Por Ivan Proença*
06/06/2016
Intimidade não anônima (ou livro do não é)
Livro: Anônima Intimidade
Ivan C. Proença
Autor: Michel Temer
Editor: José Mário Pereira
Prefacio: Carlos Ayres Britto
Topbooks Editora
Saudações (ensaios) Gaudêncio Torquato e Carlos Nejar (da Academia Brasileira de Letras)
Extrínseco e valorização
Afirma o autor, em espécie de introdução-álibe, que o livro foi escrito em guardanapos ao longo das viagens que fazia, voando Brasília-Rio. E só publicou a pedido de amigos. O título (quase oximoro) resulta de um dos textos do livro e, como verificamos, a propósito de “torpedos” que o Correio trazia para o autor.
Do gênero à forma
Impossível estabelecer gênero aos textos do Sr. Michel. Afirma o A., talvez dissimulando, que sua obra é ficção. Claro que não é. Apenas alguns poucos textos em prosa assumida e sem literariedade. E a poesia? Se bastasse colocar as ideias em forma de verso definisse poesia, qualquer um que o fizesse seria poeta. Não é. Inda que sem preocupação de isometria ou esquema rítmico, é indispensável a literariedade resultante do ritmo poético, além da expressividade (sensível) dos significados. Neste livro o Autor se vale de versos (digamos) curtos, não raro os textos são bem curtos também (o que seriam micropoemas ou poemas-minuto) e visita jogos verbi-voco (sonoros) sem completar o visual do concretismo (Tato). Ao longo do livro os textos que se apresentam como poesia são prosa (nem mesmo versos prosaicos): no todo não há poesia. Portanto, fácil de perceber que, enquanto gênero, o livro não é ficção, não é poesia, não é crônica literária. Trata-se de autor que escreveu algumas ideias, expressou alguns dos seus sentimentos. E os publicou (aliás, a ilustração seria indispensável, não é adequada, mas, de alguma forma completa – digamos – a edição).
Da carga dos significados
Embora o A. afirme que os escritos de seu livro significam retorno à adolescência, à época de seus 15 e 16 anos, na verdade a carga conteudística não é conduzida nesse sentido dos tempos “idos e vividos” e nem sobre a “aurora da minha vida”. E resulta um desfile de chavões, lugares-comuns, clichês reflexivos, sentimentos e afetos de alguém que consegue editá-los. E o leitor começa a comemorar que o voo Brasília-Rio seja tão rápido.
Curiosidade: o Autor, sr. Michel Temer, em um dos textos pede socorro a filósofos e intelectuais, clamando patético “vinde a mim”. Entre os citados no apelo para socorrê-lo: Moro. Suponho tratar-se do notável escritor espanhol.
Um dos supostos poemas do livro se resume em uma só frase: “Não. Nunca mais”. É o que esperamos.
*Ivan Proença é professor Mestre e Doutor em Literatura. Crítico. Ensaísta.