Lessa defende moratória no combate à crise


04/12/2008


                                          Nando Neves

O economista Carlos Lessa participou do segundo dia do seminário realizado nesta quarta-feira, 3, na ABI, discutindo “A crise e seus reflexos no Brasil”, tema dos debates na parte da manhã. Primeiramente, ele detalhou as ações que originaram a crise econômica:
— A quebra do padrão-ouro, em 1971, fez com que o dólar, que já era a coluna central do poder norte-americano, ao lado do potencial bélico, viabilizasse a idéia de que o mercado é a instituição suprema, acima do Estado, e que a desregulação se expandisse. Gradativamente, o céu passou a ser o limite para o lançamento de produtos financeiros e para a securitização. Quando a crise de confiança explodiu, em setembro último, os bancos de investimento dos EUA estavam alavancados em mais de 40 vezes.

A especulação produziu uma enorme bolha com as commodities, agora em queda livre. Este fato, aliado às aplicações feitas por 200 grandes empresas nacionais em derivativos, põe o Brasil em situação delicada, segundo Lessa:
— A Caixa de Previdência dos Funcionários do BB (Previ) já perdeu R$ 15 bilhões, enquanto a Sadia, US$ 1,5 bilhão com derivativos; a Aracruz Celulose, US$ 8 bilhões e o grupo Votorantim, R$ 2,2 bilhões. Para se ter uma idéia do impacto disso na economia real, os municípios de Santa Catarina onde a Sadia atua são os de maior renda per capita do País.

Para preservar as reservas cambiais brasileiras, o ex-Presidente do Banco Central defendeu a moratória para as aplicações de derivativos, a adoção de medidas urgentes para proteger o mercado brasileiro — principalmente da China, que, segundo ele, abusará da prática do dumping — e o aumento do gasto público, transferindo para o BNDES R$ 100 bilhões do Tesouro atualmente depositados no BC.

Lorenzo, Coimbra, Lessa e Gustavo

Vulnerabilidade 

Por sua vez, o economista Gustavo Santos, da Associação de Funcionários do BNDES, ressaltou que o Brasil poderá passar por graves problemas cambiais já no primeiro trimestre de 2009. Ele calcula que as exportações brasileiras deverão cair 20% no próximo ano e que haverá grande escassez de dólares no País:
— Estaremos vulneráveis a crises cambiais e as reservas já estão comprometidas por causa da venda futura de dólares em operações de swap (empréstimos entre bancos), que até agora somam US$ 30 bilhões. Se o BC quiser manter o dólar a R$ 2,30, aproximadamente, terá que aceitar perdas aceleradas de reservas.

Gustavo santos defendeu a adoção dos programas de gasto público BNDES Tesouro e BNDES Social.
— É preciso usar o gasto público para evitar que a desaceleração no Brasil seja até maior que nos EUA. Enquanto houver desemprego, não haverá perigo de inflação, pois cada trabalhador incorporado significa mais produção.

O jornalista Lorenzo Carrasco lembrou que, enquanto a corrente de comércio internacional corresponde hoje a US$ 20 trilhões, as estimativas para o mercado de títulos derivativos já se aproximam de US$ 1,5 quatrilhão:
— Não estamos vivendo apenas uma crise cíclica do capitalismo. A reserva federal já não controla mais o processo econômico.

Ele atacou as formas atuais de colonialismo e defendeu a centralização do câmbio e também, como Carlos Lessa, a moratória para as dívidas atreladas a derivativos.

A mídia

                        Geraldo, Sérgio, Marcos e Assis

À tarde foi realizada a mesa “A mídia e a crise”, que reuniu três jornalistas: o professor Marcos Dantas, José Carlos Assis, que é também economista, e Sérgio Souto, do Monitor Mercantil. Geraldo Lino, representante do Movimento de Solidariedade Ibero-americano (MSIA), mediou o debate, que Dantas abriu lembrando que, para se discutir o projeto de crescimento no País, é necessário discutir a Comunicação.

Segundo o professor, os meios de comunicação produzem audiência alimentados por “um modelo que implementa conteúdos por sua própria natureza ideológicos e reprodutores do sistema econômico vigente”. E isso, diz ele, inclui os jornalistas:
— Considero um equívoco criticarem apenas os patrões, quando os profissionais envolvidos também alimentam esta prática. O desenvolvimento do País só será possível a partir da permanente mudança de estilo de vida, que implica a mobilização de toda a sociedade no sentido de alterar os processos de trabalho e a construção de novas necessidades que não excluam a maioria. Os jornalistas se transformaram numa casta que escreve apenas para uma minoria, em detrimento dos interesses do povo brasileiro. Em busca de audiência e publicidade, preocupam-se com a satisfação dos donos do veículo e o próprio bolso.

Regulação

O jornalista e economista José Carlos de Assis defende o controle de mercado como saída para o problema:
— A solução da crise encontra suas bases na cooperação internacional e na regulação. O mercado está globalizado e exige colaboração mundial, que ultrapasse a barreira do capital e avance para os campos social, filosófico e ambiental. Barack Obama está sinalizando neste sentido, ao contrário de George Bush, que não assinou o Tratado de Kyoto. O mesmo pode ser dito no campo das guerras. Há cinco nações de primeira linha “nuclearizadas”. Todos precisam trabalhar para o desarmamento.

Em relação ao Brasil, José Carlos assegura que há medidas para enfrentar a crise:
— Atravessaremos um momento delicado de desemprego, especialmente no início do próximo ano. Contudo, temos perspectivas de aplicação de políticas de pleno emprego. Ao contrário do que se pensa, o País revelará em curto prazo oportunidades interessantes de desenvolvimento. Nesta tendência, a mídia precisará redistribuir suas funções a partir do avanço da internet. Os jornais buscarão o campo da análise, enquanto as revistas se associarão à TV no do entretenimento.

O terceiro debatedor Sérgio Souto falou sobre as deficiências da imprensa nacional.
— Há muito tempo estamos indignados com o tipo de cobertura que se faz hoje em dia. Seu caráter monopolista ignora o pluralismo que caracteriza a realidade brasileira. A mídia e seu poder hegemônico perderam a interlocução com a sociedade. 

O jornalista assegura ainda que a crise econômica está abrindo o debate sobre questões importantes na mídia:
— A crise estourou a velha agenda. As fontes mudaram mediante a crise. Os assuntos outrora travados pela hipocrisia voltam à cena. Quando a realidade sofre mudanças, é preciso procurar os atores antes condenados à invisibilidade. Para responder as dúvidas da audiência é preciso ouvir Carlos Lessa e outros especialistas importantes dentro do espaço destinado ao jornalismo econômico, o núcleo duro da imprensa.

Sérgio Souto também considera a crise econômica oportuna para mudanças efetivas na imprensa:
— O jornalista precisa acreditar no que faz e encarar o trabalho como uma missão em defesa da sociedade. Precisamos pensar no nosso papel e buscar, em encontros como este, alternativas que potencializam a discussão em torno da mídia. Este é o melhor momento.