18/10/2021
Os 50 anos de morte de Leila Diniz em um desastre de avião em Nova Délhi, na Índia, aos 27 anos, acontecem em 2022, e o Cineclube Macunaíma homenageia a atriz, amanhã, exibindo Leila Diniz (1987), de Luiz Carlos Lacerda, o Bigode, disponível no YouTube. Louise Cardoso, interpretando a atriz, foi premiada como melhor atriz no Festival de Brasília. O filme retrata a vida da mulher considerada revolucionária, na década de 1960, que rompeu tabus e preconceitos através de suas ideias e atitudes, sendo perseguida pelo DOPS na ditadura. Link para o filme:https:/youtu.be/iZoP5G-y2DA.
Leila Diniz é um longa-metragem biográfico de 90 minutos, colorido, e que também faz críticas sutis às realidades do Brasil e de Cuba, à época. No elenco, estão Marieta Severo, Tony Ramos e Paulo Cesar Grande, premiado como melhor coadjuvante no Festival de Brasília, entre outros. Às 19h30, haverá um debate sobre a obra com o diretor Bigode, o cineasta Silvio Tendler, a atriz Louise Cardoso e o roteirista Fernando Severo. A mediação é do jornalista Ricardo Cota. Assista pelo canal da ABI no YouTube. Link:bit.ly/3uZn84f
Leila e o filme
Leila antecipou sua volta do festival de cinema de Adelaide, na Austrália, para onde foi receber o prêmio de melhor atriz por Mãos Vazias (1971), seu último filme, e também dirigido por Luiz Carlos Lacerda que a acompanhou. Ela estava com saudades da filha Janaína, de sete meses.
A atriz foi a musa inspiradora do escritor, cineasta e ator Domingos Oliveira (com quem se casou aos 17 anos e se separou três anos depois) em seu filme clássico, intitulado Todas as Mulheres do Mundo, de 1966. Em Leila Diniz o próprio Bigode coloca-se como personagem, interpretado por Diogo Vilela, e também viveu intensamente aquele momento de transformação do país na ditadura.
Leila nasceu em Niterói, era filha de pais separados e, já casada com Domingos Oliveira aos 17 anos, estreou como atriz dramática, contracenando com Cacilda Becker na peça “O preço de um homem”, em 1964. Foi corista em show de Carlos Machado e, aos 20 anos, termina o casamento com Domingos de Oliveira, tendo início sua carreira na TV Globo, com papéis menores até trabalhar em “Eu compro essa mulher”, de Glória Magadan. A projeção nacional veio meses depois com a personagem Madelon de “O sheik de Agadir”, da mesma autora. Ela fez 12 novelas em várias televisões.
Sua estreia no cinema foi em O Mundo Alegre de Helô. Participou da co-produção entre Brasil e México, Jogo Perigoso, do diretor Luiz Alcoriza, conhecido pelo trabalho de roteirista com Luis Buñuel, mas é com Todas as Mulheres do Mundoque Leila Diniz se projeta como atriz e personalidade, atuando numa história dirigida pelo ex-marido que incorporou claras referências à vida em comum do casal. Ela voltou a ser dirigida por Domingos em Edu, Coração de Ouro.
No cinema, a atriz alternou papéis de protagonista, coadjuvante e participações especiais. Trabalhou em Madona de Cedro, romance de Antônio Callado e em Corisco, o Diabo Loiro. Em 1968, Leila foi à Alemanha representar Fome de Amor, de Nelson Pereira dos Santos, no Festival de Berlim.
Em novembro de 1969, é publicada em O Pasquim a entrevista que se tornaria histórica quando ela incentiva o amor livre, o uso de biquíni na gravidez e fala diversos palavrões substituídos por asteriscos na publicação.
Alegando razões morais, a TV Globo não renovou contrato com a atriz, que então recebe o apoio do apresentador Flávio Cavalcanti. Em 1970, ela se torna jurada no programa dele e passa a viver no sítio do apresentador, num momento em que é acusada de ter ajudado militantes de esquerda.
Mais tarde, Leila reabilita o teatro de revista e dá início a uma curta, mas bem-sucedida carreira de vedete. Protagoniza “Tem banana na banda”, sempre improvisando a partir dos textos escritos por Millôr Fernandes, Luiz Carlos Maciel, José Wilker e Oduvaldo Viana Filho.
Ela ganhou o concurso de Rainha das Vedetes, recebendo o título das mãos de Virgínia Lane e também foi eleita Madrinha da Banda de Ipanema.
Em 1971, faz uma ponta em O Donzelo, no papel dela mesma. Como protagonista atua em Mãos Vazias, primeiro filme de Luiz Carlos Lacerda, seu amigo íntimo de adolescência.
Namorando o cineasta Ruy Guerra, engravida nos primeiros meses deste mesmo ano, tornando-se a grávida do ano, eleita pelo programa do Chacrinha. Exibindo a grande barriga de oito meses, é fotografada de biquíni na praia, numa atitude inédita e audaciosa para a época. Em novembro, nasce a filha Janaína. Depois de uma temporada de dedicação integral ao bebê, Leila volta aos palcos do teatro de revista. No Carnaval seguinte, filmou sua última participação no cinema: Amor, Carnaval e Sonhos, de Paulo César Sarraceni.
Em junho, deixa o Brasil para representar Mãos Vazias no Festival de Cinema da Austrália e com saudades da filha antecipa a viagem de volta, partindo antes do encerramento. No dia 14 de julho de 1972, a tragédia: o avião da Japan Airlines em que viajava explodiu no ar, quando sobrevoava Nova Délhi, na Índia. Seu falecimento causou comoção nacional e deu início à formação do mito: “uma moça livre”. Em meio à ditadura militar e perseguição pelo DOPS, além de uma morte trágica, Leila teve dez agitados anos de vida pública até sua morte. O cunhado da atriz foi ao local do desastre para recolher seus restos mortais e encontrou apenas um diário seu, que, na última última página, tinha uma frase incompleta: “Está acontecendo alguma coisa muito es….”
Diretor
Grande nome do cinema nacional, o carioca Luiz Carlos Lacerda, conhecido como “Bigode”, tem sua biografia escrita por Alfredo Sternheim. “Luiz Carlos Lacerda – Prazer & Cinema” conta como o diretor se tornou um dos mais aclamados do país. “Bigode”, apelido criado pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos, diz que as 256 páginas do livro são um resumo das melhores fases da sua vida. Nessa biografia, o amigo Alfredo Sternheim traz muitas fotos e curiosidades e uma delas é o fato de que “Bigode” trabalha sem roupa sempre que há cenas de nudez.
Bigode acompanhou Leila à Austrália quando seu filme Mãos vazias foi convidado para o festival. Ele tinha sido preso e torturado, anos antes, e estava querendo sair do Brasil, mas o governo ditatorial não queria dar a permissão para a viagem. Ele lembra que o Brasil parecia Cuba à época, de onde sair era um problema e nem para Leila queriam dar passaporte. Os dois eram personas non gratas, mas o governo acabou cedendo, o que levou a artista para a morte .
Na voltada Austrália – Bigode, Leila, Arduíno Colasanti e Ana Miranda, atriz do filme e mulher do Arduíno na época –, foram para Kuala Lampur onde ficaram uns dias, seguindo depois para Bangkok quando Leila decidiu voltar porque a filha Janaína ficara no Brasil. Em Bangkok, viram o Santos vencer um time inglês quando lá estava Afonsinho, jogador do clube, e os ingressos foram dados por Pelé também na capital tailandesa. Foram momentos de tensão porque Leila vivia falando mal dele, mas, na ocasião, só conversaram sobre fraldas já que os dois tinham tido filhos recentemente. Bigode conta que, na arquibancada do estádio, Leila gritava: “Puta que pariu, enfia essa porra no gol, caralho”.
Sem Leila, o grupo foi para Kathmandu. Só souberam da morte da amiga na casa de Samuca Wainer (filho de Danuza Leão e Samuel Wainer), em Londres, para quem Bigode fizera uma carta pedindo para hospedar Leila uma noite, já que ela faria uma conexão na capital inglesa e não tinha mais dinheiro para hotel. O grupo só soube da tragédia dois dias depois quando chegou. Bigode ficou em Londres um tempo, vendendo bijuteria que trouxe do Nepal e lavou louça num restaurante onde só trabalhou um dia.
Em seguida, foi para Paris passar uns dias na casa de Norma Bengell, que estava exilada e como o diretor Nelson Pereira dos Santos estava na cidade o convidou para trabalhar num filme dele, em Parati. Bigode já com saudade do Brasil ,voltou. Ao chegar, ficou cinco horas preso no aeroporto sendo interrogado porque a ditadura sabia que, na Austrália, ele fizera uma palestra em uma universidade dizendo que havia ditadura no Brasil. Foi solto e uma vez por mês devia se apresentar no Ministério da Guerra, mas nunca apareceu, indo se esconder em Parati, onde se reapaixonou pelo cinema.
Entrevistadores
Silvio Tendler – premiado cineasta com dezenas de documentários em seu currículo, entre eles JK,Jango, Tancredo e Marighella. Seu último filme é A bolsa ou a Vida, mostrando a atual situação do Brasil.
Louise Cardoso – O ponto alto da atriz foi a interpretação Leila Diniz.. Começou no teatro, em “Quarteto”, seguida do musical “Village” e das peças “O beijo da louca” e “Besame mucho”. Deu aulas no Tablado e naTV, fez o seriado “Ciranda, Cirandinha”, participando de novelas como “Gina” e “Marrom glacê”, entre outras.
Fernando Severo – Diretor e roteirista, faz curtas-metragens desde 1979, e em 2003, com o média-metragem Paisagem de meninos, conquistou os prêmios de melhor filme, roteiro, ator e direção de arte no Festival de Gramado. Estreou em longas no filme Corpos celestes (2009), sendo diretor de oito longas e roteirista de três curtas.