Lei de Imprensa em debate na ABI


06/03/2009


                                                                      Bernardo Costa

Lênin Novaes, Pery Cotta, Tiago Bottino, Maurício Azêdo e Zilmar Basílio

O Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa recebeu na tarde desta quinta-feira, dia 5, o advogado Thiago Bottino, Doutor em Direito Constitucional pela PUC-Rio, e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), que, juntamente com seus alunos da disciplina “Núcleo de práticas jurídicas”, e a ABI, elabora o memorial que a Associação vai apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF), na forma de amicus curiae, em defesa da revogação da Lei de Imprensa. No debate, os conselheiros apontaram obstáculos que a Lei impõe ao exercício da atividade jornalística.

O Presidente da ABI Maurìcio Azêdo abriu a reunião saudando os membros da mesa, Pery Cotta, Presidente do Conselho Deliberativo da ABI, e Lênin Novaes, Primeiro-secretário do Conselho, os Conselheiros, e agradeceu a presença de Thiago Bottino e seu empenho na elaboração do memorial:
— Tomamos a iniciativa de convidar o Dr. Thiago Bottino para fazer uma exposição ao Conselho Deliberativo e se colocar à disposição para esclarecimentos de uma questão essencial para Associação, principalmente pelo teor repressivo e o conteúdo ditatorial que remanesce na Lei de Imprensa. Thiago Botino procurou a ABI sobre o interesse da entidade em intervir neste processo que tem como núcleo principal uma questão relacionada ao exercício da nossa atividade profissional, que é a lei reguladora da imprensa e de aspectos relativos ao desempenho do jornalista em seu dia-a-dia.

 Maurício Azêdo e Thiago Bottino

Thiago Bottino teve a iniciativa de postular uma audiência com o Ministro relator do processo Carlos Ayres Britto para que a ABI fosse admitida oficialmente no processo como amicus curiae, o que representa um terceiro interessado no objeto da demanda oficial.
—O Ministro deferiu a postulação com o argumento de que era necessária e conveniente a presença da Associação pela representatividade da entidade como expressão do universo do jornalismo e de imprensa no País. A ABI vai sustentar no STF a idéia de que esta legislação tem que ser revogada, disse Maurício.

Bottino agradeceu a oportunidade de participar da reunião do Conselho Deliberativo da ABI e sustentou que inúmeros dispositivos da atual Lei de Imprensa são inconstitucionais pois colidem com a Constituição de 1988. Ele manifestou preocupação com o que restaria da Lei 5.250 caso seja acatado na decisão STF a inconstitucionalidade dos 22 dispositivos apontados pelo Ministro Carlos Ayres Britto:
— A lei é um conjunto de disposições que tem um sentido orgânico e, na medida em que uma parcela importante de seu texto é declarada inconstitucional, a própria lei em si apresenta uma fragilidade muito importante.

Segundo o advogado, o viés dos argumentos que serão apresentados junto ao STF não se caracteriza apenas pelo direito de expressão e pensamento, mas também pelo direito à informação:
—Há uma finalidade instrumental de permitir o debate público, a formação da vontade democrática e o direito de receber uma informação e expressá-la. Destaco a iniciativa do Conselheiro da ABI, Deputado Miro Teixeira, que fez a formulação, através do PDT, no sentido da derrubada de disposições da Lei de Imprensa, se não de toda a Lei. A proposição foi encaminhada para o parecer do Ministro Carlos Ayres Britto, que se pronunciou antes de 28 de fevereiro do ano passado, pelo acolhimento de disposições da proposição apresentada por Miro Teixeira.

Amicus curiae

Para Thiago Bottino, a discussão da Lei de Imprensa tem repercussão nacional de implicação não só no direito do jornalista, mas da sociedade e do funcionamento da democracia:
—Quando a argüição foi proposta pelo PDT, colocou-se em pauta no Supremo Tribunal Federal uma discussão sobre a liberdade de imprensa, de expressão, e de uma lei específica que previa medidas administrativas de censura, responsabilidades penais mais graves para jornalistas, e uma série de dispositivos que, de certa forma, limitam a liberdade de expressão. O PDT suscita na ação que a Lei de Imprensa é incompatível com a Constituição de 1988. A decisão deste tipo de ação tem um efeito poderoso sobre a sociedade e cabe a participação de setores diversos da sociedade, ao contrário das ações formais. Esta participação como amicus curiae, expressão em latim que significa amigo da corte, é um mecanismo de participação popular e democrática nas decisões do Supremo Tribunal Federal. O objetivo não é fazer novos pedidos, mas dar elementos diferenciados para auxiliar a decisão do STF, que não poderia ser tomada sem que a ABI fosse ouvida.

Segundo Bottino, os alunos da FGV elaboraram um estudo, sob sua supervisão, que disserta sobre o caráter instrumental da liberdade de expressão para que a sociedade possa deliberar de forma democrática:
—A liberdade de expressão é um direito de todos e faz parte da autonomia do indivíduo, da condição do ser humano. Apresentaremos também um estudo de direito comparado, exemplificando os sistemas nos Estados Unidos e em Portugal.

O advogado sublinhou que o jornalista no Brasil está sujeito a penas criminais mais severas em relação a que qualquer outra pessoa que pratique o mesmo ato:
— Vamos mostrar ao STF que não há sentido para isto, lembrando que o Código Penal é suficiente para regular tudo isto. Um outro exemplo aplica-se a censura administrativa, no sentido de que seja declarado inconstitucional o dispositivo que permite a censura prévia das publicações, a responsabilidade civil, propriedades de veículos de comunicação, e outros considerados inconstitucionais.

Debates

O Conselheiro Mario Jakobiskind abriu o debate destacando que a Lei de Imprensa “precisa ser sepultada definitivamente pelo ST”, e que “alguns artigos já caíram em desuso”.

Bottino concordou com a argumentação, assinalando, contudo, que alguns dispositivos continuam sendo aplicados, como o que prevê punições mais graves para jornalistas, fato que, em sua opinião, fortalece a sensação de insegurança jurídica.

Em relação ao memorial da ABI, o Conselheiro Orpheu Santos Salles informou que ouviu elogios do Ministro Carlos Ayres Britto.

O Conselheiro José Pereira da Silva, o Pereirinha, ressaltou a importância da revogação da Lei de Imprensa e da mobilização de toda a sociedade em torno da questão, incluindo as entidades de imprensa, e fez questionamentos sobre a viabilidade da criação de uma nova lei.

Thiago Bottino argumentou ser desnecessário uma nova lei, lembrando que todas as questões já estão previstas no Código Penal.

Ingerência

Pitombeira, Francisco Paula Freitas, Cecília Costa, Benício Medeiros e Silvio Martins Paixão

A situação da imprensa fora dos grandes centros urbanos foi levantada pelo Conselheiro Carlos Arthur Pitombeira, que destacou a ingerência de políticos, juízes e demais autoridades nas questões relativas ao jornalismo:
— Nos grandes centros temos o auxílio da lei e de advogados para garantir o direito à informação. No interior, este problema tem determinado o fechamento de vários jornais, pauta permanente aqui na ABI. Precisamos ter normas básicas que regulem a atividade, como, por exemplo, o direito de resposta.

O apoio a veículos de imprensa de pequeno porte é, também na opinião da Conselheira Maria Ignez Duque Estrada, fundamental para a garantia da liberdade de expressão no País.

O Conselheiro Villas-Bôas Corrêa chamou a atenção para a proximidade das eleições e a oportunidade de mudanças no perfil dos congressistas:
— Qualquer que seja o resultado das eleições, não é possível que não haja qualquer tipo de renovação no Congresso, já que o que temos aí hoje é um lixo. Não adianta discutirmos nada com o atual Congresso. A discussão da Lei de Imprensa deve ser abrangente e incluir a internet, que é uma presença importante na mídia. Este debate é muito importante, mas não devemos ter a esperança de que neste ano, ou no próximo, nós consigamos arrancar do Congresso qualquer coisa.

As falhas do sistema de indenizações foram apontadas durante a discussão pelo Conselheiro Tarcísio Holanda, para quem a Lei de Imprensa só funciona contra os jornalistas e deve ser revogada.

A idéia foi aplaudida por Pery Cotta, que presidiu a mesa de debates.
— A tradição da Casa é defender a liberdade de imprensa e, portanto, ser contrária a uma lei que restringe a atividade jornalística.

Maurício Azêdo encerrou a reunião agradecendo a presença do advogado Thiago Bottino e a mobilização dos alunos da Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV):
— Com este trabalho, Thiago Bottino contribuiu para a formação de futuros constitucionalistas que defenderão os direitos essenciais para a sociedade, como o direito de acesso à informação. Uma das minhas preocupações é que exista uma lei, como admite o Dr. Tiago Bottino, para regular as questões relacionadas ao exercício da liberdade de imprensa, não sob a forma de Lei de Imprensa, que tem uma conotação já em si repressiva, mas sim uma lei que assegure o direito de informação, que deveria, ou deverá ser, resultante da coleta de opiniões que permita definir as questões essenciais para tornar a liberdade de informação um bem intocável na sociedade democrática que nós estamos tentando construir.

Maurício reiterou a preocupação em relação ao exercício da atividade jornalística fora dos grandes centros:
— O trabalho jornalístico é muito penoso nessas regiões. Está sujeito a riscos e violência que partem do poder constituído através daquelas figuras mencionadas pelo Conselheiro Carlos Arthur Pitombeira, como o prefeito, o juiz, alguém que detém uma parcela de poder no âmbito municipal. Uma lei que garanta o direito de informação poderia conter disposições de caráter penal, esta sim, para aqueles que cercearem o exercício da liberdade de informação.

Ao final do encontro, Maurício anunciou que se reunirá nos próximos dias com Thiago Bottino para discutir detalhadamente o documento que a ABI vai apresentar perante o Supremo Tribunal Federal.