10/06/2010
Já virou pauta comum na imprensa do Brasil e do exterior o relato sobre confrontos judiciais protagonizados entre jornalistas e pessoas que se sentem prejudicadas por causa de reportagens — principalmente em casos de denúncias de envolvimento com transações ilícitas —, e que acabam ingressando na Justiça com pedidos de reparação.
As ações variam de pedidos de reparação por danos morais à censura dos próprios veículos onde são publicadas as matérias, como aconteceu com Estadão, que, por determinação da Justiça, está sob regime de censura há mais de 300 dias, proibido de publicar qualquer tipo de matéria que faça referência ao caso da investigação da Polícia Federal na Operação Boi Barrica, que envolve o filho mais velho do Presidente do Senado, Senador José Sarney.
A Justiça como arena dos confrontos da imprensa é um tema que recentemente ganhou destaque no blog Tambor da Aldeia, editado pelo jornalista gaúcho Vilson Antonio Romero, que escreveu um artigo no qual aborda os limites da liberdade de imprensa.
O blog listou também uma série de casos mostrando que a queda de braço judicial, entre os jornalistas e os personagens das suas matérias, não é um fenômeno que ocorre somente no Brasil, virou uma prática que se alastra pelo mundo inteiro.
Calúnia
Há casos também em que o reclamante é o jornalista. Em São Paulo, no município de Marília, o editor José Ursílio de Souza e Silva apresentou mais uma queixa-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF), contra o Deputado federal Abelardo Camarinha (PSB-SP). Ele pede que o parlamentar seja condenado pelo crime de injúria. A primeira queixa aconteceu em março deste ano, na qual Camarinha foi acusado de calúnia. O parlamentar passou a ser réu em ação de pena privada, e de acordo com a nova queixa, este foi o motivo para que ele iniciasse uma série de ataques contra o editor, em vários veículos de comunicação da cidade.
Nos Tribunais de Justiça brasileiros ainda há casos remanescentes do período da ditadura militar. A empresa Folha da Manhã, do jornal Folha de S.Paulo, foi condenada a indenizar em R$ 18 mil uma mulher citada em artigo do jornalista Élio Gaspari, em março de 2008, como autora de atentado a bomba contra a sede paulistana do consulado dos EUA, em 19 de março de 1968. A acusada, entretanto, comprovou que estava fora do País no período em que ocorreu o episódio. Na sentença, o Juiz Fausto Seabra, da 21ª Vara Cível, afirmou que a Folha “abusou de seu direito de informar, atingindo a honra e a imagem da requerente ao lhe atribuir a prática de um crime”.
Curiosamente, como aponta o levantamento do blog Tambor da Aldeia, há processos em que tanto o requerente quanto o acusado são jornalistas. Foi o que aconteceu com o colunista da Veja, Diogo Mainardi, que em 2008 foi condenado pelo Tribunal de Justiça paulista, por injúria e difamação contra o jornalista Paulo Henrique Amorim. A pena, de três meses e 15 dias de detenção, foi convertida em multa. Mainardi ainda recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve a condenação.
Em outra ação judicial envolvendo a Veja, o Ministro Ayres Britto, do STF, arquivou recurso da Editora Abril contra condenação da revista, que foi obrigada a indenizar o ex-Secretário da Presidência da República, Eduardo Jorge, em R$ 150 mil por ofensa à honra. Enquanto isso, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) decidiu que a Veja deveria publicar em sua edição seguinte a sentença que a condenou, além de manter o mesmo texto punitivo por três meses na internet. A editora recorreu alegando que a sentença se baseava na Lei de Imprensa, legislação extinta pelo Supremo em 2009.
Manobras
Mais sorte teve a revista Carta Capital (Brasília), que por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) não teve que indenizar o banqueiro Daniel Dantas, que a acusou de passar dos limites da liberdade de expressão e lhe causar danos morais, ao citar em matéria, em 2004, que o banqueiro chantageava o ex-presidente FHC e “vivia de manobras”. A revista alegou que estava dentro dos limites do direito de opinião e o STJ julgou que não houve abuso no editorial da publicação, nem intuito de atingir a imagem e honra de Dantas.
No interior do Brasil os conflitos muitas vezes não são apenas judiciais. Em alguns casos, até a violência física é utilizada. Em Serra Preta (BA) o Prefeito da cidade, Adeil Figueiredo (PMDB), foi acusado pelo Presidente do Sindicato dos Radialistas de Feira de Santana (Sitret), Valter Vieira, de ameaçá-lo devido aos comentários negativos sobre a administração municipal feito por ouvintes de seu programa na Rádio Subaé. O radialista afirmou que o prefeito teria contratado um homem para agredi-lo, que confessou o plano de atentado, por ser seu fã. Valter ainda disse que o mesmo homem confessou ainda que seu assassinato estava encomendado.
Na Paraíba, na cidade de Itaporanga, a Justiça local condenou por danos morais e o pagamento indenização no valor de R$ 40 mil o jornal Folha do Vale e um de seus colunistas, Isaías Teixeira. As requerentes são as promotoras de Justiça, Ana Cândida e Priscilla Miranda, que alegaram sofrer de danos morais porque em matéria do mês de abril, o colunista dizia que elas não estavam cumprindo expediente integral no Ministério Público de Itaporanga. A ação foi classificada como “arbitrária” pelo diretor de publicação, José de Sousa Neto.
Pelo mundo
Conforme têm relatado diversas entidades de defesa das liberdades de imprensa e de expressão, como é o caso da organização Repórteres Sem Fronteiras, há um número crescente de registros de ações judiciais movidas contra jornalistas no mundo inteiro.
Em alguns países quem mais recorre a este tipo de medida são os Governos. No Irã, o jornalista e cineasta Mohammad Nourizad foi condenado a três anos e meio de prisão e cinqüenta chibatadas, acusado de fazer propaganda contra o Estado e insultar o líder supremo do país. O acusado teria postado, em sua página pessoal na internet, cartas consideradas desrespeitosas ao aiatolá Ali Khameneni e a outras autoridades iranianas.
Enquanto isso, a cantora inglesa M.I.A inovou no seu protesto contra a imprensa. Lançou uma música em que ataca a jornalista Lynn Hirschberg, do New York Times, devido a um artigo publicado pela repórter questionando o seu engajamento político. Os ataques começaram no dia 27 de maio, quando a M.I.A divulgou, em seu Twitter, o telefone da jornalista.