30/09/2009
Ahmad mohammad, Mio Vacite, Beatriz Santos, Edson Santos, Mãe Beata, Diane Kuperman, Krishna Shawhá e Don Antônio Augusto Dias Duarte |
O Seminário Nacional sobre a Proteção à Liberdade Religiosa teve início na manhã desta quarta-feira, 30, no Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar do edifício-sede da ABI, entidade promotora do evento juntamente com a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, e apoio da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro(PUC) e Rede Globo de Televisão.
O encontro reuniu representantes de diversas religiões, autoridades, pesquisadores, jornalistas, estudantes universitários, artistas, entre outros, como Daniel Souto Maior, representante da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, cuja presença foi saudada com entusiasmo pelos participantes.
O Ministro Edson Santos, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial(Seppir) coordenou a mesa de abertura formada pela Deputada estadual Beatriz Santos(PRB), por Mãe Beata de Yemanjá, representante do Candomblé; Krishna Shawhá, da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna Hare Krishna; pela jornalista e doutora em Comunicação Social, Diane Kuperman, Conselheira da Associação Religiosa Israelit e membro da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa; por Mio Vacite, da União Cigana do Brasil, o representante muçulmano Salah Al-Din Ahmad Mohammad, Presidente da Sociedade Beneficente de Desenvolvimento Islâmico; e Dom Antonio Augusto Dias Duarte, Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro.
O Diretor Cultural da ABI, Jesus Chediak agradeceu a presença de todos em nome da Associação e do Presidente Maurício Azêdo:
—Gostaria de aproveitar a ocasião para recordar a figura de Olga de Alaketu, que conheci na Bahia, quando eu era um comunista ateu. Ela me deu grandes momentos de felicidade e descoberta. Aprendi que o objetivo mais profundo da religião é o amor e a entrega. E é em torno disto que estamos aqui reunidos. A luta pela liberdade religiosa está acontecendo no auditório da ABI, onde, nos últimos 100 anos, foram erguidas todas as lutas pela liberdade da sociedade brasileira.
Entendimento
Mio Vacite, representante da comunidade cigana, iniciou os discursos de abertura agradecendo a participação no seminário e a oportunidade de contribuir para a definição de ações concretas contra a intolerância religiosa:
—Em nome da cultura cigana me sinto agraciado em estar nesta Casa, pois o representante máximo da democracia é o jornalismo. Espero que, a partir de agora, sejamos mais ouvidos.
O Presidente da Sociedade Beneficente de Desenvolvimento Islâmico, Salah Al-Din Ahmad Mohammad, saudou a platéia e os membros da mesa e aplaudiu o diálogo entre as religiões:
—Nesta mesa não existem religiões e sim seres humanos voltados para o entendimento. O que mais fundamenta a existência desta mesa é o respeito de Deus pelo nosso livre-arbítrio. Deus não nos impõem uma religiosidade; não nos impõem uma forma de agir ou outra. Deus nos aceita com toda a nossa carga de defeitos e todas as nossas virtudes. Aqui não se pratica apenas um ato de cidadania e demonstração da democracia brasileira. Existe a coerência de uma luta voltada para o direito de praticarmos a nossa fé sem que alguém nos pré-julgue. Espero que possamos sair deste encontro mais fortificados por trabalharmos em comum acordo.
Representante da comunidade judaica, a jornalista Diane Kupermam falou sobre a emoção em estar na ABI, “cenário das evoluções do pensamento e da caminhada para a construção da democracia no País”.
—A liberdade é uma conquista fundamentada no conhecimento. Sem ele nunca alcançaremos o respeito mútuo e o saber que indica que as religiões, por mais diversas que possam parecer, pregam o amor e o respeito ao próximo. Conclamo os meios de comunicação a fazer a sua parte, divulgando temas sobre as religiões e evitando o constrangimento de alguma delas. As escolas e faculdades também precisam cumprir o seu papel de ensinar as religiões pelo viéis do respeito pela diversidade e pela liberdade religiosa. Todos nós trabalhamos pelo bem comum e por um mundo sem preconceitos.
União
Dom Antonio Augusto Dias Duarte, Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro, representante da Igreja Católica, lembrou a importância das ações em torno da liberdade religiosa:
— Esta tem sido a tônica da Igreja Católica: construir a unidade sobre a diversidade.
O conceito está refletido neste seminário, no qual trabalharemos em prol da união entre as religiões.
Krishna Shawhá, da Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna Hare Krishna, ressaltou que este discurso inter-religioso é uma conquista da democracia:
—Quando se fala em direito e liberdade, vem à tona o dever e a responsabilidade. As escrituras milenares na Índia lembram que agora, na figura humana, é hora de indagar sobre a verdade absoluta, a suprema personalidade de Deus. A compreensão disto transcende a religião, o instrumento para a realização suprema da vida humana.
A Deputada evangélica Beatriz Santos destacou a crença em Deus como ponto de partida para a conquista da liberdade religiosa:
—Antes de tudo, precisamos acreditar em Deus e respeitar a liberdade de cada religião e de cada indivíduo.
O Ministro Edson Santos encerrou a solenidade de abertura discursando sobre a relevância do encontro em torno da defesa da liberdade de manifestação religiosa.
—Quero saudar a ABI, presidida por Maurício Azêdo, que foi Vereador e Conselheiro do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro. Agradeço o apoio da PUC e da Rede Globo ao encontro. È preciso entender que o estado brasileiro é laico, mas não é neutro em relação às questões sobre democracia e liberdade. Esta é uma oportunidade para todos nós, e para o Estado brasileiro, em particular, já que ao longo da história do País, as religiões de matriz africana foram perseguidas por órgãos públicos, incluindo apreensão de objetos e imagens utilizadas por esta corrente religiosa. Portanto, o momento é de reflexão e de ação compensatória neste sentido. Estamos buscando um tratamento de equidade a todas as correntes religiosas no país. Como as religiões africanas tiveram no Estado um adversário, é preciso, agora, um olhar especial para quem precisa de mais estímulo por parte do Governo brasileiro.
Debate
Na seqüência, foi dado início ao debate intitulado “Estado laico e liberdade religiosa”, que contou com a participação de Roberto Araújo, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República; Carlos Moura, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB); coronel Jorge da Silva, doutor em Antropologia; Ivanir dos Santos, Diretor do Centro de Articulação da População Marginalizada(Ceap), que atuou como mediador, além de Edson Santos e Mãe Beta de Yemanjá.
Autor do “Guia de Luta Contra a Intolerância Religiosa e o Racismo”, lançado pela Comissão de Combate a Intolerância, formada por representantes da sociedade civil e religiosos, o coronel Jorge da Silva começou a discussão relacionando a intolerância religiosa com o preconceito.
—A intolerância religiosa em relação às religiões de matriz africana tem a ver mais com o racismo do que com religião. Este é o ponto que precisamos sublinhar em razão da gravidade. Em um país como o nosso, com a vocação da harmonia, como podem existir grupos minoritários de comunicação que promovem a violência religiosa, a discórdia? Estas manifestações de intolerância devem ser rechaçadas por todos nós e é para isto que estamos aqui. Estamos diante de conflitos de interesses que precisam ser mediados.
Roberto Araújo, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, falou, em seguida, sobre os benefícios da prática da religiosidade na sociedade brasileira:
—A Constituição Federal nos estimula a ter consciência plena da garantia de nossos direitos, da nossa cidadania, consagrando também a liberdade religiosa. A nossa história de vida como cidadãos brasileiros em um estado que tem o dever de proteger o pluralismo, a diversidade religiosa. Está expressamente assegurada na nossa Constituição, faz parte do rol dos direitos fundamentais dos direitos humanos. Tudo é liberdade. Estamos desenvolvendo uma série de projetos e iniciativas que representam avanços na conquista da religiosidade, como a implantação do Centro de Referência e Direitos Humanos e Diversidade Religiosa, colaborando para se construir um Plano Nacional, bem como outras experiências sobre a diversidade religiosa neste país.
Representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB), Carlos Moura sublinhou a relevância do encontro para o resgate da fé e da fraternidade.
—Precisamos conviver sem a intolerância religiosa e consagrar o amor e a esperança no sobrenatural. Trabalhos como este de hoje transformam em riacho o enorme oceano que nos separa da África. Estamos caminhando neste sentido. A CNBB tem a pastoral afro-brasileira e agentes pastorais negros. Na última semana, decidimos constituir uma comissão de religiosos católicos e de religiões de matriz africana para formar um grupo de trabalho com o objetivo de estreitar esta relação e os princípios da unidade.
Solidariedade
O mediador do encontro, Ivanir dos Santos, lembrou a necessidade de ser estabelecido o caráter prático e o espírito solidário entre as religiões.
—Não é fácil para as outras religiões se colocarem ao lado das religiões de matriz africana. Em geral, apenas os representantes participam do debate, mas nunca os seus segmentos. Precisamos exercer este diálogo para apagar questões profundas e dificuldades que precisam ser superadas em favor da unidade. A intolerância religiosa é uma ameaça à democracia. Todo o discurso do Estado deve ser acompanhado de ação.
Ao encerrar o evento, Edson Santos firmou o compromisso neste sentido.
—O Governo brasileiro está mobilizado na construção de um plano estratégico de combate á intolerância religiosa. Um exemplo disto é a parceria que firmamos com a PUC-Rio para fazer o mapeamento geográfico das comunidades religiosas de matriz africana. O Estado perseguiu este grupo no passado. Hoje, implementamos ações de resgate e valorização da cultura e da memória do nosso povo. Fico feliz em relevar tudo isto aqui na ABI, espaço sensível ao tema intolerância. Onde foi realizada a primeira manifestação contra o Estado Novo, e, mais tarde, na década de 1980, em favor das eleições diretas no País.