02/04/2020
Por João Baptista de Abreu
Um provérbio moçambicano compara a morte de um velho na aldeia ao incêndio de uma biblioteca. A comunidade perde a memória. Este é o sentimento que me veio à cabeça quando soube do falecimento do jornalista Argeu Affonso, 88 anos, hoje pela manhã no Hospital Silvestre, após sofrer uma queda em casa na semana passada, em Laranjeiras.
Argeu trabalhou mais de 40 anos no jornal O Globo, onde chegou a fazer quase tudo; de repórter e editor de esportes a secretário de redação, passando pelo copidesque. Nesta função foi responsável pela revisão da coluna de Nelson Rodrigues. Ele reclamava que o cronista batia com tanta força no teclado da máquina de escrever que furava a lauda toda vez que teclava a letra “o”, a mesma de óbvio ululante.
Durante mais de uma década cuidou da seção “O Globo há 50 anos”. Também pudera. Ele testemunhou diversos episódios da História que viraram manchete desde os anos 50.Em tempos analógicos, orgulhava-se de dizer que era o único funcionário autorizado a levar pra casa a coleção do Globo.
Presidente do júri do Estandarte de Ouro, a escola de samba e o futebol dividiam suas paixões. Na Rádio Mauá foi comentarista esportivo da equipe de Orlando Batista. Torcedor frenético do Fluminense, completou recentemente 70 anos de clube e foi homenageado como grande benemérito.
Podia ser encontrado todo fim de semana na mesa tradicional do bar do tênis conversando sobre política, cultura e esportes, sem nunca perder a fleuma. Detalhe: ele só bebia refrigerante. Seria lugar comum dizer que Argeu Affonso fará falta aqui na Terra, mas é a pura verdade. Foi-se embora uma biblioteca sobre jornalismo e futebol. Esperamos que lá de cima Deus nos autorize a consulta online.