Foi enterrado neste domingo, dia 28, no cemitério Campo da Paz, em Campos dos Goytacazes, Norte Fluminense, o corpo de Cícero Guedes, 47 anos, um dos líderes sindicais do Movimento Sem Terra(MST), morto a tiros no sábado, 27, quando saía de um assentamento próximo à Usina Cambahyba, onde estão concentradas as famílias do MST que ocuparam o engenho de açúcar desativado, composto por sete fazendas e 3,5 mil hectares de extensão.
Cícero Guedes era responsável pela distribuição de alimentos produzidos nos assentamentos e liderava a ocupação das famílias nas terras da Usina Cambahyba, consideradas improdutivas pelo Incra -Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. A briga na Justiça pela reintegração da área já dura 14 anos.
O corpo de Cícero Guedes foi localizado na manhã do dia 27, em uma estrada rural próxima ao assentamento Oziel Alvez, do MST, do qual era o principal coordenador.
Jocimar Guedes, um dos cinco filhos de Cícero Guedes, afirmou à polícia que horas antes de ser morto, o pai havia recebido uma ligação telefônica.
— Ele atendeu a ligação, tomou um banho e, meio indeciso, ficou assistindo televisão, até que resolveu sair.
Para Marcelo Durão, Coordenador Regional do MST, o crime foi encomendado:
—A gente acredita que o assassinato do Cícero, com mais de 10 tiros em uma emboscada, foi mais um crime de latifúndio aqui na região.
O Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, Deputado Marcelo Freixo, que apresentou na Câmara um relatório com denúncias feitas por assentados, esteve no sepultamento de Cícero Guedes, e também acredita que o crime tenha sido premeditado:
—Há linhas de investigação que indicam que há um jagunço conhecido na região que vem ameaçando pessoas e que tem interesse naquela terra por conta da criação de gado. Isso precisa ser investigado, pois há registros contra essa pessoa na polícia.
De acordo com o Delegado Geraldo Assed, da 134º DP (Campos de Goytacazes), a quantidade de tiros disparados contra Cícero Guedes, bem como a localização deles (quatro na cabeça e seis no tórax) caracterizariam um crime de execução.
—Já ouvimos várias testemunhas e estamos trabalhando para resolver o caso o mais rapidamente possível. A Polícia Civil pediu a quebra do sigilo telefônico da vítima. Nenhum pertence do líder do MST foi levado, o que exclui a hipótese de latrocínio, roubo seguido de morte, disse Geraldo Assed.
A Ministra da Secretaria Especial dos Direitos Humanos do Governo Federal, Maria do Rosário, lamentou a morte do líder do MST e afirmou que a disputa pela terra na região “tem sido agravada pela morosidade na tramitação de processos judiciais que envolvem imóveis considerados improdutivos e, portanto, passíveis de desapropriação para reforma agrária”.
Latifúndio
Segundo o MST, pelas técnicas agrícolas sustentáveis que utilizava em seu lote, Cícero Guedes era considerado uma referência em agroecologia, tanto pelos militantes da organização como por estudantes e professores da Universidade do Norte Fluminense (Uenf) com os quais colaborava. Em nota, o MST exige punição para o crime:
“A morte do companheiro Cícero é resultado da violência do latifúndio, da impunidade das mortes dos sem-terra e da lentidão do Incra para assentar as famílias e fazer a reforma agrária. O MST exige que os culpados sejam julgados, condenados e presos.”
Leia abaixo a íntegra do texto divulgado pelo MST:
“O trabalhador rural e militante do MST Cícero Guedes foi assassinado por pistoleiros nesta sexta-feira (25/1), nas proximidades da Usina Cambahyba, no município de Campos dos Goytacazes (RJ).
Cícero foi baleado com tiros na cabeça quando saía do assentamento de bicicleta. Nascido em Alagoas, ele foi cortador de cana e coordenava a ocupação do MST na usina, que é um complexo de sete fazendas que totaliza 3.500 hectares.
Esse latifúndio foi considerado improdutivo, segundo decisão do juiz federal Dario Ribeiro Machado Júnior, divulgada em junho. A área pertencia ao já falecido Heli Ribeiro Gomes, ex-vice governador biônico do Rio, e agora é controlada por seus herdeiros.
Cícero Guedes era assentado desde 2002, no Sítio Brava Gente, no norte do Rio de Janeiro, no assentamento Zumbi dos Palmares, mas continuou a luta pela Reforma Agrária. Era uma referência na construção do conhecimento agroecológico tanto entre os companheiros de Movimento como também entre estudantes e professores da Universidade do Norte Fluminense.
No lote, ele desenvolvia técnicas da agroecologia, com uma diversidade de plantas, respeitando a natureza e aproveitando de tudo que ela poderia dar. Começou com o plantio de sua cerca viva de sabiá, que viu sua propriedade melhorar visualmente e também obter uma boa fonte de renda.
Cícero também era conhecido pelas suas bananas, presentes em muitas partes do lote, consorciadas com leguminosas, milho e espécies frutíferas.Os filhos cresceram vendo a experiência se desenvolver e aprenderam com o pai que os alimentos produzidos na agroecologia têm qualidade superior aos do supermercado.
O agricultor assentado Cícero Guedes dos Santos, desde o inicio da ocupação do seu lote em 2002, já possuía o desejo de ter em sua área diversidade de plantas , respeitando a natureza e aproveitando de tudo que ela poderia dar. A natureza , inclusive, foi a fonte de inspiração para esse tipo de consciência e o entendimento da mesma fez com que esse sentimento de preservação e convívio fosse dia-a-dia.
O complexo de fazendas tem sido palco de todo tipo de violência: exploração de trabalho infantil, exploração de mão de obra escrava, falta de pagamento de indenizações trabalhistas, além de crimes ambientais.
Em dezembro, o Incra fez o compromisso de criar um assentamento na área da usina, mas até agora não avancou no sentido de assentar as famílias.
A morte do companheiro Cícero é resultado da violência do latifúndio, da impunidade das mortes dos Sem Terra e da lentidão do Incra para assentar as famílias e fazer a Reforma Agrária. O MST exige que os culpados sejam julgados, condenados e presos.
As fazendas da Usina Cambahyba acumulam dívidas de milhões com a União. O processo de desapropriação está paralisado há 14 anos, desde que o Incra considerou aquelas terras improdutivas e passíveis de desapropriação para fins de reforma agrária.
Porém, a dívida da usina não se limita ao aspecto financeiro. No último mês de maio, os brasileiros ficaram estarrecidos com a revelação de que os fornos de Cambahyba foram usados para incinerar corpos de 10 militantes políticos durante a ditadura civil-militar brasileira.
A confissão do ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), Cláudio Guerra, consta no livro “Memórias da uma guerra suja” e foi divulgada por toda a imprensa.
Até hoje, porém, a Justiça Federal impede a desapropriação da área e já determinou despejos violentos de famílias que reivindicam a terra. Essa é a segunda vez que o MST realiza uma ocupação na área da usina.
A primeira foi em 2000, e seis anos depois, as Polícias Federal e Milita, por decisão da Justiça Federal de Campos, despejaram as 100 famílias que haviam criado o acampamento Oziel Alves II.”
*Com MST, G1, O Globo, Portal Vermelho.