Há 1.826 dias uma pergunta circula, sem trégua: “Quem mandou matar Marielle?”


14/03/2023


Por Gilberto Scofield Jr. (*)

Nesta terça-feira, dia 14 de março, completam-se cinco anos do assassinato da vereadora Marielle Franco sem que a sociedade saiba, até agora, quem mandou matar – com 13 tiros disparados contra o veículo onde ela estava, e que atingiram e mataram também seu motorista Anderson Pedro Gomes – a política eleita com o voto de 46.502 cariocas (a quinta mais votada da cidade). No entanto, no site da vereadora assassinada, um dos maiores alvos de desinformação e tentativa de destruição de reputação durante os anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, está escrito um fato incontestável:

“Quem mandou matar Marielle
mal podia imaginar que ela era semente,
e que milhões de Marielles em todo mundo
se levantariam no dia seguinte”

Apesar de uma investigação que se arrasta nos escritórios da polícia e da cúpula se Segurança do Rio desde então, o fato é que Marielle hoje é um símbolo da luta internacional feminista e negra. Foi a principal homenageada do Dia Internacional de Luta das Mulheres em 2019. Há apenas duas semanas, já durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e por determinação do ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, a Polícia Federal entrou no caso e abriu inquérito para investigar o assassinato. O Ministério Público também foi acionado. Tanto que, no dia 4 passado, o procurador-geral de Justiça do Estado do Rio, Luciano Mattos, nomeou os novos integrantes da força-tarefa que acompanharão as investigações sobre os mandantes dos assassinatos
Apesar do empenho tardio – ou talvez por isso mesmo -, a resposta ao ato bárbaro de violência veio na forma de uma reação ao ultraje miliciano através de um ativismo feminino, negro e periférico que resultou de fato em várias outras “Marielles”, a começar pela irmã da socióloga, a jornalista Anielle Franco, que acaba de ser eleita pela revista TIME como uma das 12 mulheres do ano em 2023. Após o assassinato da irmã, Anielle assumiu o protagonismo na luta por sua memória e, juntamente com outros membros de sua família, fundou e tornou-se diretora do Instituto Marielle Franco, que luta por direitos humanos e na defesa da memória de Marielle. Desde então se envolveu no ativismo político pelas causas da população negra e LGBTQIA+, ajudando a inspirar uma geração de políticas mulheres, negras e LGBTQIA+ que hoje estão nos legislativos do Rio, na Assembleia do Estado e no Congresso Nacional. Este ano, foi escolhida Ministra da Igualdade Racial do governo Lula.

Por tudo isso, foi reconhecida pela TIME uma das pessoas mais influentes hoje no planeta. Diz um trecho do perfil de Anielle na revista americana, a primeira mulher brasileira na lista: “Sua trágica história familiar, personalidade calorosa e uso hábil das mídias sociais transformaram a outrora reservada Franco em uma líder improvável no movimento pelos direitos dos negros no Brasil”. A jornalista, educadora, escritora e ex-jogadora de vôlei reagiu em sua conta no Twitter: “Muito orgulhosa e emocionada em ter sido a primeira e única brasileira indicada como “Mulher do Ano” entre as doze escolhidas pela revista norte-americana Time. Estou muito feliz e não chego sozinha, esse reconhecimento não é só meu, é de todas as mulheres negras do Brasil”.

Essa ação opressora que recebe como resposta um florescer de ativismos e mobilizações, em especial movimento feminista negro, LGBTQIA+ e periférico, não chega a ser exatamente nova na História do movimento feminista negro brasileiro. No livro “Por um feminismo afro latino americano”, a filósofa, antropóloga, professora, militante do movimento negro e feminista Lélia Gonzalez conta que “o desenvolvimento e na expansão dos movimentos sociais na segunda metade dos anos 70 – uma reação ao arrocho da ditadura militar e do sequestro dos direitos civis da população – tornaram possíveis a mobilização e a participação de amplos setores da população brasileira, não apenas em termos de reivindicação de direitos mas de uma intervenção mais direta na política, especialmente no movimento negro e no movimento de favelas”.

“Em 1975”, diz Gonzalez, “quando as feministas se reuniram na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) para comemorar o Ano Internacional da Mulher, as mulheres negras estavam presentes para denunciar a superexploração e a opressão da mulher negra”. Quase 50 anos depois, a ABI será a sede novamente deste debate de alto nível. E ali, temos a oportunidade de novamente fincar o bastião da luta feminista, negra, LGBTQIA+ e periférica, com a chance de dar ao país, desta vez com mulheres de destaque em seu comando em Brasília, a chance de fazermos mais e fazermos diferente. Afinal, o país está repleto de Marielles e do seu legado.

(*) Consultor em Educação Midiática e Digital da Lupa e mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Mídias Criativas da UFRJ. É integrante da Comissão da Mulher e LGBTQIAPN+ da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)