Hoje é Dia de Livro


23/08/2022


Por Maria Luiza Busse, diretora de Cultura da ABI

A voz do gesto 

História da criação do ‘L’ de Lula. O jornalista paranaense Mário Milani colocou em livro uma das mais bem sucedidas peças de campanhas eleitorais no Brasil. Milani abriu a pinça feita com a junção dos dedos indicador e polegar e formou o ângulo de 90º que deu no ‘L’. Vale lembrar que foi a descoberta da funcionalidade dos dedos em pinça pelos nossos ancestrais Homo Sapiens que permitiu a produção das primeiras ferramentas de pedra. A sacada atávica se deu na primeira campanha de Lula à Presidência da República, em 1989. “Na época, sem dinheiro, buscávamos uma forma de divulgar o nome do candidato de forma simples, fácil e barata. Foi quando criei o “L”, conta Milani. A ideia pegou e, desde então, o gesto não verbal acompanha Lula em sua trajetória pela vida pública brasileira, extrapolando para as redes sociais e entre aqueles que buscam apoiar e votar em Lula presidente.
A edição tem prefácio de Lula, depoimento de personagens que também participaram do processo, e citação bibliografia sobre os principais gestos corporais utilizados pelo homem ao longo de sua história. O lançamento será no próximo dia 27, às 19 horas, no Nina Bar, em Curitiba. Rua Marechal Deodoro, 847. Editora Kotter.

 Ernst Cassirer e o Nazismo – e Outros Textos Sobre a Proximidade do Mal

Essa obra de João Carlos Salles Pires da Silva, que acaba de deixar o cargo de reitor da Universidade Federal da Bahia depois de oito anos de firme administração em meio a perseguições e ataques sistemáticos do governo federal à instituição, traça paralelo entre a ascensão do nazismo na Alemanha e o Brasil de Jair Bolsonaro com sua guerra declarada contra a educação e o saber. O professor de Filosofia parte do enfrentamento empreendido pelo colega também filosofo e então reitor da Universidade de Hamburgo Ernest Cassirer. Além das credenciais, Cassirer sofreu ainda o racismo por sua origem judaica. No livro, Salles chama atenção da sociedade para que não subestime o avanço de ideias e ações obscurantistas que podem levar o Brasil a um dos mais terríveis regimes de opressão de sua história. Em especial, defende a importância de se preservar as funções essenciais da Universidade, espaço de fluxo de ideias e realizações plurais e críticas. Em 2019, a UFBA foi penalizada com severo corte de verbas pelo então Ministro da Educação Abraham Weintraub, que avaliou a universidade como uma instituição de desempenho acadêmico insatisfatório e por ser um lugar de “balbúrdia”.  Editora Noir.

Seguem trechos da entrevista publicada no jornal A Tarde, da Bahia, concedida ao editor Gonçalo Junior,

No livro, procuro afastar a ideia de que o mal se dá apenas pela violência. É bem mais que isso. Quem faz o mal pode até não parecer violento e provocar o mesmo efeito. O mal opera destruindo laços, a possibilidade de as pessoas afirmarem sua identidade. É algo que, digamos assim, opera pelo negativo. Não necessariamente pela violência, enfim, mas pela negação sistemática e, às vezes, sutil”.

O mal faz interferir no tecido social uma ferida, uma cunha, uma separação do indivíduo, às vezes até de si mesmo e, por esse caminho, em relação ao outro. Eu diria que, se destacarmos esse aspecto do mal, temos um laço direto do artigo principal do livro, que é sobre Ernst Cassirer, filósofo de grande renome e primeiro reitor judeu de uma universidade alemã, e estes tempos obscurantistas que vivemos”.

“Por meu interesse em certos temas da filosofia, sempre li Cassirer. Confesso que não valorizava tanto certos textos dele, talvez visse neles um trabalho de comentador mais amplo e menos minudente do que eu desejava. Não lhes dava assim o devido valor, até perceber que havia em sua trajetória intelectual, em seus trabalhos sobre temas e autores diversos, uma construção sistemática de um sujeito universal que procurava, a todo tempo, resistir ao particularismo, ao negativo, ao reacionarismo, ao racismo, às formas que o nazismo veio enfim a assumir e que é algo que, sim, pode nos acontecer no tempo atual, em nosso país. A ameaça existe e é palpável”. 

“Passamos a conviver com ataques a direitos individuais e a instituições, de sorte que um mal efetivo assumiu a forma de destruição de políticas públicas voltadas ao interesse do comum, de ataques sucessivos à educação, à ciência, à cultura e às artes. Em seu tempo, por seus meios, Cassirer resistia a tudo isso, e combatia o obscurantismo que se materializava em um provincianismo reacionário e racista, em um nacionalismo agressivo e resistente a medidas mais elevadas da cultura, em formas ideologizadas da cultura que resistiam aos valores da República de Weimar. A obra ganha novo sentido, quando a vemos testemunhar sua defesa do projeto de sociedade, na qual o ser humano é visto como fonte de direitos, um homem que só pode então ser considerado como uma finalidade e jamais como um meio. Afirmava-se assim, como judeu, certamente, mas sobretudo como participante da cultura alemã em sua feição mais universal”.

“Essas investidas sistemáticas não podem ser subestimadas. É, talvez, uma das ações mais graves e perigosas já feitas no país para destruição da civilidade como condição mínima para um projeto de nação que não seja desigual, mas sim profundamente democrática. Por estar neste lugar, talvez tenha percebido analogias com dilemas enfrentados por Cassirer quase um século atrás. Sem dúvida alguma, foi isso que me estimulou a explorar um documento precioso que é a carta de exoneração dele e as razões que apresentou para isso, que são muito fortes”.

“Parece que a permanência do mal o torna insensível às pessoas que se identificam com ele. Como se pudéssemos conviver, perdão pelo trocadilho, com o “mal necessário”. O mal se justifica a todo tempo. Faz parte de sua estratégia não ser mera violência. Além de força bruta, quer ser sedução. Ou, pior ainda, quer mostrar-se inevitável e, por isso, invisível. Parte do absurdo está em que as pessoas, de tão assaltadas e devastadas, passam a se acostumar com ele, como se, após ataques reiterados, pudéssemos conviver eternamente com ele.”

https://atarde.com.br/caderno-2/joao-carlos-salles-fazemos-balburdia-porque-dizemos-nao-a-barbarie-1197861

Mídia e Conservadorismo: O Globo, A Folha de São Paulo e a Ascensão de Bolsonaro e do Bolsonarismo

 

Tese de doutorado da jornalista Fabíola Mendonça de Vasconcelos, defendida no curso de Serviço Social da Universidade Federal de Pernambuco, ganhou notoriedade pela excelência e pela censura que está sofrendo. O trabalho que detalha a contribuição dos jornais O Globo e Folha de S. Paulo para a eleição de Jair Bolsonaro, e ganhou Menção Honrosa no Prêmio CAPES de Tese de 2022 foi proibido de divulgação nos veículos internos da universidade. Citando a Lei complementar n. 64, de 1990, o superintendente de comunicação da UFPE e docente no Centro de Artes e Comunicação, Bruno Pedrosa Nogueira, comunicou ao professor Marco Mondaini, orientador de Fabiola, que “nos três meses que antecedem a eleição, o chamado defeso eleitoral, é vedada a publicidade institucional, independentemente de seu caráter eleitoreiro ou de seu teor informativo, educativo ou de orientação social”, e que o material sairia em novembro no boletim de pesquisa. Mondaini e a comunidade acadêmica reagiram por entender ser “inadmissível concordar com a ideia de que uma tese de doutoramento possa ser considerada uma peça de ‘publicidade institucional’. O atual reitor da UFPE, Alfredo Macedo Gomes, tomou posse em 2019 nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro por indicação do ex-líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho.

A tese da doutora  Fabiola Mendonça de Vasconcelos está disponível no
https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/43482
e pode ser baixada em pdf  TESE Fabíola Mendonça de Vasconcelos.pdf

1961 O Golpe Derrotado – Luzes e sombras do Movimento da Legalidade

Durante treze dias do ano de 1961 o Brasil viveu em situação de guerra civil com mobilização de tropas e ordens de bombardeio aéreo. O jornalista Flávio Tavares conta o que foi a Campanha da Legalidade organizada por Leonel Brizola,­ então governador­ do Rio Grande do Sul, movimento de resistência popular que derrotou o golpe de Estado intentado pelos ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica. Além de testemunha, Flávio participou da rede que usou o poder de comunicação e alcance do rádio para emitir informações e convocar as forças sociais legalistas a barrar a ofensiva antidemocrática. L&PM Editores.

O golpe Militar e Civil de 64: 40 anos depois

Escrito em 2004, bem antes do inimaginável governo atual, o livro de Ivan Cavalcanti Proença, intelectual e decano da Associação Brasileira de Imprensa, é contribuição fundamental ao estudo das gêneses e características históricas dos golpes de Estado praticados no Brasil em 1945, 1954, 1961, e 1964. Outros vieram, não mais pelos tanques, mas pela via financeiro-midiática-juridica e militar, com a implementação de políticas monetárias traduzidas em planos Cruzado e Real, e ações travestidas de constitucionalidade com o impeachment da presidenta Dilma Roussef e a prisão sem qualquer prova do candidato a vencer a eleição presidencial de 2018, Luís Inácio Lula da Silva. Ao longo da reflexão, o autor mantém a pergunta se o golpe de 64 era de fato inevitável ou haveria alguma maneira de conter a quartelada. A conclusão de Proença é que poderia ter sido evitado e hoje o país não estaria vivendo a tragédia de uma militarização encimada por um evangelismo de fancaria que evoca o reino de Salomão. Leitura obrigatória. Editora Oficina do Livro.

Aquele dia na praia

Representante da Geração 68, o   jornalista e escritor capixaba Flavio Sarlo tem como tema neste livro a juventude da cidade de Vitória, Espírito Santo que, no final dos anos 1960 e início de 1970, se dividiu entre esportes na praia, bandas de rock’n’roll, e a luta armada contra a Ditadura Militar instaurada no Brasil em 1964. O livro mistura ficção e realidade, memórias familiares e momentos históricos. As histórias têm em comum filhos da classe média, moradores do bairro Praia do Canto. Editora Amazon.

Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX

A obra examina a realidade da homossexualidade masculina e questiona a visão estereotipada de que a expressão desinibida e licenciosa do comportamento durante o carnaval comprova a asserção de que a sociedade brasileira tolera a homossexualidade e a bissexualidade na vida cotidiana. O autor é o brasilianista estadunidense James Green, professor de estudos latino-americanos na Universidade Brown, em Rhode Island, e presidente do Washington Brazil Office, instituição que defende o Estado de Direito e a democracia brasileira. Entre os anos de 1976 e 1982, Green morou no Brasil trabalhando como  professor de inglês e nesse período ajudou a organizar o movimento de defesa dos direitos homossexuais. Em recente entrevista à Rede Brasil Atual sobre o panorama  eleitoral brasileiro, alertou sobre o clima  de golpe: _ “Não é uma paranoia, uma fantasia, pois existe uma possibilidade de Bolsonaro copiar ações como a do Capitólio no Brasil. Cabe aos brasileiros eleger o presidente e os representantes. Mas é preciso que a comunidade internacional reconheça os resultados.” Editora Unesp.

Arte do Centenário e outros escritos

Coletânea de 18 textos de Oswald de Andrade, entre inéditos e conhecidos publicados de 1920 a 1922 nos jornais do Commercio, Correio Paulistano, na revista A Rajada, e entrevista concedida à Gazeta de Notícias. Os textos marcam o protagonismo do escritor na crítica ao passadismo e na defesa da nova estética. Acompanham ensaios de pesquisadores que colaboraram para a realização do livro. Organização da professora e pesquisadora Gênese Andrade. Editora Unesp.

O Pequeno Nicolau

O que era só uma tira de quadrinhos publicada em uma revista belga se transformou num delicioso entretenimento editorial, graças ao senso apurado de humor do quadrinista René Goscinny e o traço fino do ilustrador Jean-Jacques Sempé. Juntos, criaram a história do garotinho Nicolau que causava as maiores confusões para se salvar de perigos imaginários porque entendia o mundo adulto com seu olhar de criança. As aventuras do menino migraram das tirinhas para os livros e também para o cinema. Em 2010, chegaram às telas as observações hilariantes sobre os colegas, os pais, os professores e as situações do cotidiano. O universo engraçado e poético do celebre colegial pode ser encontrado em diversos títulos, impossível destacar um só. Sempé faleceu neste mês de agosto aos 89 anos. Goscinny, também criador do sensacional Asterix, morreu em 1977, aos 51 anos.  Leitura e diversão para todas as idades. Editoras Martins Fontes e Rocco.

Carioca de 1973 – Uma glória tricolor semeada em solo negro africano

Está em pré-venda, ainda sem capa fechada, o livro homenagem ao Fluminense Football Club, campeão Carioca de 1973. Não à toa o historiador e tricolor de coração Eduardo Coelho elegeu aquele ano para começar a contar sobre o time do bairro de Laranjeiras, zona Sul do Rio de Janeiro: na disputa pela taça o Fluminense bateu de 4 a 2 no tradicional adversário rubro-negro, um Fla X Flu de gloriosa memória. Quem participar da pré-venda terá o nome inscrito no livro como apoiador do projeto.

É inspiradora a paixão pela camisa vermelha, branca e verde. Chico Buarque arrumou gancho na música sobre um dia feliz para escrever o verso “vou que vou satisfeito, alegria batendo no peito, radinho tocando direito, a vitória do meu tricolor”, tão bonito que dá até vontade de ser Fluminense. Mas as devoções não param por aí. A última crônica do genial Nelson Rodrigues foi para o seu time vencedor do campeonato carioca de 1980 contra o Vasco. Já sem força para escrever, ditou para o filho. Morreu 19 dias depois. Segundo Nelsinho, feliz com a vitória do seu tricolor. Segue a crônica

“Amigos, em futebol, nunca houve uma vitória improvisada. Tem sido assim através dos tempos.

Foi uma doce e santa vitória. Vocês viram como aconteceu o nosso triunfo. Foi uma tarde maravilhosa.

Tudo começou há seis mil anos atrás. Vocês compreenderam? Podia ser o Flamengo, o Botafogo, o Vasco ou outro, mas estava escrito que a arrancada era tricolor.

Há quarenta anos antes do nada, Nelsinho foi chamado. E foi tão fulminante sua presença no túnel tricolor que merecia ser carregado numa bandeja com uma maça na boca.

Amigos, os idiotas da objetividade custaram a perceber a evidência ululante, segundo a qual seríamos campeões. Eu lhes falei do Roberto Arruda. Pois o Arruda, desde o primeiro jogo do campeonato, me procurou dizendo: – “Seremos campeões”. E neste domingo, o Arruda telefonou para dizer uma única e escassa frase: – “Ninguém nos tira a vitória”.

E desde o primeiro momento do jogo, ficou claro que a vitória era tricolor. Foi 1 x 0 mas poderia ser dois ou três. O Edinho fez o gol e o Fluminense em vez de recuar para garantir o resultado partiu para cima do Vasco como um leão faminto de mais gols.

E vocês viram: nosso adversário não pode esboçar a menor reação.

Gostaria de falar dos campeões. O Fluminense tem um elenco fabuloso do goleiro ao ponta-esquerda, e só os lorpas e pascácios não veem que o futebol brasileiro está encarnado nos craques tricolores”.