25/03/2022
Uma réplica a Mino Carta, contestado de ponta a ponta
Norma Couri
A Carta Capital com data de capa de 1/12/2021 trouxe editorial de Mino Carta (“Lições de Jornalismo”, pág. 6) sobre o “Almirante Negro” e Hannah Arendt, no qual o autor inseriu o seguinte parágrafo:
“Comentava Alberto Dines que minha cultura começava e terminava naquele pensamento de Hannah Arendt. Então diretor do Jornal do Brasil, Dines é o enésimo, retumbante equívoco brasileiro, com seu passado de delator em proveito dos ditadores, condecorado em praça pública pelo almirante Augusto Rademaker, integrante da junta militar que mandou depois da morte de Costa e Silva, até o advento de Emilio Garrastazu Médici. De minha parte, aquela passagem representava a ejaculatória de um exorcismo contra a violência ditatorial.”
ALBERTO DINES NÃO FOI CONDECORADO POR RADEMAKER
Não é verdade que Alberto Dines tenha sido condecorado pelo Almirante Rademaker.
Pedi oficialmente ao Ministério da Marinha que fizesse uma busca e me informasse sobre todas as condecorações concedidas a Alberto Dines. A varredura foi feita e os responsáveis pelo serviço de informação encontraram uma condecoração, de 1963, durante o governo João Goulart, como prova a seguinte comunicação:
“10/02/2022
Prezada Senhora Norma Couri,
Agradecemos o seu contato com a Marinha do Brasil pela plataforma Fala.BR.
Em atenção a sua manifestação, este Serviço participa que existe registro de concessão da Medalha Mérito Tamandaré ao Sr. Alberto Dines em 29/05/1963, ocasião em que era o Ministro da Marinha o Almirante de Esquadra Pedro Paulo de Araújo Suzano.
Por fim, nos termos do art. 21 do Decreto nº 7.724/12, eventual recurso sobre esta resposta será dirigido ao Chefe do Estado-Maior da Armada, no prazo de 10 dias.
Atenciosamente,
Serviço de Informações ao Cidadão da Marinha do Brasil”
Está no Jornal do Brasil, de 12/06/1963, nota sobre a medalha Mérito Tamandaré (ver aqui: https://bit.ly/36yowEm) que Alberto Dines recebeu quando o presidente era Jango Goulart e o Ministro da Marinha, o almirante Pedro Paulo de Araújo Suzano. Foram 247 os agraciados, entre eles o almir ante Cândido Aragão, comandante do Corpo de Fuzileiros Navais, aliado extremo de Jango.
Uma condecoração ao editor-chefe de um dos maiores jornais do país, recebida de um almirante da junta militar, jamais passaria despercebida na imprensa, como afirma a jornalista Ana Lagoa, setorista da área militar naqueles anos de chumbo, primeiro para o Jornal do Brasil, depois para a Folha de S.Paulo. Ela nunca ouviu falar de condecoração do ministro da Marinha da junta militar para Dines. “Eu saberia”, disse. Não ouviu falar porque o fato não existiu.
Dines foi preso em 1968 e, depois, várias vezes detido ao longo dos anos. Como poderia ser condecorado pelos militares da ditadura um ano depois, já tendo sido condecorado em 1963 no governo Jango? Basta pesquisar na coleção do Jornal do Brasil que consta da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional para se chegar ao resultado a que chegou um jornalista que trabalhou por quase duas décadas com Alberto Dines: “Não há nada que relacione Dines a Rademaker nem no JB nem no acervo do Estadão. O máximo que encontrei entre os dois foi o antagonismo”, disse Mauro Malin.
ALBERTO DINES NUNCA SERVIU À DITADURA OU FOI DELATOR
Não é verdade que Alberto Dines tenha atuado como delator. A jornalista Beatriz Bonfim, que trabalhava no Jornal do Brasil desde 1962, nunca ouviu semelhante relato de condecoração ou delação. “E naquele meio se sabia de tudo.”
Fernando Gabeira, que a convite de Dines foi copidesque do Diário Carioca aos 18 anos, em seguida levado para o JB onde trabalhou no Departamento de Pesquisa e nos Cadernos de Jornalismo, ambos criados por Dines, ficou chocado com o ataque de Mino Carta. Gabeira saiu do jornal para participar da luta armada contra a ditadura como militante do Movimento Revolucionário Oito de Outubro, e Dines sabia. Gabeira contesta: “Se Dines tivesse sido delator, eu estava preso!” E condecoração de Rademaker? “Nunca ouvi falar. Participei até de um seminário sobre a obra do Dines há alguns anos , promovido pela Fapesp. Dines era um democrata.”
ALBERTO DINES FOI PRESO NA DITADURA
Dines esteve preso durante a ditadura e defendeu em diversas ocasiões pessoas que foram perseguidas pelos militares. Rademaker só assumiu o ministério da Marinha em 1967, onde permaneceu até 1969, quando integrou a junta militar de 31 de agosto a 30 de outubro.
No dia 21 de dezembro de 1968, eu estava no auditório para assistir à formatura da última turma de três anos de Jornalismo da PUC do Rio quando o paraninfo adentrou rasgando o discurso preparado para a ocasião. Era Alberto Dines, que brindou os formandos e a plateia com um discurso arrasador sobre o AI-5, baixado uma semana antes, a 13 de dezembro. Saiu dali preso. No Natal deram-lhe um refresco, mas voltou em seguida e dali em diante foram prisões sucessivas enfrentadas pelo então editor-chefe do Jornal do Brasil.
ALBERTO DINES DEFENDEU PESSOAS AMEAÇADAS PELA DITADURA
A jornalista Vera Perfeito, que estava nesta turma de formandos da PUC e depois integrou a redação do JB, lembra-se desse dia com orgulho; e de outro, quando o colega Ernest Peter Matheson foi levado pelos policiais para depor a mando do Ministério do Exército, em 1969. “Dines, editor-chefe, não deixou o Peter ir sozinho. Toda a redação viu: foi depor junto com ele”.
ALBERTO DINES DEFENDEU PESSOAS PRESAS PELA DITADURA
Ana Arruda Callado, uma das primeiras mulheres a frequentar uma redação de jornal, foi encarcerada por algum tempo e recorda que, no dia do julgamento, não teve coragem de pedir que Dines fosse depor em sua defesa. “Ele se ofereceu espontaneamente para testemunhar em minha defesa, veio junto com Prudente de Moraes, neto, então presidente da Associação Brasileira de Imprensa. Isso era incomum. Naquele período todo mundo tinha muito medo, e os militares nem acreditaram quando viram os dois entrando para me defender”.
ALBERTO DINES TEVE COMPORTAMENTO DIGNO COMO EDITOR-CHEFE DO JORNAL DO BRASIL
O jornalista Mauro Malin se recorda de que foi às ruas cobrir uma manifestação em 1968 quando alguém pediu que ele segurasse uma das pontas da bandeira do Brasil, pedindo dinheiro para o Partido Comunista, enquanto se ausentava. “Nesse momento saem do JB, que era na própria avenida das passeatas, a Rio Branco, o editor-chefe Alberto Dines e o chefe da redação, Carlos Lemos. Eu tentei inutilmente me encolher quando vi os dois, achei que ia ser demitido com aquela bandeira na mão, e ainda no horário de trabalho. Mas os dois passaram por mim gargalhando e me gozaram.”
ALBERTO DINES TEVE COMPORTAMENTO DIGNO NA FOLHA DE S.PAULO
Vera Durão trabalhava na sucursal carioca da Folha de S.Paulo quando a categoria resolveu fazer greve, em 1979. A ordem da sede era para que todos fossem demitidos. “Dines, diretor da sucursal, se recusou a nos demitir e foi demitido primeiro; nós, em seguida.”
Dines depôs a favor de vários jornalistas em diversos processos. E escondeu outros que se sentiam ameaçados, em nossa casa.
ALBERTO DINES DENUNCIOU DELATORES
Na coluna “Jornal dos Jornais” que escrevia na Folha de S.Paulo, Alberto Dines denunciou delatores, como fez na edição de 12/10/1975, sob o título “Caça às bruxas”. O alvo era o colunista do Shopping News, Claudio Marques, que em sua campanha investia contra o Departamento de Jornalismo da TV Cultura, que apelidava de TV-VietCultura. No mês seguinte, 2/11/1975, Dines se ocupou longamente do assassinato de Vladimir Herzog, e no ano seguinte, dias 18 e 25/04/1976, do desaparecimento da estilista Zuzu Angel e de seu filho Stuart Angel, num ato de extrema coragem naqueles anos sombrios.
ALBERTO DINES ATUOU CONTRA A DITADURA
As páginas do UOL na revista “Aventuras na História”, de 31/3/2021 registrou o contrário do que Mino Carta irresponsavelmente afirmou:
“A censura também engrossou. Logo na noite de 13 de dezembro os jornais foram tomados por funcionários do governo dispostos a controlar tudo o que seria publicado sobre o AI-5. O Jornal do Brasil ainda conseguiu driblar o controle, no primeiro dia. O diário, liderado pelo jornalista Alberto Dines, traria em sua capa algumas chamadas curiosas: ‘Ontem foi o Dia dos Cegos’ e ‘Tempo Negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos. Max.: 38 graus, em Brasília. Min.: 5 graus, nas Laranjeiras’. Dines acabaria preso, assim como Oswaldo Peralva, di retor de redação do Correio da Manhã.”
ALBERTO DINES RECEBEU CONDECORAÇÕES, SIM, DE OUTRO TEOR
Em matéria de condecoração governamental, o máximo que encontramos foi a Grã-Cruz da Ordem do Mérito das Comunicações, recebida por Alberto Dines das mãos do então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010. Sem contar os prêmios Maria Moors Cabot de Jornalismo (1970); Jabuti de Estudos Literários (1993); Austrian Holocaust Memorial Award (2007); Austrian Golden Decoration for Science and Art (2009); Vladimir Herzog (Prêmio Especial, 2012); Abraji (Contribuição ao Jornalismo, 2016); e ANJ (Prêmio Liberdade de Imprensa, 2018).
ALBERTO DINES RESPONDERIA ELE PRÓPRIO SE ESTIVESSE VIVO
Mino Carta sabe que não ficaria sem resposta se Dines estivesse vivo. Sua covardia foi publicar uma inverdade e fazer uma acusação sem provas porque sabe que morto não fala. Mas este morto deixou um legado, uma história viva no jornalismo brasileiro, na qual se insere a criação deste Observatório da Imprensa. Onde Luiz Egypto, editor durante 20 anos do Observatório, encontrou o relato do dia 20 de julho de 2010. Estava no rodapé de um texto primoroso de Dines sobre o fim do Jornal do Brasil (“Paradoxos impressos, notas para um obituário”, ver aqui: https://bit.ly/3D5PUWv):
“Em tempo: amuado com as críticas pela incrível adesão ao esquema Berlusconi, o jornalista Mino Carta escreveu um texto com título lapidar: ‘O silêncio é de ouro’. Aparentemente aposentou-se, mas sua carga de peçonha é inesgotável. Na edição de Carta Capital (21/7, p. 13) no registro sobre a morte anunciada do JB, mandou escrever o seguinte: ‘Em 1964, sob orientação editorial de Alberto Dines [o jornal] apoiou o golpe’. Quem dá ‘orientação editorial’ são os donos do jornal, mesmo no semanário chapa-branca que di rigia. Este observador foi editor-chefe do jornal e se orgulha do seu currículo profissional. Envergonhado, Mino Carta esconde o seu: jamais explicou aquela festinha na redação de 4 Rodas, da Editora Abril, quando subiu na mesa para comemorar a derrubada de Jango”.
ALBERTO DINES TRATAVA SEUS DETRATORES DE FORMA ELEGANTE
Quando completou 80 anos, Alberto Dines foi o entrevistado do programa Roda Viva, da TV Cultura, em 19/3/2012. O entrevistador pediu sua opinião sobre as revistas de informação e Dines elogiou a Carta Capital como a única que se distinguia do padrão Veja.
Zezé Sack, produtora durante 20 anos do programa da TV Brasil criado por Dines, Observatório da Imprensa, conta que 12 anos antes, em 2000, Dines fez questão de convidar Florestan Fernandes Jr. para entrevistar Mino Carta, que acabava de lançar O Castelo de Âmbar. Zezé Sack comenta: “Dines, sempre elegante”.
Alberto Dines nunca se pautou pelo rancor pessoal. Os interesses do público falavam sempre mais alto no jornalista que faz muita falta no cenário atual, onde sua obra, espalhada em livros, palestras, rádio, TV, revistas, jornais, aulas e projetos segue cada vez maior entre nós.
Este texto de esclarecimento expõe os fatos que desmentem de forma definitiva as acusações irresponsáveis que o editorial da revista Carta Capital lançou contra ele.