Luana, musa da CPI, lava nossa alma


03/06/2021


Mais Luanas e menos Nises e Mayras, esse é o Brasil que merecemos. “Não é porque um vírus morre no micro-ondas que eu vou pedir para o paciente entrar no forno duas vezes por dia”. Tem humor ferino a mineira Luana Araújo, médica especialista em doenças infecciosas pela UFRJ. Assim ela detonou, na CPI no Senado, os tratamentos experimentais para Covid, com antivirais in vitro.

Luana tem mestrado nos EUA em Saúde Pública. Fala bem inglês, alemão e até o português, em desuso no Planalto. Canta, toca piano. No Senado, sapateou em cima dos negacionistas fake com o salto alto do conhecimento e da palavra. A discussão sobre a cloroquina, ela chamou de “delirante, esdrúxula, anacrônica e contraproducente”. O tratamento precoce mereceu mais uma ironia: “É como se a gente estivesse escolhendo de que borda da Terra plana a gente vai pular”. Fiquei encantada.Precoce não é o tratamento com as caixinhas de cloroquina e ivermectina que Mayra, Nise, Pazuello e Bolsonaro coagiram médicos a receitar. Precoce é Luana, que aprendeu a ler e escrever sozinha com dois anos e aos quinze foi estudar música na Áustria, já com ensino médio concluído. Em seu perfil do Instagram, canta em inglês, tocando violão. Aí entendo como Luana soube projetar a voz, esgrimindo as sílabas com clareza em seu depoimento. Suas palavras soaram como música para os meus ouvidos.

Luana é carismática e bonita. Não me venham acusar de machista por constatar e apreciar. Com “a política do apropriado”, ficou feio falar das belas. O irlandês maldito Oscar Wilde dizia que “a beleza é superior à genialidade porque não precisa de comentário; ela é um dos fatos do mundo, não pode ser interrogada, é soberana por direito divino”. E sabemos bem que ele não se referia especificamente às mulheres.

Espero que a infectologista vencedora de bolsa de prestígio para a Universidade Johns Hopkins conviva bem com os elogios e a fama repentina. Importante é seu percurso como médica, suas palestras sobre doenças infecciosas, como voluntária, para crianças e adolescentes. Ela mora em Nova Lima (MG) com o marido, fotógrafo oficial do time do Cruzeiro. Virou a musa da CPI pelo que pensa e fala.

Luana podia ser tudo, menos secretária extraordinária de enfrentamento à Covid no governo Bolsonaro. Ainda levaram 10 dias para perceber que ela era uma médica séria, a favor de máscara, distanciamento social, vacinas. Luana já tinha dito que o Brasil, no combate à pandemia, estava “na vanguarda da estupidez mundial” e que o tratamento precoce das Nises e Mayras não passava de “neocurandeirismo”. No Senado, ao ser confrontada com um vídeo do presidente contra máscaras, reagiu: “Como médica, é muito ruim ver isso. Isso dói”.

Tenha cuidado com os efeitos colaterais dos holofotes, Luana. Já surgiram perfis fake sobre você. Os bolsonaristas não perdoarão a goleada acachapante que você impôs a quem despreza a vida. São um rebanho imune à razão, pronto a se imolar em nome do capitão. Aplaudem mentiras cínicas e debochadas.

“Mais de 320 dias. Esse seria o tempo em que teríamos de ficar quietos para respeitar um minuto de silêncio para cada uma das mais de 460 mil mortes por Covid-19 no Brasil. Só de ontem para hoje, é como se mais de 12 aviões comerciais grandes, lotados tivessem caído em nosso território. Essa é a razão pela qual eu estou aqui hoje. Para mim, isso é intolerável e qualquer pessoa precisa fazer o que estiver a seu alcance para impedir essa hecatombe”.

Você lavou nossa alma, Luana, com sua lealdade aos pacientes e ao Brasil.