20/04/2007
“Uma figura rara no jornalismo dos nossos dias. Talvez, inexistente”, na opinião de Sérgio de Souza, editor da revista Caros Amigos. “Um ícone da nossa imprensa”, segundo George Duque Estrada, diretor de Arte da Carta Capital. Elogios não faltam quando se fala de Paulo Patarra. Muito menos boas histórias.
Greve estudantil
O repórter José Hamilton Ribeiro foi enviado ao Vietnã, em 68, pelo então editor de Realidade, Paulo Patarra, seu amigo desde 1955, quando se conheceram na Escola de Jornalismo Cásper Líbero. Ali, o futuro correspondente de guerra era Vice-presidente do Centro Acadêmico, que comandou uma greve dos estudantes. No segundo dia da mobilização, o Presidente renunciou e deixou o “abacaxi” com Zé Hamilton.
Depois de duas semanas, as aulas retornaram. A Direção da escola chamou Zé Hamilton e mais três estudantes que encabeçaram o movimento — dois deles eram Paulo e sua futura esposa, Judite. A decisão foi não expulsar o quarteto, mas, no ano seguinte, a Cásper Líbero não aceitou a matrícula de nenhum deles. “Este foi nosso primeiro contato. Patarra sempre foi um grande líder”, diz Zé Hamilton, que foi para o “Globo rural” a convite do amigo.
A importância de Patarra para a imprensa, Zé Hamilton registrou no oferecimento que fez para ele em seu último livro, “O repórter do século”, em que publicou as grandes reportagens de sua carreira, sete das quais premiadas com o Esso: “Dessas oito reportagens, seis foram feitas com a sua criatividade. Nas outras duas aproveitei coisas que aprendi com você”, escreveu.
Quase prisão
Frei Betto conheceu Paulo Patarra em 1966, na Realidade. Em seu primeiro contato com uma redação, o religioso foi incumbido das matérias internacionais, como a visita do Papa Paulo VI à Colômbia, em 1968. “Ao retornar, prestei-lhe contas dos gastos. Levei uma senhora bronca, pois a verba de representação da Abril não exigia prestação de contas. Patarra ficou furioso porque, ao devolver o excedente, eu punha em risco a possibilidade de outros jornalistas gastarem em viagem com noitadas e uísque”, lembra ele.
Cena do filme “Batismo de sangue” |
Mais tarde, Frei Betto foi trabalhar na Folha da Tarde, publicação de esquerda que se contrapunha ao Jornal da Tarde, de direita. Lá, ao saber que uma equipe do Deops ia prender “um tal de Paulo Patarra”, foi de táxi a Higienópolis, onde o amigo morava, e fez com que ele saísse de casa. Pouco depois, policiais invadiram o local. O relato está no livro “Batismo de sangue” e no filme homônimo, que tem roteiro da filha de P.Pat, Dani.
Sobre o amigo, Frei Betto diz: “Tenho por ele profundo afeto e, embora a saúde precária o impeça, hoje, de falar, a vida e o talento de Paulo Patarra são gritantes na história do jornalismo brasileiro. A revista Realidade, paradigma da imprensa nacional, não seria o que foi sem as qualidades de Patarra e de Sérgio de Souza, editor de texto.”
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Amâncio Chiodi |
Carro e romance
O caso aconteceu com Sérgio de Souza, editor da Caros Amigos que conheceu Patarra em 1964, na Quatro Rodas. Quando era editor de texto na Realidade, Sérgio se apaixonou pela secretária de Patarra, Switlana Nowikow, a Lana. Ambos eram casados e o romance causou burburinho na redação.
Veio a Copa de 66 e ele foi escalado para cobrir a seleção brasileira na Inglaterra. Patarra decidiu apoiar o amigo e propôs que Lana fosse ao encontro do repórter em Londres. Nada muito anormal, até que Sérgio descobriu: “Paulo estava tão empenhado em contribuir para o sucesso do meu romance que, para custear a passagem aérea e despesas de viagem, pôs à venda o seu Gordini. No entanto, toda a equipe foi contra, como me conta a Lana, que, aliás, até hoje é minha companheira — entre outras razões, por causa do Paulo Patarra”, conta o jornalista.
Manchete inusitada
Amâncio Chiodi |
Em 1960, Carlos Alberto Azevedo era estagiário do Estadão e foi aluno de Patarra em um cursinho preparatório para o vestibular. “A primeira imagem daquele homem magrinho era de dinamismo”, lembra Azevedo, hoje com 67 anos. Quando trabalhava em O Cruzeiro, em 1964, ele foi convidado pelo ex-professor para a Quatro Rodas, onde escreveria a seção de corrida “Alta rotação”.
A verdadeira idéia de Patarra, porém, era fazer da publicação o embrião da Realidade. Azevedo, então, foi escalado para fazer uma matéria sobre a mortandade dos índios brasileiros. “Mas fazer isso num guia turístico?”, indagou o repórter ao editor. Patarra não pensou duas vezes, entregou-lhe uma pilha de dinheiro e o enviou para as aldeias. “Vá e não vamos contar para os Civita”, advertiu.
Meses depois, a reportagem foi capa: “Paz para o índio vencido”, com título interno “O povo deve morrer”. “O episódio mostra a visão de Patarra. Era o cara do convencimento, não havia distância entre ele e os subordinados. Sempre foi o nervo estratégico, o ser pensante do jornalismo, o fazedor de grandes projetos, o organizador de equipes”, diz Azevedo.
Outra reportagem que ele não esquece envolveu a campanha “O petróleo é nosso”. Como não se podia falar abertamente da campanha nas publicações dos Civita, Patarra teve uma idéia: enviou Azevedo para a extração em Sergipe e, diante de uma bela foto de um operário todo sujo de petróleo ao descobrir um poço, jogou a manchete: “Esse petróleo é meu”. “Patarra marcou o jornalismo brasileiro nos últimos 50 anos. Sempre foi um Telê Santana, reunindo os melhores em campo”, afirma Azevedo, fazendo alusão ao inesquecível técnico de futebol.
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Amâncio Chiodi |
Texto e caráter
O alagoano Bernardo Severiano da Silva, semi-analfabeto e militante do PCB, estava preso em 1964 enquanto seu filho Mylton (anos depois, Myltainho) trabalhava na Folha de S. Paulo à noite e estudava Direito pela manhã. Três meses após o golpe militar, o funcionário da Folha foi chamado para a Quatro Rodas, depois de ter sido apresentado a Patarra pelo amigo Otoniel Santos Pereira. O salário era tentador: cinco vezes mais do que ganhava no jornal. “O lema de Patarra era ‘só vem para o nosso grupo bom texto e bom caráter’, o que necessariamente não significa ser do Partido Comunista”, conta Myltainho, orgulhoso.
Quando a equipe de Realidade começou a ser montada, Myltainho foi peça importante do projeto. As pautas da revista eram discutidas, principalmente, em mesas de bar como o Sand Churra, localizado na Galeria Metrópole, no Centro de São Paulo. “Patarra dormiu muito no mezanino de lá depois de uns pileques”, lembra o jornalista, sorrindo.
Depois da Realidade, veio o jornal Ex, bancado posteriormente por P.Pat. A primeira capa trazia um sósia de Hitler tomando banho pelado na praia; outra, o Presidente norte-americano Richard Nixon vestido de presidiário… Isso até começar a pressão dos militares. ”Muitas vezes o jornal era feito na máquina elétrica, diretamente no papel. O fotolito era feito a partir do cuchê. Não podia errar. Patarra colocou uma grana preta na publicação, o dinheiro de um apartamento. A tiragem foi crescendo, até que a edição que vincularia o melhor do Ex foi apreendida na gráfica. Isto foi determinante para o fechamento do jornal. Suspeitamos até que houve deduragem”, revela Myltainho. “Na invasão, todos tremeram com a chegada dos agentes da Polícia Federal, em especial um negro, alto, cujo dedos pareciam cinco cassetetes. O cara não precisava nem de arma.”
Sob censura, Patarra fechou um jornal e criou outro, o Mais Um, com seus últimos tostões. Um pequeno selo no alto da página trazia a palavra “Ex” na nova publicação, rodada na gráfica de Raduan Nassar, em Pinheiros. Generoso, o autor de “Lavoura arcaica” não cobrou um débito que a equipe tinha na empresa, fruto das últimas edições do Ex. “Quando lançamos o primeiro número com uma matéria sobre o Esquadrão da Morte, eu e o Half (Hamilton Almeida Filho) fomos chamados pelo Coronel Barreto, que, parecendo que ia rasgar o jornal com os dentes, gritou: ‘O que é isso?’ Um dos dois respondeu: ‘Coronel, é um outro jornal’ A réplica do militar foi imediata: ‘Ou vocês param com isso ou não respondo mais pela integridade física de vocês.’ Todos pararam e a turma, liderada por Patarra, se tornou ‘maldita’.”