26/08/2022
Por José Reinaldo Carvalho, da Comissão de Relações Internacionais da ABI, em 247
Nesta semana, no dia 24 de agosto, a Operação Militar Especial da Rússia na Ucrânia completou 180 dias. Iniciada em 24 de fevereiro, a também chamada de guerra russo-ucraniana permanece no centro das tensões mundiais.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse nesta quinta-feira (25), que teve “uma ótima conversa” com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e agradeceu por seu apoio na guerra contra a Rússia. “Discutimos os próximos passos da Ucrânia em nosso caminho para a vitória sobre o agressor e a importância de responsabilizar a Rússia por crimes de guerra”, afirmou.
Na véspera, o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, disse que apesar dos sacrifícios que os países europeus ocidentais estão sofrendo e do alto preço que têm a pagar por sua interferência no conflito, a aliança atlântica continuará empenhada em fornecer os meios militares para a Ucrânia enfrentar a Rússia.
Nos últimos dias ocorreram dois fatos graves que podem ter sérias implicações no agravamento do conflito: a realização de bombardeios pela Ucrânia no entorno da usina nuclear de Zaporijia e o assassinato da jovem jornalista e cientista política nacionalista Darya Dugina, que lança o perigo de multiplicação de atos teroristas sobre alvos individuais selecionados.
Há impasse político sobre a retomada das negociações. De um lado, a Ucrânia mantém a posição de não retornar à mesa de conversações enquanto a Rússia não se retirar dos territórios conquistados. A Rússia, por sua vez, insiste na posição de que qualquer negociação será nos seus termos, ou seja, do vencedor.
A posição de Zelensky não é realista. A Rússia não abandonará as posições conquistadas. Generaliza-se essa percepção, que inclusive expressa contradições no seio da Otan e entre esta e o próprio Zelensky. É referencial nesse sentido a posição de Henry Kissinger, que aconselhou a entrega do Donbass à Rússia como preço a pagar pela paz.
As vitórias da Federação Russa apontam para a formação de uma barreira de contenção à mais aparatosa máquina de guerra de agressão internacional da atualidade – a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), liderada pela maior superpotência bélica de todos os tempos, o imperialismo estadunidense. Por isso, a destruição ou o enfraquecimento da Rússia tornou-se o centro imediato da estratégia e da tática das potências imperialistas. Foi com essa finalidade que se realizou no final de junho a cúpula da Otan em Madri. A Aliança adotou um novo conceito estratégico e decidiu expandir-se ainda mais com a adesão anunciada da Finlândia e da Suécia, assunto que permanece pendente até que cada um dos membros do pacto militar atlantista emita seu voto favorável.
Depois de seis meses de guerra no leste da Europa, fica evidente que este conflito mudou profundamente a ordem mundial em muitos aspectos, incluindo questões envolvendo a paz mundial, cadeias de suprimentos globais, relações internacionais e também segurança alimentar e energética para muitos países.
A operação militar russa na Ucrânia não é um enfrentamento meramente russo-ucraniano. O que está em disputa é a reconfiguração da “ordem mundial”, do “sistema internacional”, processo que se acelera e vai ganhando contornos mais nítidos. À medida que a ordem mundial se altera, a hegemonia do Ocidente, liderado pelo imperialismo estadunidense, enfraquece. Os EUA obtêm alguns ganhos de curto prazo com a guerra na Ucrânia – superlucros para sua indústria bélica e vantagens imediatas no mercado de energia. Mas estrategicamente perdem, assim como perdem a Ucrânia e seus aliados da Otan e União Europeia.
Está em curso a emergência do mundo multipolar, que não significa um cenário de paz. É resultado de conflitos e pode engendrar outros mais.
Desde que terminou a Guerra Fria, com a extinção da mais importante força contentora do imperialismo estadunidense – a União Soviética – os Estados Unidos buscam impor no mundo a sua hegemonia exclusiva. A expansão da Otan, para além das guerras norte-americanas, foi o principal mecanismo para a imposição desse domínio. Hoje, aparece como força de contenção ao imperialismo estadunidense a China, fortalecida com a parceria com a Rússia reiterada em termos enfáticos na Declaração conjunta de 4 de fevereiro. Por isso mesmo, os EUA abrem frentes de conflito com o país socialista asiático em torno das questões de Taiwan, Indo-Pacífico, Mar do Sul da China, e colateralmente, a Península Coreana.
O desenrolar dos acontecimentos também tem deixado claro que não passa de um mito a tese do isolamento diplomático e político da Rússia, seja no palco da ONU ou no âmbito das relações com os países do Brics, países africanos, latino-americanos, do Oriente Médio e da Ásia Central. São cada vez mais numerosos os países que mostram simpatia para com a Rússia ou neutralidade, sem sucumbir à pressão estadunidense para sancionar a Rússia ou romper relações.