Agentes da Polícia Federal invadiram o jornal
Correio do Estado, de Mato Grosso do Sul, na noite da última quarta-feira, 29 de agosto para impedir a distribuição da edição de quinta-feira (30), por determinação da Juíza da 36ª Zona Eleitoral, Elisabeth Rosa Baisch, caso estivesse programada a publicação de pesquisa de intenções de voto.
Segundo o editor-chefe do Correio, Ico Victório, três oficiais de Justiça chegaram à sede do jornal, na Avenida Calógeras nº 356, por volta das 19h40min. Ele foi chamado à portaria, onde um dos oficiais pediu lhe para assinar as notificações da magistrada. Um deles bateu pé: caso não o fizesse, corria o risco de receber voz de prisão de policiais federais.
Como o expediente do jornal estava encerrado, o jornalista era o único presente na redação para acompanhar a liberação da primeira página da edição de quinta-feira. Ico informou aos oficiais de Justiça que os diretores responsáveis pela empresa, Antonio João Hugo Rodrigues, Ester Gameiro e Marcos Rodrigues, permanecem na sede da empresa até às 18h30min, horário de expediente, e por isso solicitaria orientações.
Ligou para um deles que o instruiu a não assinar as notificações e que ele dissesse aos oficiais que não tinha poderes, nem procuração para responder oficialmente pela empresa:
— Reforcei a necessidade de voltar ao posto de trabalho imediatamente, pois a primeira página estava em fase de liberação e temos horários pré-estabelecidos, disse Victório.
Um dos oficiais, então, ameaçou-lhe, afirmando que a sua “teimosia” dificultava o trabalho da equipe do Poder Judiciário e, se continuasse resistindo, telefonaria para a chefia do Cartório e a juíza eleitoral solicitando forças policiais.
“Você vai ter que assinar. Se você continuar dificultando o nosso trabalho, vou ligar para a juíza e você vai ter prejuízos. Nós temos certeza de que vai sair a pesquisa”, teria dito um dos oficiais. Como o editor continuou afirmando a não existência da pesquisa, eles ligaram de volta para a Juíza Elisabeth que ameaçou mandar uma equipe da PF até a sede do jornal. Um dos oficiais bateu pé: caso não o fizesse, corria o risco de receber voz de prisão de policiais federais.
A referida pesquisa não seria publicada por ser inexistente, inclusive a amostragem ficou pronta somente na quinta-feira.
Exibindo as duas medidas liminares concedidas pela juíza, os oficiais de Justiça insistiram em obrigar o editor-executivo a assiná-las sob coação.
As medidas proibiam a divulgação de pesquisa do Ipems de intenções de voto para prefeito de Campo Grande. A juíza Elisabeth Baisch acolheu pedido nesse sentido, assinado pelos candidatos Reinaldo Azambuja (Coligação Novo Tempo) e Alcides Bernal (Coligação Força da Gente). O pedido de suspensão de divulgação assinado pelos candidatos considera que tal pesquisa seria “tendenciosa”, “com danos de difícil reparação” e supostamente beneficiaria o candidato Edson Giroto (Coligação Mais Trabalho por Campo Grande).
Segundo Bernal e Azambuja, o candidato Giroto “aparece em todas as situações de 2º turno”. Isso, conforme os candidatos, deixaria uma mensagem subliminar à população: “a liderança de Giroto nas pesquisas, o que certamente garante sua participação no turno final, caso ocorra”.
Ameaça de prisão
Os argumentos do editor foram insuficientes para demover os oficiais de obrigá-lo a assinar as notificações. Novo telefonema da juíza aos oficiais determinou que o jornalista mostrasse as “matrizes” (?) das páginas que seriam publicadas:
— Só tínhamos situação semelhante no período ditatorial. Empenhamos a nossa palavra e numa situação dessas seria conveniente a doutora observar o direito do cidadão, ponderou Victório.
O editor continuava alegando que não ter procuração legal para assinar documentos em nome da empresa:
— Diante da minha negativa, os oficiais ameaçaram-me prender em minutos, dizendo que seria melhor para mim e para empresa assinar tais documentos, para tudo acabar bem, afirmou.
Novamente, confirmou a inexistência da publicação da pesquisa e voltou a falar com os diretores da empresa, dos quais recebeu a recomendação para não assinar. Um dos oficiais telefonou para a juíza, informando-lhe da situação, ao que ela insistiu: “Se ele não assinar, infelizmente está sujeito à detenção”.
Irredutível, a juíza Elisabeth Baisch teria decretado: “Se ele (Victório) não quer mesmo assinar, vou pedir à PF para ir ao jornal certificar-se da verdade”. Entre idas e vindas, os oficiais finalmente foram atendidos: constrangido, Victório quis escrever um termo no qual denunciava a assinatura sob coação, mas foi impedido. Assinou as notificações por volta das 20h.
Retornando à redação, concluiu o acompanhamento da liberação da primeira página de quinta-feira. “Pensei que tudo estivesse resolvido, mas não foi isso o que aconteceu”, lamentou o editor.
Segundo Victório, depois de estar em sua residência, recebeu ligação do funcionário Valdenor Vieira Magalhães, informando ter sido surpreendido com agentes federais obrigando-o a mostrar todas as páginas do jornal nos computadores e deles ouvido que iriam também à gráfica “para constatar de fato o publicado”.
Os oficiais queriam saber, também, do conteúdo do portal de notícias do jornal na internet. Quarenta minutos depois de os oficiais devassarem originais das páginas nos computadores do terceiro andar da sede do jornal, a juíza determinou ainda à Polícia Federal que fosse à gráfica para verificar a impressão. Cumprindo ordens, os agentes invadiram o prédio, na Rua João Pedro de Souza, e dali não saíram até a impressão dos primeiros exemplares da edição desta quinta-feira, às 22h25min. Inclusive levaram alguns para a juíza.
“Estamos com um mandado da juíza eleitoral e temos ordens para ver as matrizes (?)”, disse um dos agentes da PF, que desembarcou de uma Mitsubishi preta, juntamente com outro agente e um oficial da Justiça Eleitoral. No entanto, ele não apresentou qualquer documento para invadir o jornal. “Ao todo eles viram 18 páginas do jornal de hoje (ontem)”, disse Valdenor.
Para o editor-chefe do Correio, esse episódio apresenta duas situações graves, que relembram os dias sombrios vividos no País durante a ditadura do golpe militar (1964-1985):
— Além da invasão, houve abuso de autoridade da juíza e dos agentes da Polícia Federal. Isso tem que ser esclarecido. Não podemos deixar que coisas desse tipo voltem a acontecer. Não podemos aceitar que o obscurantismo de um passado recente volte a obstruir o trabalho da imprensa e a liberdade de expressão, disse Ico Victório.
Representação
O diretor do Correio do Estado, ex-senador Antonio João Hugo Rodrigues, informou que o jornal ingressará com representação na Corregedoria do Tribunal Regional Eleitoral (TRE/MS) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra a juíza Elisabeth Rosa Baish, da 36ª Zona Eleitoral.
Antonio João ainda espera que a Polícia Federal promova sindicância para apurar essa operação. “Precisamos a confirmação com detalhes, porque, se os policiais estão em greve, quem veio ao jornal? São agentes de fato, ou agem disfarçadamente, apresentando-se como tal? E quando a polícia ocupa um prédio, um domicílio e, no caso, o jornal, deve trazer mandado judicial”, afirmou Antonio João.
O pedido da suspensão da divulgação da pesquisa teve por objetivo a retificação do item 12 para que constem 49 opções de escolha, incluindo todos os candidatos – o item coloca o deputado federal Edson Giroto (PMDB), candidato a prefeito de Campo Grande, enfrentando cada um dos sete candidatos, simulando o segundo turno.
O advogado do jornal, Laércio Arruda Guilhem, ingressou no TRE/MS com agravo de instrumento para obter o juízo de retratação e a revogação da liminar concedida, permitindo dessa maneira a divulgação da pesquisa.
No recurso, ele diz que a juíza equivocou-se. “Em vez de determinar a suspensão apenas da parte impugnada, ou seja, do item que trata da questão acerca do confronto entre os sete candidatos ao pleito eleitoral, o que é objeto dos itens 13 a 18, errôneamente indicado como item 12 pela Coligação Novo Tempo, equivocadamente, determinou a suspensão do resultado da pesquisa”.
* Com informações do Correio do Estado.