07/04/2021
João Tem muito bom astral, já vacinado com as duas doses, o novo morador do Leme, nunca se deixou abater pela pandemia. Assim que tomou a segunda dose da vacina, saiu com a sua mulher, Ivone Belém para tomar um sorvete no calçadão da praia, uma tarde linda, luminosa e ensolarada, próximo aos prédios, embaixo das árvores. Era um desejo que vinha alimentando há algum tempo, coisas tão simples, hábitos tão corriqueiros, mas que neste momento, se tornam quase um desejo secreto.
O músico está sempre se movimentando, criando, falando com amigos e contando boas histórias.
Já que não dá pra viajar e fazer shows nos palcos da vida, João Donato está aproveitando o tempo para compor, fazer arranjos, escutar música, mexer no seu inesgotável baú de 70 anos de carreira e de novidades. São dezenas, centenas de partituras, gravações em fitas cassete, CDs e no digital. Rebobinando tudo, em mais de um ano de isolamento social, não é que Donato acaba encontrando farto material para os três trabalhos que está prestes a lançar?
O primeiro deles, em estágio mais avançado, é um disco de inéditas selecionado no edital da Natura Musical, com parceiras como as cantoras Céu e Joyce Moreno.
Na fila, um disco para a gravadora Rocinante, que tem estúdio em Araras, região serrana do Rio, onde Donato e Jards Macalé ficarão “internados” por duas semanas para compor, arranjar e gravar. A produção é do trombonista Marlon Sette, que também assinará parte dos arranjos; com Pepê Monnerat na bateria.
Também está por lançar um EP com o filho Donatinho, esta gravação mais na levada latina de Donatão, eles que ganharam o Prêmio da Música Brasileira 2018 na categoria Melhor Álbum Eletrônico com o álbum pop “Sintetizamor”.
No próximo dia 10 de abril às 20h30, vai se apresentar com Donatinho, no Festival On-Line Promovido pelo antigo bar Semente e com curadoria de Yamandu Costa.
Donato sempre manteve boas parcerias e foi amigo de todos os expoentes do movimento bossanovista, como João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius de Moraes e Johnny Alf, entre outros, mas nunca foi caracterizado unicamente como tal, e sim um músico muito criativo e que promove fusões musicais, de jazz e música latina, entre tantos outros.
Valoriza a música brasileira, mas não abandona sua paixão pela fusão entre o jazz e ritmos caribenhos. Como arranjador participou de discos de grandes nomes da MPB como Gal Costa e Gilberto Gil.
Entre as composições mais conhecidas, estão: “Amazonas”, “Lugar Comum”, “Simples Carinho”, “Até Quem Sabe” e “Nasci Para Bailar”.
João é do Caribe
A Consolidação da sua carreira se deu nos EUA entre 1959 e 1972. Não foi fácil, assim como não é fácil para quase todos os músicos.
Em Los Angeles os maiores perrengues:
“Teve uma noite em que eu estava sozinho em Los Angeles. Lembro que fazia muito frio e eu, sem dinheiro, não tinha mais nem onde dormir. Fui caminhando e acabei entrando em um hotel. Dormi e, no dia seguinte, na hora de pagar a conta, expliquei para o dono a minha situação e ele me disse que lá estava hospedado um músico cubano. Era o Armando Peraza, um dos grandes congueiros cubanos. Já o conhecia dos discos dele. A situação estava ficando estranha com o dono do hotel, então, o Armando apareceu e pagou a conta do hotel e me convidou para ver o show dele. Ficamos amigos e ele me apresentou ao George Shearing.
Depois de muitos percalços, surgiu um teste para pianista, uma audição. Fiz o teste e o diretor não gostou. Quando entrei na casa, vi um poster que a noite se apresentaria Mongo Santamaria, uma lenda da música cubana. Fui lá, me apresentei como pianista brasileiro, me enturmei com os músicos e me chamaram pra tocar uma música. Fiquei muito surpreso com o convite, e mais ainda, porque saí de lá empregado. Fomos pra Philadelphia fazer várias apresentações, enquanto isso, houve um problema com uma grande orquestra que foi desmontada e o Mongo Santamaria foi convidado para assumir esse espaço. E como não tinha pianista, lá fui eu tocar na “Charanga La Saborosa” em Nova Iorque. Esse trabalho de anos, ao lados dos cubanos, me deu muito suingue caribenho que está presente na minha música, sobre o qual, tenho muito prazer em tocá-lo”.
Em 2008, João Donato foi o convidado de Chucho Valdés no “Cuba Jazz Festival” criado e dirigido por Chucho em Havana. Lá, João se sentia em casa. Visitou amigos, que não via fazia tempo, familiares de outros músicos com quem conviveu nos EUA, antes da sua apresentação principal, no teatro Amadeo Roldán, um dos mais bem aparelhados acusticamente, fez uma “descarga” aqui, chamamos de “Jam session”, com vários músicos cubanos. Foi um momento memorável com muito suingue.
Havana, era quase o Acre ou o Rio de Janeiro, andava à vontade falava com todo o mundo, se comunicava bem em espanhol era como se estivesse visitando uma cidade que já morou, do tipo matando saudades.
Durante esse Festival, a cineasta Tetê Moraes gravou parte do documentário “Nasci para Bailar”, que foi finalizado entre o Rio e Havana.
E como falam os cubanos: assim mesmo é. E por definição: João Donato é um jovem músico há mais tempo.