Jornalista lança livro sobre transformação das redações


27/08/2018


O jornalista Alexandre Lenzi lançou, neste mês, o livro “Inversão de papel: prioridade ao digital, um novo ciclo de inovação para jornais impressos”. A obra é resultado de mais de três anos de pesquisa e de entrevistas com profissionais de oito jornais do Brasil, da Argentina e da Espanha.

Lenzi falou com lideranças estratégicas dos jornais espanhóis El País e El Mundo, do argentino Clarín, e dos brasileiros Folha de S. PauloGazeta do PovoO Estado de S. PauloO Globo e Zero Hora. Há, ainda, a reprodução de uma entrevista realizada pelo autor com o pesquisador e professor espanhol Dr. Ramón Salaverría, sobre questões como a busca por um novo modelo de negócio aplicado ao jornalismo.

 

Segundo o autor, o livro traz relatos e ideias que buscam ir além das queixas sobre a crise do jornalismo. Entre eles, a priorização da produção de conteúdo informativo para plataformas digitais como um novo e necessário ciclo de inovação em empresas jornalísticas que viviam (ou ainda vivem) um fluxo de trabalho até então regrado pelo ritmo do impresso.  Trata-se do que o autor chama de “inversão de papel”.

 

“Quando o objetivo é levar o melhor do jornalismo tradicional para o digital, uma redação enxuta é um dos grandes entraves ao processo de virada de chave. Jornalismo de qualidade é caro e exige investimentos, independentemente da plataforma final de publicação.”

 

Acompanhe a entrevista feita com o autor pelo Portal IMPRENSA:

 

Portal IMPRENSA: As redações estão enxutas também nas versões on-line. Na sua opinião, o que pode ser explorado ainda no mercado de trabalho para jornalista?

 

ALEXANDRE: A inversão de papel que defendo no livro consiste em passar a priorizar a plataforma digital para a distribuição do conteúdo informativo, reconhecendo que é no ambiente on-line que está o maior público, aquele que realmente pode manter o jornalismo rentável, em um cenário de médio e longo prazo. Existe uma geração de leitores atuais que justifica a manutenção do impresso por um bom tempo ainda, mas esta geração não está sendo renovada e os novos e futuros leitores estão no digital, buscando um conteúdo relevante e que utilize as linguagens próprias do meio. Isso precisa ser explorado de forma eficiente no mercado.

 

No entanto, um ponto crucial é entender que o jornalismo produzido para as plataformas digitais não é mais barato, mais simples ou mais fácil de fazer do que se faz ou se fazia para o impresso. Custo de produção é diferente de custo de impressão. Uma redação com foco no digital exige investimentos em novas frentes, desde planejamento, criação ou compra de novas interfaces para publicação, até a incorporação de novas figuras nas redações, profissionais que há alguns anos não existiam em um jornal impresso. Quando o objetivo é levar o melhor do jornalismo tradicional para o digital, uma redação enxuta é um dos grandes entraves ao processo de virada de chave. Jornalismo de qualidade é caro e exige investimentos, independentemente da plataforma final de publicação.

 

Há uma migração de jornalistas para a produção de conteúdo de marketing digital. Esse seria um caminho também?

O estudo está direcionado para o jornalismo praticado em empresas jornalísticas profissionais, que visam o lucro, sim, mas que exercem um papel informativo fundamental em uma sociedade democrática. Há nestas empresas uma incorporação de novas linguagens, de novos formatos e de uma postura de presença de marca, principalmente nas redes sociais, que exige um trabalho mais próximo entre profissionais do jornalismo e do marketing. Saber lidar com essa integração é um processo necessário para as novas gerações.

 

Mas paralelamente a isso há um outro movimento, que não pode ser ignorado, que é o de profissionais do jornalismo que estão abandonando as redações para trabalharem em agências de produção de conteúdo, o que ocorre cada vez mais cedo. Jovens recém-formados que, por opção ou por necessidade, encontram nesta atividade a primeira oportunidade de emprego. Acredito que existem jovens que podem se realizar plenamente nesta promissora área, assim como no passado muitos repórteres de jornais deixaram as redações para virarem assessores de imprensa, e com sucesso.

 

Alguma entrevista que fez para o livro merece mais destaque?

 

Foram mais de 20 entrevistas com gestores, editores e repórteres, que me permitiram apresentar uma diversidade de visões sobre o presente e o futuro do jornalismo. Algumas declarações se destacam por refletir claramente esse momento de virada de chave.

 

Em outubro de 2016, quando visitei a sede do El País em Madri, o diretor David Alandete afirmou que o tradicional veículo espanhol não era mais um jornal impresso, “mas sim uma marca digital que, por enquanto, ainda publica seu conteúdo em papel”.

 

Esse “por enquanto” deve durar muitos anos, mas favorecido pelo alcance do idioma espanhol e com versões do site em inglês e em português, o El País investe em conteúdo digital relevante, atualizado várias vezes ao dia e explorando novos formatos e linguagens. Um exemplo a ser acompanhado com atenção.

 

Outra visão interessante foi a apresentada pelo então diretor de redação do O Globo, Ascânio Seleme, em março de 2017. Embora comemorasse os resultados do jornal no crescimento das assinaturas digitais, reconhecia que a velocidade desse crescimento precisa aumentar muito, em quantidade de assinantes e no valor da assinatura, para sustentar o jornalismo profissional.

 

Há diferença entre os pensamentos dos publishers espanhóis, argentinos e brasileiros? 

 

Um ponto de muita discussão e certa divergência está na cobrança de conteúdo. Há um movimento muito forte no Brasil e em alguns outros países de reconhecimento que o público será responsável por uma parcela cada vez maior do dinheiro que entra, o que motiva a ter conteúdo fechado para assinantes. Na média do mercado mundial, os assinantes já superam os anunciantes na representatividade das finanças dos jornais desde 2014. No The New York Times, isso ocorre desde 2012.

 

No entanto, os espanhóis El País e El Mundo, pelo menos até 2016, ainda tinham uma política de disponibilizar conteúdo de forma gratuita, apostando no crescimento da publicidade on-line. Acredito que essa postura, que já foi revista no passado por estes mesmos jornais espanhóis, pode mudar novamente em curto ou médio prazo, com a cobrança do conteúdo jornalístico prevalecendo como tendência mais forte.

 

O que o jornalista pode esperar do mercado de trabalho nos próximos anos?

 

Comecei as pesquisas para o livro em 2014 e nas primeiras etapas uma preocupação constante era como as notícias ruins predominavam no contexto das empresas jornalísticas. Foi preciso um esforço considerável para encontrar bons exemplos ou, pelo menos, para tentar tirar reflexões positivas dos exemplos negativos. Acho que temos que manter esse olhar otimista no cenário contemporâneo.

 

As notícias de demissões em massa são assustadoras, mas envolvem quase sempre empresas que inovam pouco ou quase nada, que fazem um jornalismo do mesmo jeito há muito tempo, que simplesmente transportam o jornalismo tradicional para o digital sem as adaptações que as novas plataformas exigem. E que cobram de funcionários uma produção multimídia sem dar treinamento, tempo e condições adequadas para isso.

 

Por outro lado, vemos sim empresas de diferentes portes investindo, inovando e repensando processos de produção, o que é muito motivador. Um olhar que merece atenção, e que deve pautar meus próximos estudos, é para as empresas nativas digitais, veículos jornalísticos que estão fazendo a diferença e crescendo no ambiente on-line. No Brasil, o Nexo, por exemplo, é um caso muito interessante para ser acompanhado.

 

O que você gostaria de dizer para um estudante de jornalismo que quer ingressar no mercado de trabalho?

 

Fazer jornalismo continua sendo uma atividade apaixonante. Os desafios são muitos, mas há espaço para trabalhos relevantes e criativos em diferentes empresas. As reportagens multimídia, planejadas e produzidas com as devidas condições, permitem trabalhos narrativos ainda mais completos, trazendo para o on-line o melhor de cada plataforma e de maneira integrada.

 

UOL TAB tem feito grandes trabalhos, os especiais Tudo Sobre, da Folha de S. Paulo, embora esporádicos, são belos exemplos. Jornais regionais também estão incorporando a reportagem multimídia em suas rotinas. A narrativa de qualidade segue presente, agora complementada com mais recursos audiovisuais e interativos integrados. A técnica e a apresentação não podem ganhar mais atenção do que o conteúdo. É preciso equilíbrio. Afinal, o jornalismo continua, o que muda é a plataforma.

 

E para um jornalista experiente que busca recolocação profissional?

 

Entre as entrevistas realizadas, em diferentes momentos ouvi relatos indicando que os jovens jornalistas dominam as técnicas de produção multimídia, mas ainda precisam melhorar a narrativa. Em contraponto, profissionais mais experientes têm dificuldade em transformar suas reportagens tradicionais em uma narrativa multimídia que explore os recursos mais relevantes do meio digital. Acredito que um passo importante é uma aproximação, sem resistências, entre estes dois lados.

 

Unir, sempre que possível, profissionais jovens e veteranos em uma mesma pauta especial é bom para a empresa, para os profissionais e para o público.

 

Quem busca uma recolocação deve ter disposição para rever processos, aprender com gente mais jovem e compartilhar o que já sabe. Um exemplo que gosto de citar é o da primeira reportagem em realidade virtual do El País, em que o jornal colocou no mesmo grupo um repórter experiente de texto e uma equipe terceirizada que dominava a tecnologia necessária. A troca de aprendizados foi muito grande, como me relatou o repórter Daniel Verdú, e o resultado foi o especial “Fukushima, vidas contaminadas”. Então, a vocação para contar histórias prevalece, exigindo também disposição para reaprender técnicas e para trabalhar com equipes cada vez mais diversificadas.

 

 

Serviço

Livro: “Inversão de papel: prioridade ao digital, um novo ciclo de inovação para jornais impressos”

Autor: Alexandre Lenzi

Editora: Insular, 2018, 312 páginas

Preço sugerido: R$ 49

Fonte: Portal Imprensa