14/01/2010
É POR MEIO DELAS que costumamos dar os primeiros passos nos campos do senso estético e do apreço pelas palavras. Por muitas gerações, as histórias em quadrinhos, editadas em revistas, gibis ou jornais, cumpriram a tarefa de entreter, divertir e, sobretudo, ajudar a alfabetizar. De estabelecer o efetivo laço afetivo com a leitura. Estudos chegam a sugerir que, quando adubadas no solo fértil das hqs, das pequenas crianças naturalmente brotam os grandes leitores – e essa não é uma referência apenas à estatura física.
OS PREDICADOS PRESENTES nos quadrinhos são capazes de converter sujeito indeterminado em personagem principal. Quem se deixa encantar e sabe bem explorar as hqs torna-se leitor ávido e curioso. Garante, por assim dizer, o seu final feliz. Muitos são os estímulos abarcados nos traços marcantes, nas cores contrastadas. No humor, por vezes refinado, ou exposto em ironia abrutalhada. Na magia perene dos clássicos e no frisson das aventuras inimagináveis. Nas bravatas dos superheróis e nas peraltices dos personagens infantis.
OS QUADRINHOS SÃO, na verdade, uma espécie de berço no qual é possível embalar toda e qualquer imaginação. As onomatopéias não estão lá por acaso. Ao descrever sons com fonemas – pow, soc e bum rolam à vontade – o autor faz reverberar nas cabeças de quem lê tapas, socos e pontapés. Explosões. E, no deslumbramento diante do desenho estático, impresso no papel, tudo ganha movimento, no folhear entre uma página e outra.
COM O ENCOLHIMENTO dos grandes jornais ocorrido nas últimas décadas, tanto em formato quanto em número de páginas, os quadrinhos perderam seu espaço. Vão longe os tempos em que eram publicadas seções diárias com tirinhas. E que as fartas edições de domingo traziam encartados, como um brinde, suplementos coloridos com personagens preferidos das crianças. De certa forma, eficiente estratégia de cativar hoje o leitor de amanhã. Que seção cumpre tal função nas publicações atuais?
HOJE, QUANDO AINDA presentes nos jornais, os quadrinhos estão espremidos entre palavras cruzadas, horóscopos e passatempos. Mas, já houve um tempo em que personagens e seus autores eram disputados por magnatas da imprensa. Eles sabiam que as tiras traziam mais e novos leitores. E, nesse intento, não cabia economizar papel ou tinta. A fase de extrema valorização das hqs teve início no fim do século 19, quando os processos gráficos foram aprimorados.
A HISTÓRIADOSQUADRINHOS, como os próprios, é repleta de reviravoltas. As hqs já tiveram momentos gloriosos e foram perseguidas em ações de caça às bruxas, acusadas de aliadas do comunismo. Os quadrinhos foram marginalizados, queimados sob a alegação de prejudicarem o desempenho escolar, levando à delinqüência juvenil. Pura bobagem. Tanto que, com o tempo, as próprias editoras de livros didáticos passaram a recorrer a seus traços para adoçar seus conteúdos acadêmicos.
PRODUTO DA INDÚSTRIA cultural de massa, os quadrinhos experimentam o sabor de seu tempo. Há quem acredite que, de certa forma, eles sempre estiveram a nos cercar, desde as pinturas rupestres dos homens que contavam suas histórias nas paredes das cavernas. A tecnologia avançou, a comunicação revelou novas mídias e os garotos contam agora com outras diversões, o que só agrava a retração dessa indústria outrora tão rentável.
OS QUADRINHOS RESISTEM, persistem. Talvez estejam se preparando para passos futuros, possíveis com as inovações tecnológicas. Não é absurdo pensar, com os recursos já disponíveis, em revistas com animação digital e opções de interatividade. Novas formas de contar antigas aventuras.
É PARA PRESERVAR o fio da meada da história das hqs que a ABI lança esta edição especial. A primeira parte da retrospectiva que aponta o que aconteceu até agora. Certamente, longe de colocar ponto final nessa história.
VIDA LONGA AOS QUADRINHOS!