11/04/2023
Para que nunca mais se repita. A resenha é de Fernando Fernandes, advogado e pesquisador da área dos direitos humanos.
K.
O livro, que recebeu o Prêmio Vladimir Herzog Especial 2018 no 40º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos e foi finalista dos prêmios São Paulo de Literatura e Portugal Telecom, intitulado K, escrito por Bernardo Kucinski em 2012, traz uma sofrida realidade que ainda nos assombra: o desaparecimento de presos políticos. Bernardo, que recebeu em razão de duas outras obras o Prêmio Jabuti, através do personagem K narra uma dura história do desaparecimento mais que real, e incrementa com o que poderia não ser ficção, completando as lacunas de uma história nunca revelada, mas descoberta.
A redação escorreita da história faz o leitor embarcar com a delicadeza de um sofrimento da constante lembrança que se refaz mesmo 30 anos depois com as ofertas do mercado financeiro à filha desaparecida. Lembra muito o caso de outro desaparecido, Stuart Angel, que foi assassinado tendo seu corpo arrastado por um jipe com a boca em um cano de escape, como conta o relato de Alex Polari de Alverga no livro Voz Humana , e oficialmente ainda declarado vivo, ante a resistência da ditadura de assumir a morte, passou mesmo assim a ser defendido pelo advogado Heleno Fragoso.
O desaparecimento que nunca se cura, cuja mentira do regime ditatorial continua insepulto e se conecta com fatos atuais de uma democracia que nunca fez a transição, nunca julgou os torturadores, e cujo STF manteve a autoanistia dos crimes da ditadura, sustenta as notícias falsas (fake news) que geraram a tentativa de golpe de 8 de janeiro.
A delicadeza do personagem judeu não ortodoxo, mas estudioso da língua morta iídiche, hermético na sua rotina, alienado do mundo externo, não fez perceber a ditadura e mesmo sua filha, até perde-la. Sequestrada com seu marido um anarquista que deixava uma enorme biblioteca de livros expropriados, furtados das livrarias, vários furtados para que não se perdessem na mão da repressão.
Inúmeros detalhes surgem do texto riquíssimo. A rede de informantes e falsos informantes que contribuíam com a ditadura, do padeiro a comerciantes, que surgem a vender favores, prometer informações, e criam desinformações. Esses que hoje poderiam ser chamados de X9, delatores e infiltrados.
Os agentes do estado, torturadores cruéis e desumanos, e que se “sensibilizam” com o cachorro deixado pelo casal desaparecido.
A relação que lembra a síndrome de Estocolmo da irmã de um perseguido que se tornou amante do terrível delegado Fleury do estado de SP.
Da própria ilusão da luta armada, da falta de compreensão da impossibilidade dos poucos heróis derrubarem a ditadura e mesmo da irresponsabilidade de dirigentes que não perceberam o risco de uma luta a lá Dom Quixote.
O personagem K entra nesse labirinto quando sai de sua alienação, e na busca da filha a descobre e a ditadura, menos seu corpo. Acaba em contato com essa rede de informantes e extorsionários, conhece sua vida que há muito não percebia, seu casamento e sua relação de “machatunes”, como o código judaico chama o parentesco entre os sogros. Como na história a American Jewish Committe fundada para combater o antissemitismo, a promoção do pluralismo e a erradicação dos preconceitos, tenta uma ajuda silenciosa que resulta em mais desaparecimentos.
As ajudas, da anistia internacional, de padres, de judeus acabam lembrando o ato ecumênico de 1975 da Praça da Sé quando do assassinato de Vladimir Herzog, oficialmente declarado suicida. A autorização do rabino Henry Sobel que permitiu seu sepultamento no cemitério judaico vedado aos suicidas, e a celebração da missa por Dom Paulo Evaristo Arns com a participação do rabino.
A coragem do rabino, a saída da alienação de K, é como se fosse uma lembrança da impossibilidade de um judeu não compreender que as estratégias de tortura, dos riscos que passamos recentemente no Brasil, e ainda passamos, são fundações que levaram ao Holocausto.
O livro é imperdível. É apaixonante. Sofrido e nos leva a pensar no ontem, no hoje, no amanhã que temos que construir.Editora Expressão Popular.
Outro jornalismo é necessário: Estado, mercado e cidadania na TV pública brasileira
Resultado de pesquisa de doutorado, o jornalista e conselheiro da ABI, Elson Faxina, lança na quarta-feira, dia 12, Outro jornalismo é necessário sobre a comunicação jornalística praticada na TV Brasil, primeira emissora pública brasileira. O livro analisa a produção nos governos Dilma, Temer e do genocida. O quadro geral verificado leva o autor a reclamar por um outro modo de fazer jornalismo. Às 18h, na Universidade Federal do Paraná, prédio da faculdade de Administração. Editora UFPR.