Guerra do Contestado completa 100 anos em 2014


Por Paulo Ramos Derengoski

01/01/2014


“O misticismo ideológico dos ‘monges’ e a formação social turbulenta do planalto Sul do Brasil muito contribuíram para que fosse aceso o estopim da Guerra do Contestado – um conflito de grandes proporções que abalou a região entre os anos de 1912 e 1916. Mas outras causas ajudaram a colocar lenha na fogueira que iria incendiar a mata das araucárias e os campos de serra acima.

Na virada do século incrementou-se a exploração de erva-mate no local, com a consequente instalação de barreiras fiscais encarregadas de cobrar altos impostos dos produtores, aumentando as disputas políticas provincianas, com os chefes de olho nos tributos. A recente abertura dos cartórios, decretada pela República, açulava a ambição pelos títulos de terra. E a questão de limites entre Paraná e Santa Catarina estava longe de ser definida. Não existiam fronteiras…

Grandes empresas do Paraná se julgavam no direito de auferir os impostos da erva-mate e grupos imobiliários urbanos se atiravam sobre a posse e o usucapião que vinha dos tempos do Império. Não por acaso, a bandeira da restauração da monarquia seria erguida — do começo ao fim — pelos rebeldes em armas, que chegaram mesmo a proclamar um tal Império Sul Brasileiro, coroando rei um fazendeiro analfabeto.

Todavia, o grande fator que levantou a população em revolta foi a enorme concessão que o Governo Federal fez à Brazil Railway Company, cuja a matriz era em Portland, no estado norte-americano do Maine. Ela pertencia ao notório agente do serviço secreto inglês Percival Farquhar, o mesmo administrador da Madeira-Mamoré, da Vitória Minas e da Port-of-Pará, além de agir na África e Ásia. O Sindicato Farquhar detinha também o monopólio da distribuição de energia elétrica em várias cidades do Brasil. Era um mega-empresário global.

Foi-lhe então outorgada uma área imensa de 15 quilômetros de terra, campos e pinheirais para cada lado dos trilhos de uma longa e sinuosa ferrovia que iria ligar São Paulo ao Rio Grande do Sul. Nesse latifúndio estrangeiro ele instalou a Southern Brazil Lumber and Colonization Company, a maior serraria do mundo à época, encarregada de devastar a mata araucária e exportar madeira, além de comercializar lotes de terras, de onde havia desalojado milhares de moradores…

A construção da estrada de ferro empregou cerca de 8 mil operários vindos de todo o País e que aos poucos foram sendo demitidos, à medida que a estrada se completava, formando uma massa de descontentes. Milhares de caboclos foram desalojados para sempre de suas roças primitivas, de seus ranchos de pinheiro e até de suas fazendas de gado e porcos. Até mesmo grandes proprietários foram atingidos pela brutal desapropriação para o truste. Muitos deles era imigrantes gaúchos, maragatos fugidos da derrota da revolução federalista de 1893, homens afeitos a luta, armados, com cabeça feita pelos eventos heróicos do pampa longínquo.

Além do excesso de exação, da grilagem, da ignorância, do milenarismo, do misticismo, da loucura e da miséria, a causa principal da guerra do Contestado foi o avanço selvagem de grupos econômicos estrangeiros. Ali – nos carrascais – registrou-se um dos episódios mais sangrentos de nossa história. Uma saga à altura da guerra de Canudos, lá nas margens esturricadas do Vaza-barris, no sertão de Cocorobó.

Foi a patologia econômica que desencadeou a sociopatia que descambou para o fanatismo e o massacre. Seria muito fácil fizer que a guerra do Contestado foi só religiosidade primitiva e rústica. Ou simplesmente “luta pela terra”. Suas causas são muito mais complexa e profundas e atravessam a noite dos tempos, confundindo o sono e o sonho, o real e o imaginário, o consciente e o inconsciente, o céu e o inferno.

Os chamados jagunços, adventistas do millenium, profetas do caos, foram os mesmos que atearam fogo às instalações da Lumber em 5 de setembro de 1914, num incêndio que além de iluminar com chamas momumentais a noite catarinense, se refletiu até mesmo nas notícias publicadas em jornais de vários países. “