18/03/2009
Vantoen P.JR |
Grupo musical Conjunto Nacional |
Em noite de festa muito concorrida, o humor e o veto à censura dominaram o clima do lançamento, nesta terça-feira, 17 de março, da exposição “ABI — 100 anos de luta pela liberdade”, em homenagem ao centenário da Associação Brasileira de Imprensa (comemorado em 7 de abril), que fica em cartaz de 18 de março a 26 de abril, de terça a domingo, das 12h às 19h, no Centro Cultural Justiça Federal, na Avenida Rio Branco, nº 241, no Centro do Rio.
Destaque para a irreverente apresentação do grupo musical Conjunto Nacional, formado pelos irmãos Chico (voz) e Paulo Caruso (voz e piano), Aroeira (sax tenor) e Luís Fernando Verissimo (sax alto), que veio diretamente dos Estados Unidos para participar do evento. O conjunto contou também com a participação dos jornalistas Luiz Manoel Guimarães (gaita), Fernando Barros (contrabaixo) e Nelson Pagani (bateria), o único que não é profissional de imprensa.
Chico Caruso |
O show foi um recital humorístico de cerca de 40min, que provocou muitos aplausos e risos na platéia que lotou o teatro do CCJF, com uma série de esquetes satíricas, lembrando as gafes do Presidente Lula e a obsessão do Senador José Sarney pelo poder — nem mesmo o recém-empossado Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, escapou das piadas do grupo.
Luís Fernando Verissimo definiu o espetáculo como uma coisa bem-humorada ao estilo dos irmãos Caruso, que junta música e humor. Mas considerou o evento em si como muito sério:
— Trata-se de uma comemoração importantíssima essa dos cem anos da ABI, por causa de toda a história da entidade na defesa do jornalismo, da liberdade de imprensa, entre outras lutas, elementos que dão o tom de seriedade do evento, que se misturou ao bom humor. Acho que foi muito significativa a escolha do Henfil como o homenageado dessa data, porque ele foi um típico produto daquela época dura da censura, que surgiu como a grande novidade do humor brasileiro, justamente porque através do traço conseguia dizer coisas que muita gente por meio do texto não o fazia.
Provocado por Chico Caruso — que disse que ele seria melhor músico do que escritor — Verissimo contou que se tivesse mesmo que escolher teria optado pela carreira musical:
— Se eu pudesse escolher e voltar atrás um pouco e recuperar o fôlego de quando eu era mais jovem, teria escolhido a música.
Zuenir Ventura |
Acompanhado da esposa Mary, o jornalista Zuenir Ventura falou sobre a apresentação dos colegas:
— Esse show foi incrível, digno da proposta da ABI em defesa da liberdade. É muito bom saber que ela está viva e atuante, uma entidade que sempre foi uma referência para nós jornalistas. Eu acompanhei parte desta história, como profissional, inclusive na época da ditadura, e sinto prazer em ver essa revitalização da ABI, sobretudo este espetáculo que foi realmente um momento histórico.
Após a apresentação da banda, o Presidente Maurício Azêdo agradeceu a contribuição dos artistas que “por meio do traço e da música ofereceram à ABI uma bela exibição, como prova da sua vitalidade e atuação de luta pela liberdade de imprensa e de expressão”. Emocionado, Maurício destacou a adesão de todos, ressaltou a importância de Henfil (patrono da exposição), e convocou os presentes para apreciarem a exposição.
Dividida em três módulos, a mostra foi organizada por Marilka Azêdo e reúne a obra de 55 cartunistas, da velha e da nova geração, entre os quais Lan, Jaguar, Loredano, Adail, e o novato João Pedro, de 12 anos de idade. Enfatiza a atuação de figuras lendárias da ABI, como Barbosa Lima Sobrinho. A exposição destaca os princípios da entidade em prol do Estado de Direito, pelo fim da censura e a liberdade de expressão. Além disso, é uma rara oportunidade para o público conhecer desenhos até então inéditos, que foram censurados durante a ditadura militar.
Sintonia
Maurício Azêdo |
No texto de abertura do catálogo da mostra, o Presidente da ABI diz que esta “guarda fina sintonia não apenas com a História desta Casa (ABI), mas também e principalmente com a própria evolução da imprensa do País”:
— A exposição tem um significado especial para a ABI, porque apresenta um dos aspectos mais destacados da imprensa brasileira, que é a participação dos caricaturistas, cartunistas, chargistas, com os seus desenhos críticos acerca dos diferentes aspectos da vida nacional, seja no campo político ou dos costumes, afirmou Maurício Azêdo.
Ele fez questão também de enaltecer a adesão e a contribuição dos artistas que aceitaram participar da exposição, criando desenhos especialmente para a mostra:
— Essa mostra reúne a suma dessa criação rica e inspirada e também muito contundente. E deixa a ABI confortável de ver que mereceu as homenagens daqueles desenhistas que ofereceram seus trabalhos, sem nenhuma contrapartida monetária, para integrar essa exposição, que, para nós, é uma belíssima realização da Casa no ano do seu centenário.
O cartunista Zé Roberto Graúna, um dos curadores da mostra, informou que a idéia principal da exposição era reunir o maior número possível de representantes de desenho de humor brasileiro, de várias regiões do País:
— Participando desta exposição há desenhistas de todo o Brasil, a maioria do Rio de Janeiro. O mais curioso é que conseguimos juntar do mais experiente ao mais jovem, o Lan (84) com o João Pedro (12), que é um menino de 12 anos apenas que já faz sucesso enorme na internet e que daqui a pouco estará se juntando a nós (cartunistas profissionais).
Graúna disse que a idéia de reunir desenhistas de todo o Brasil, para participar desse evento no Rio de Janeiro, foi também uma tentativa de influenciar os colegas se associarem à ABI:
— Não temos ainda um número representativo de figuras do cartum brasileiro ligados à associação, muitos talvez nem tenham a consciência de quanto isso é importante. Recentemente, o Carlos Latuff teve um problema por causa de um desenho e a ABI comprou essa briga. O cartunista precisa entender que a ABI é a única instituição que tem a possibilidade de defender o nosso trabalho, a nossa liberdade de criação, sem nenhum tipo de censura, declarou.
Zé Roberto Graúna |
Frisando que a trajetória da ABI é marcada pela defesa da liberdade de imprensa e de expressão, Graúna salientou a necessidade de a classe de cartunistas participar desse processo:
— É por isso que eu espero que todos os cartunistas possíveis venham para a ABI, já que não somos muitos, e que façam parte da luta contra a censura que é constante.
O desenho que Zé Roberto Graúna criou para a mostra é uma homenagem ao antigo caricaturista Fritz, criador da figura do pequeno jornaleiro, que acabou virando um símbolo do jornalismo carioca:
— Eu fiz uma representação caricata daquela estátua e a coloquei clamando por liberdade e chamando pela ABI.
Imprensa livre
Lan |
Como já era esperado todos os cartunistas que compareceram à inauguração da mostra reforçaram a importância da liberdade de expressão para a sobrevivência do cartum e a da imprensa. Para o veterano Lan, um dos que na época da ditadura teve trabalhos censurados, muitas vezes um desenho censurado “é um depoimento mais forte da censura do que um desenho produzido especialmente para denunciar a própria censura”.
Com 65 anos de profissão, Lan, que em 1974 teve que se exilar do País — por causa da famosa série de desenhos em que os militares apareciam como gorilas — já viveu muitas experiências com Governos ditatoriais: na Itália, com Mussolini; e na Argentina, sob Perón.
Diz que um caricaturista “com muitas horas de vôo” como ele, acaba pressentindo o que vai acontecer. Foi assim depois da renúncia do Jânio, quando ficou claro que os militares não iam aceitar João Goulart no poder:
— Dava para sentir. Mas eu acho que no nosso ofício em jornal, principalmente quando se faz charge política, não podemos ser covardes de jeito nenhum, tem que ver mostrar. Eu confesso que eu era mais crítico, hoje em dia se faz muita graça sobre o fato, mas o pontapé na canela, como eu dei no meu tempo e outros da minha época também deram, atualmente não há mais. Hoje se brinca, há muito mais liberdade.
Guidacci |
Após enaltecer a trajetória da ABI, o chargista Guidacci — que na mostra apresenta uma charge criticando a censura religiosa — lembrou que a história da caricatura no Brasil é muito antiga, com um passado marcado pela luta:
— Eu particularmente atravessei o período da ditadura, em que fui processado por uma charge no Pasquim (“Achado não é roubado”), que satirizava o Governo Geisel. Eles poderiam ter me enquadrado na Lei de Imprensa, o que poderia ter sido o mais correto, mas optaram por me enquadrar na Lei de Segurança Nacional, alegando que o desenho ofendia o Presidente da República.
Guidacci recordou que na época a luta contra a ditadura estava muito forte:
— Tivemos um período conturbado para a criação de charges, que são desenhos críticos. Mas qualquer coisa pode ser criticada. E a função do chargista é exercer a crítica, afirmou.
Termômetro
Amorim |
Amorim diz que o que há de significativo na exposição em homenagem ao centenário da ABI é a presença dos cartunistas em um momento tão importante da vida brasileira, que é reafirmar a importância da liberdade de expressão e do humor, porque em qualquer ditadura não há humor. Segundo o cartunista quando a meta é construir um país democrático é preciso chamar os humoristas:
— É claro que às vezes o resultado fica um pouquinho diferente do que o pessoal planeja, mas a caricatura é sempre o termômetro de uma situação. O fato de existir uma imprensa livre é que nos levou a participar desta homenagem ao centenário da ABI, com toda a honra para nós cartunistas. É sinal de que podemos ter um país melhor e um futuro promissor, porque liberdade de imprensa ainda não morreu nesse entre nós.
Jaguar |
Jaguar, que teve muitos trabalhos censurados, disse que ficou satisfeito com o resultado da exposição, principalmente porque esta põe lado a lado três gerações de cartunistas, que atuaram em momentos distintos da vida nacional:
— Eu achei muito bacana, porque aqui estão sendo exibidos alguns momentos marcantes do cartum nacional. Hoje em dia a gente faz uma charge e fica por isso mesmo, quer dizer, não aparece a polícia no dia seguinte na sua porta para te levar. Isso já aconteceu muito conosco, e a ABI nos proporciona essa segurança e tranqüilidade. A nossa vida ficou muito mais mansa, embora menos emocionante.
Francisco Ucha — editor de arte do Jornal da ABI, e um dos organizadores do catálogo da exposição — também acha que o espaço dos cartunistas não pode ser confiscado:
— Eles estão dando um presente muito importante para a nossa Casa, porque a exposição mostra o quanto eles são importantes. Há 171 anos começaram a ilustrações nos jornais, ainda não havia fotos, e os veículos passaram a vender mais. Hoje em dia o espaço do cartunista diminuiu, mas vemos por esse histórico que está sendo exposto aqui o quão é brilhante a participação de ilustradores e cartunistas na imprensa brasileira. O espaço deles não pode ser diminuído.