento, que a gente precisa para tocar a vida entendeu? A gente sempre espera esse momento, a gente se julga forte e preparado para enfrentá-lo, mas o coração fraqueja. É um tombinho aqui que a gente leva, é um esbarrão ali e o corpo às vezes não responde da maneira que a gente deseja. Nesse momento eu queria dizer a todos aqueles que aprenderam a respeitar, a gostar e a admirar o nosso “Che”, o palavra fácil, que ele vai fazer muita falta, não apenas ao rádio brasileiro, mas na vida daqueles que acreditam que é possível viver em paz e harmonia até o fim dos nossos dias.”(chorando, com a voz embargada)
José Carlos Araújo, radialista: “Eu tenho assim uma admiração, uma amizade com o Mendes durante mais de 40 anos, eu me lembro quando o Mendes, que foi fundador da Rádio Globo, ele voltou pra Rádio no início de janeiro de 1970, e lembro muito bem ele era da rádio continental junto com Mário Vianna e o Valdir Amaral me consultou na ocasião quem deveria trazer para o lugar do Rui Pozo que tinha deixado a Rádio Globo. Eu garoto, eu tinha o Mendes como meu ídolo na Rádio Globo a ponto de mandar cartinha pra rádio globo na av. rio branco, na época, expressando a minha admiração, fazendo perguntas pra ele. Quem conviveu com o Mendes sabe que , além da inteligência, da memória privilegiada, ele foi um companheiro inesquecível. Eu viajei com o Mendes por toda parte desse mundo, era o meu companheiro de viagem, de quarto. Então hoje é um dia difícil até pra gente expressar admiração àquilo que a gente tem de melhor dele. Se por um lado eu fico triste que ele nos deixa, por outro eu fico aliviado por ver o fim de um sofrimento que já leva alguns anos. Eu mando daqui o meu beijo carinhoso à companheira Daisy Lucidy, que foi assim de uma luta extraordinária e de uma fidelidade incrível, acompanhando-o durante todo esse tempo. É difícil pra nós expressar qualquer tipo de manifestação, exatamente porque ele nos deixa com 87 anos, Mas com muito mais anos de memória, de pensamentos, de lições que ele nos transmitiu.”
Eraldo Leite, Presidente da Associação dos Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro (Acerj): “O Mendes tinha uma memória inacreditável, ele dizia o “Pelé fez mil duzentos..” sem nunca ter nada escrito na frente dele, “mas mais do que ele, Arthur Friedenreich fez mais gols, Friedenreich fez mais de mil e quatrocentos gols, só que na época de Friedenreich não havia esses registros, não havia televisão, não havia rádio como se faz hoje, mas eu tenho a certeza, eu tenho computados na memória, nos meus escritos que ele fez mais gols que o Pelé, e o Darío fez tantos gols, o Zico fez tantos gols, o Roberto Dinamite…” era uma memória da gente ficar surpreso, a gente gostava de relembrar fatos bem antigos da história do futebol, só pra levantar a bola pra ele e ele poder destilar o seu conhecimento, aquele rosário de informações, de notícias, de histórias, que ele tinha armazenados na sua prodigiosa memória. Além de tudo isso que já foi dito pelo Gilmar, pelo José Carlos, o Mendes era uma pessoa da família da gente. Se preocupavam, ele e a Daisy, até hoje a Daisy é assim, se preocupavam com cada coisa que acontecia na vida particular da gente, como que está fulano, como está beltrano, quando eu operei a coluna a preocupação deles.. ainda ontem eu conversava com o Gérson, o Gérson dizia eu tô sem coragem de ir lá visitar o Mendes, porque pra mim o Mendes é a fortaleza é o sinal das coisas boas. Até pra reclamar ele era de uma delicadeza, quando às vezes alguma coisa não ia de acordo com o que ele pensava, todos nós temos isso, algumas coisas agradam outras coisas desagradam no dia-a-dia, até pra reclamar das coisas o Mendes era de uma delicadeza, de uma singeleza sem jamais ofender alguém, jamais proferiu um palavrão no ar, a consideração com os ouvintes, com as pessoas, até pra manifestar o sentimento dele de ser botafogo, de ser gremista, de ter orgulho das coisas do rio grande do sul, em tudo isso ele era de uma gentileza de uma delicadeza. O legado dele, a história dele, tem um livro do Mendes, ele escreveu alguns livros, e esse mais recente, “Minha gente”, que foi escrito pela jornalista Ana Maria Pires, na verdade uma tomada de depoimentos dele, na verdade gente vai ficar como livro de cabeceira pra estar relembrando as histórias, os momentos. Lembro a última vez que falei com ele, ainda no ar, ele já começava a claudicar, a voz ficava um pouco embargada, a mente variava um pouco, já tomado pela doença, ele falava “não, eu estou bom, eu posso fazer o programa”, jamais quis usufruir de folgas, de férias, fazia porque era obrigado pela legislação, mas queria trabalhar, queria estar no ar, no contato com os ouvintes.é uma perda irreparável (chorando muito)
* Colaborou Renan Castro, estudante de Comunicação Social em Jornalismo da Universidade Federal e estagiário da Associação Brasileira de Imprensa.