07/01/2022
Publicado no portal Folha de S. Paulo
Professor associado de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense, o advogado Cláudio Pereira de Souza Neto afirma considerar que o Supremo Tribunal Federal e o Congresso foram os responsáveis por impedir Jair Bolsonaro (PL) de seguir em uma escalada autoritária e ampliar a corrosão das instituições no país.
Souza Neto é autor do livro “Democracia em Crise no Brasil” (Editora Contracorrente e Eduerj), ganhador do 1º lugar na categoria Ciências Sociais Aplicadas do prêmio Abeu (Associação Brasileira das Editoras Universitárias) 2021.
Na obra, ele lista pontos que, em sua avaliação, contribuíram para a corrosão da democracia brasileira, entre eles o “populismo penal” da Lava Jato.
O professor concluiu sua obra no primeiro semestre de 2020. De lá para cá, afirma, Bolsonaro acabou optando por uma atitude “mais pragmática e se afastou da insanidade da ruptura institucional“, forçado pela pressão de seus aliados no Congresso e pela falta de apoio para aventuras autoritárias.
Souza Neto já advogou para vários partidos e políticos, sendo o autor, ao lado de Daniel Sarmento, da representação que resultou na proibição do financiamento empresarial a partidos e candidatos, decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em 2015.
Ele também assinou a peça do PC do B pela qual o STF fixou as regras do impeachment de presidentes da República, em 2016, estabelecendo, entre outros pontos, que o Senado tem o poder de decidir pelo afastamento do mandatário.
A crise democrática no país avançou ou regrediu, em sua visão, desde a conclusão do livro [primeiro semestre de 2020]? A situação política se agravou. A reação do governo Bolsonaro à pandemia produziu resultados dramáticos. A forma do governo Bolsonaro conduzir a relação com o Parlamento, com o Judiciário, com a imprensa e com a sociedade em geral revela um processo de agravamento da crise política. Mas entendo também que, sobretudo a partir de meados de 2021, as instituições têm conseguido controlar o governo e evitar que ele aprofunde o processo de erosão democrática.
Aquela ameaça autoritária, de autogolpe, ficou para trás, em sua visão? Hoje já há consciência de que Bolsonaro não terá condições de levar adiante um autogolpe. Houve as manifestações de 7 de Setembro, em que ele não obteve apoio militar e político suficiente para realizar uma ruptura institucional. Ao mesmo tempo, seus aliados têm cobrado uma atitude mais pragmática por parte do governo. Penso que Bolsonaro, para manter a governabilidade, acabou optando por adotar essa atitude mais pragmática e se afastou da insanidade da ruptura institucional.
O sr. aponta no livro que um dos indicativos de que países chegaram a um ponto de não retorno à normalidade democrática é a reeleição de líderes autoritários. Se Bolsonaro se reeleger, quais seriam os efeitos para a democracia do país? Essa é uma avaliação unânime dos analistas em diversos países. O momento caracterizado como ponto de não retorno é a primeira reeleição do líder autoritário. Nos EUA, chegava-se a entender que a eventual reeleição de Donald Trump teria uma dimensão de inaugurar um novo momento constitucional na história norte-americana.
Entendo que a reeleição de Bolsonaro teria um significado dramático para o Brasil, porque significaria a reafirmação de um projeto autoritário. Mas a minha avaliação é que isso não ocorrerá, a população hoje rejeita amplamente diversos aspectos do governo Bolsonaro, em especial a sua reação desastrada à pandemia.
Neste contexto, quais países estariam em situação similar à nossa? O exemplo é o dos Estados Unidos. A reação do eleitorado americano à forma como Trump lidou com a pandemia, isso também se reflete no Brasil. A população rejeitou o irracionalismo do governo, o negacionismo do governo, a ausência de compromisso do governo federal com a preservação da vida dos brasileiros.