11/11/2009
O jornalista Hélio Fernandes, Diretor da Tribuna da Imprensa, está cobrando do Senado Federal a localização do texto do depoimento em que denunciou o General Otávio Medeiros, ex-Chefe do extinto Serviço Nacional de Informações, e 12 de seus subordinados como autores dos atentados contra o seu jornal, em 26-27 de março de 1981, e contra os participantes do Show 1º de Maio, no Riocentro, quatro dias depois, em 30 de abril. Hélio, que fez a cobrança no site do jornal (www.tribunadaimprensa.com.br), nesta segunda-feira, 9 de novembro, foi convocado para depor pelo Relator da CPI do Terror, Senador Franco Montoro (PMDB-SP) e falou durante seis horas, mas nada foi registrado nos anais ou arquivos do Senado: o SNI se apossou do texto, até hoje não localizado. Diz seu artigo:
“Depois da destruição da Tribuna, fui depor no Senado. Falei quase 6 horas, tudo o que eu disse, desapareceu, por determinação do SNI. Como falo sempre de improviso, não há nada nos ANAES, não tenho cópia de coisa alguma.A data, 26 de março, é inesquecível. A ditadura, que não conseguia calar a Tribuna da Imprensa, resolveu silenciá-la de outra maneira. Eu sempre deixei bem claro que não sairia do Brasil de forma alguma, o “ame-o ou deixe-o”, nada a ver conosco.
Não verdade já não era 26 de março e sim 4:10 da madrugada de 27. Muita gente em frente à Tribuna, Doutor Barbosa Lima, Ulisses Guimarães, Bernardo Cabral, quem estava no Rio estava na rua do Lavradio. E o povão que ia chegando. Assistiam, estarrecidos, a destruição de prédios, máquinas, tudo o que era imprescindível para fazer um jornal.
Isso podia ser visto claramente, as chamas subiam desordenadamente, os bombeiros custaram a chegar, não tinha a menor importância. Preservadas do fogo, inatingíveis, sem serem pressentidas mas invioláveis, estavam ali as idéias, a resistência, a obstinação, a decisão de não abandonar por um momento que fosse a luta que só terminaria com o fim da ditadura.
A partir do dia 29, 48 horas depois, começava outra etapa dessa luta. Funcionando no Senado, a CPI do Terror. A destruição da Tribuna era apenas mais uma violência, existiam outras, várias, muitas, a vingança dos torturadores no Poder não respeitava ninguém.
Mas a CPI do Terror era presidida por Mendes Canale (Mato Grosso), e relator, Franco Montoro, ex-governador de São Paulo. Foi ele que me telefonou: “Hélio, você já está relacionado para depor, mas agora o comparecimento é urgente”. Perguntou quando poderia ser, respondi o óbvio, “quando o senhor marcar”.
Disse que ia marcar com a CPI, voltaria a falar comigo. Isso foi logo no dia seguinte, antes conversou com Barbosa Lima Sobrinho, o grande Presidente da ABI. Franco Montoro me disse: Hélio, combinei com o doutor Barbosa, vamos nos encontrar na ABI, amanhã, vou de Brasília direto para esse encontro, já estou com a data do teu depoimento, os membros da CPI não querem esperar mais”.
(Fui conselheiro da ABI durante 18 anos, só deixei o cargo quando Barbosa morreu. Mauricio Azêdo, que transformou a ABI dando a ela uma dinâmica que estava faltando, me convidou para continuar. Mas concordou inteiramente, não tinha mais sentido. Fez comigo a primeira de uma série de entrevistas, era o que estava faltando. E deu ao Jornal da ABI e à própria ABI a repercussão e a presença que as novas técnicas estavam retirando).
Nos primeiros dias de abril, quando a ditadura fingia que acabara, mas na verdade COMEMORAVA 17 anos de amaldiçoada existência, comecei a depor. Praticamente todo o Senado, toda a Câmara, galerias superlotadas, Montoro perguntou: “Você quer fazer alguma exposição antes das perguntas?”. E este repórter com a resposta simples e obrigatória: “QUERO”.
Falei quase uma hora, sem aparte, sem qualquer interrupção,nenhum sussurro, só o estarrecimento com o que eu contava. (E depois, nas quase 5 horas de perguntas e respostas, todos se admiravam como eu podia saber tanta coisa, e como tinha coragem de contar tudo o que fora planejado, manipulado e executado pelo último chefe do SNI da ditadura Otávio Medeiros. Que ainda acreditava que se houvesse um novo general “presidente”, seria ele). (O que era rigorosamente insensato mas verdadeiro).
Os agentes do SNI “disfarçados” pelo plenário, (por exigência geral não podia ser numa sala menor, já se sabia que a presença seria grande) ficavam estarrecidos e não acreditavam que um jornalista desarmado pudesse ser tão informado, e não tivesse a menor dúvida em atirar com uma 45 do Exército (hipoteticamente) contra o mais importante general da ditadura. Uma ditadura que dominava tudo.
(Quando fizeram obras no gabinete do “presidente” Figueiredo (ex-Chefe do SNI), descobriram aparelhagem para gravar tudo o que ele falava ou ouvia. E essa parafernália, montada e colocada ali, pelo seu homem de confiança, Chefe do SNI, 4 estrelas Otávio Medeiros).
Mostrei com dados e detalhes toda a preparação de uma equipe de 12 oficiais, que se dedicavam única e exclusivamente à destruição da Tribuna da Imprensa. Contei de forma irrefutável as viagens que alguns desses oficiais faziam ao Rio, se hospedando em hotéis perto da Rua do Lavradio, para que tomassem conhecimento de tudo o que interessava ao plano de destruição. Mas o que deixou a todos perplexos foi a minha descrição do que aconteceu em Brasília, na sede do SNI, na véspera do atentado (incluindo nomes, patentes e cargos de todos os 12 da equipe destruidora. O 13º, general Otavio Medeiros, que não chegou a “presidente”, pelo menos isso).
Todos os que participariam do atentado no Rio precisavam comprovar a presença em Brasília na véspera do atentado e no dia seguinte. Antes do atentado, “marcaram o horário” (e os “álibis”) de todos, de diversas maneiras. Um deles, por exigência do planejamento, deu um tapa no rosto de uma secretária, todos se lembrariam no dia seguinte. Um contínuo pressionado deixou cair uma bandeja de café em cima do próprio Otávio Medeiros, que só entrou na sala para isso, saiu resmungando.
O avião que traria os terroristas para o Rio tinha hora para sair de Brasília, e precisava estar de volta até às 7 da manhã, para que pudessem aparecer na sede do SNI, sem qualquer constrangimento.
Às 8 da noite terminou meu depoimento, as mais importantes figuras da oposição concluíram: “O Hélio não pode dormir em Brasília, ele tem que voltar para o Rio, imediatamente”. Que foi o que aconteceu. O pânico com a minha segurança era total.
Agora a perplexidade provocada não por mim, e sim pelos fatos que não conhecia. Há alguns anos, precisando do depoimento, recorri ao Senado. Estarrecido, constatei que não havia nada nos anais ou arquivos do Senado.
Fiz levantamentos, consultei senadores, procurei informações e todas levavam ao mesmo endereço: o SNI. Só esse órgão tinha organização, independência e cobertura para executar uma operação como essa: FAZER DESAPARECER DO SENADO O MAIS IMPORTANTE E DESTRUIDOR DEPOIMENTO CONTRA A DITADURA.
Todos os senadores estão na obrigação de saber o que aconteceu. Como disse no título, falo sempre de improviso, escrevo tudo na hora, PRECISO DESSE DEPOIMENTO. Os senadores têm uma forma de me desmentir: MOSTRAR O DEPOIMENTO, ir para a INTERNET ou para as rádios, jornais e televisões e dizer: O JORNALISTA HÉLIO FERNANDES ESTÁ MENTINDO, tudo o que falou está aqui.
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PS- Para terminar, um fato que não sabia quando fui depor na CPI do Terror, passei a conhecer muito mais tarde. Além da destruição da Tribuna, o atentado de 26/27 de março era TAMBÉM UM TESTE PARA O MONSTRUOSO MASSACRE QUE DEVERIA OCORRER NO RIOCENTRO NO DIA 1º DE MAIO.
PS2- Preciso que encontrem meu depoimento. Pois ele está completamente dominado pelos nomes dos que executaram o atentado contra a Tribuna, e que depois coincidiria com os que participariam do Riocentro. Como da outra vez, tudo executado pelo grupo dirigido pelo general (quase “presidente”, imaginem) Otávio Medeiros.”