09/02/2017
O livro ‘A viagem’ é uma narrativa do autor André Borges sobre o cotidiano das prisões, levando o leitor a acompanhar, na pele de Tião, as misérias e pequenas alegrias que povoam esses lugares, a tensão constante da convivência forçada com toda a sorte de gente: ladrões, vagabundos e malandros, assaltantes de bancos, estelionatários, traficantes de drogas e presos políticos.
André Borges mostra a sombria rotina dos prisioneiros, as péssimas condições do cárcere, as brigas e acertos de contas, pessoais e políticas.
“A ideia do livro é de romantizar a vida na prisão, destacando a conscientização dos presos sobre a vida e como superar toda aquela situação. Uma viagem pelo cárcere e o porquê daquela miséria, daquela carência”, comenta o autor André Borges.
A trajetória do paraense André Borges – nascido em Urucuriteua, em São Miguel do Guamá, no Pará, mas criado em Belém – chama a atenção. Preso no Rio de Janeiro em abril de 1958, aos 25 anos, por assalto à mão armada, escapou de ser assassinado pelo Esquadrão da Morte, por ordem do general Amaury Kruell, chefe de polícia do então Distrito Federal.
Inicialmente, após passar por algumas delegacias e penitenciárias – ao todo foram 21 anos de reclusão -, André foi parar na Penitenciária Lemos de Brito, considerado um estabelecimento penal modelo, mas com uma peculiaridade: negros retintos eram poucos.
A vida de presidiário o levou à leitura incessante de livros, que lhe deu embasamento cultural, conscientizando-o politicamente. Embora tivesse sido preso por um crime comum, ele passou a atuar na militância política, ainda que intra-muros, tornando-se assim o elo entre os presos comuns e os políticos.
Entre os vários cursos feitos por André durante o período de reclusão, destaca-se o de jornalismo, criado pelo jornalista Flávio Castelar, também preso, ministrado naquela unidade penal, em meados daquela década, por alguns jornalistas, como Zuenir Ventura e Paulo Henrique Amorim, à ocasião repórteres da revista Realidade.
O curso fez de André Borges o jornalista responsável pela publicação interna de O Encontro. Ele ainda conquistou o 1° lugar em um Festival de Poesias do Sistema Carcerário, transmitido ao vivo pela extinta TV Tupi, produzindo festivais de música, peças de teatro e outras atividades culturais e sociais, em prol do coletivo carcerário.
Apesar de ser um detento considerado de bom comportamento, com livre trânsito dentro daquela unidade carcerária, em 26 de maio de 1969, empreendeu uma fuga cinematográfica da Penitenciária Lemos de Brito. O objetivo era participar ativamente da luta armada. Da fuga, que foi manchete durante dias na imprensa carioca, participaram 10 presos, sendo sete deles políticos e três comuns – André era um dos comuns.
A liberdade durou apenas dois meses. Ao ser preso após uma expropriação (assalto para financiar a luta armada) ao Banco Nacional em Vista Alegre, foi considerado subversivo e preso político.
A fuga e recaptura, fez com que a repressão não mantivesse mais os presos políticos em uma área urbana, enviando-os para o presídio da Ilha Grande. Ali mais mazelas – torturas físicas e psicológicas, divisão dos grupos de presos opositores do regime militar, a disputa (algumas vezes autofágicas) pela hegemonia política dentro do pavilhão – foram passadas, até culminar em novas transferências e a sonhada libertação.
André Borges é um dos fundadores do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Com a vitória de Leonel Brizola, tornou-se assessor da direção do Desipe, cargo pleiteado por ele, apesar de outros mais vantajosos que poderia pleitear. André achava que a experiência com os anos de reclusão seria útil na defesa dos direitos humanos no sistema carcerário. No entanto, com autoridade constituída, em uma posição hierárquica superior àqueles que pouco tempo antes o espancavam, provocou controvérsias.
A reação de alguns agentes penitenciários com uma greve e denúncia aos meios de comunicação, através de cartas, provocou a indagação e campanha de alguns veículos contrários à eleição de Leonel Brizola: “Como pode um criminoso, ex-presidiário, ser detentor de poder dentro do sistema carcerário ?”, inquiriam os opositores do governador, que mesmo assim o manteve em seu governo, transferindo-o, para a Secretaria Estadual de Justiça, à qual estava subordinado o Departamento de Sistema Penitenciário.
Em seus 21 anos de reclusão, André conheceu pessoas como a atriz Ângela Leal, então estudante de Direito que estagiou na Divisão Jurídica do Sistema Penitenciário dando assistência jurídica aos detentos; a atriz e escritora Neila Tavares, responsável pela edição do livro Poesia na Prisão, uma coletânea de vários autores presos, e que também conseguiu a transmissão inédita, ao vivo, do Festival de Poesias, realizado no interior da penitenciária,cujo prêmio foi conquistado por ele.
Além de ser um dos fundadores do PDT, André Borges participou também da criação da Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB). Atualmente, é Vice-presidente do Instituto Palmares de Direitos Humanos (IPDH) no Rio de Janeiro, ligado à questão racial, e Coordenador Estadual-Adjunto do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH).