Gerson, Afonsinho e filha de Saldanha no Macunaíma


13/04/2021


João sem medo hoje no Cineclube Macunaíma

A seleção de João Saldanha, com Tostão e Pelé, deu show mesclando jogadores do Santos, Botafogo e Cruzeiro. Mas, como ele era o “João sem medo”, como descrevera o amigo Nelson Rodrigues, não atendeu ao pedido do ex-presidente Garrastazu Médici, à época da ditadura brasileira, em 1969, que queria a convocação de Dario José dos Santos, o Dadá Maravilha. Como o jogador não tinha o perfil das “feras do Saldanha”, não estava cotado. O técnico respondeu ao presidente: “O senhor organiza o seu ministério, e eu organizo o meu time”.  Tempos depois foi destituído do cargo, tornando-se comentarista. Assim era João Alves Jobim Saldanha, jornalista, comunista, escritor, ex-treinador da seleção brasileira, e velho conhecido dos amantes da arte e do futebol.

Em sua homenagem, o Cineclube Macunaíma exibe hoje, a partir das 10hs, o documentário João Saldanha – uma vida em jogo (2008), de André Iki Siqueira e Beto Macedo, em homenagem também aos 113 anos da ABI e ao Dia do Jornalista, comemorados no dia 7 de abril. Às 19h30, haverá um debate sobre o filme com o diretor, o cineasta Silvio Tendler, a sanitarista Sonia Saldanha, filha do ex-técnico da seleção brasileira e comentarista esportivo, e com os ex-jogadores Gerson Afonsinho. Ricardo Cota será o mediador. Para assistir o filme e o debate basta clicar no canal da Associação Brasileira de Imprensa do Youtube.

 

João sem medo

João Saldanha – uma vida em jogo, com 1h37m de duração, mostra a vida do único jornalista que chegou ao comando da Seleção Brasileira de Futebol. Estão no documentário, além de Saldanha, Mário Zagallo, Oscar Niemeyer, diversos jogadores, radialistas, familiares e amigos. Das disputas entre maragatos e chimangos no Rio Grande do Sul pré-Vargas, ao frenesi das areias cariocas, João Saldanha era profundo conhecedor da alma de seu país.

Foi militante e dirigente do Partido Comunista Brasileiro nas décadas de 1940 e 1950. Apaixonado por futebol, destacou-se como treinador do Botafogo, contando com jogadores como Garrincha, Didi e Nilton Santos. Chegou ao posto de técnico da seleção brasileira, em 1969, com louvor.

O episódio em que não atendeu ao desejo de Médici, ilustra a personalidade irreverente e incorruptível do jornalista. Mas, dias antes, em sua passagem pelo México para acompanhar o sorteio das chaves, ele já havia dito à imprensa internacional que havia terríveis torturas no Brasil.

Como não era fácil descartar um técnico querido e competente como aquele, a equipe do presidente ainda tentou organizar um jantar com Médici para amenizar o clima. Ao que Saldanha respondeu:
“Não vou. O cara matou amigos meus. Tenho um nome a zelar.”

Treze meses depois, em 17 de março de 1970, Saldanha foi demitido e voltou à sua função de comentarista. O time bem montado foi entregue aos cuidados do treinador Mario Zagallo, que faturou o tricampeonato mundial.

De volta ao jornalismo, Saldanha brilhou com seu estilo coloquial e irônico. A partir de meados da década de 1980 foi um dos maiores críticos da europeização e mercantilização do futebol. Nunca abandonou a política, sendo um vibrante defensor da redemocratização brasileira. Morreu na Itália, participando da cobertura da Copa de 1990 pela TV Manchete.

O diretor do documentário, André Iki Siqueira, também escreveu a biografia de João Saldanha, João Saldanha uma vida em jogo, da Companhia Editora Nacional  – 2007 onde reconstitui os 73 anos de vida do comentarista esportivo. Sua personalidade e carreira, o jornalismo, as aventuras, a paixão pelo Botafogo, as brigas, os debates, as frases antológicas, seu amor pela vida e pelo povo brasileiro são retratados nas páginas do livro.

 

Debatedores

Além do cineasta Silvio Tendler, com mais de 300 documentários em seu currículo, e do diretor do filme estarão no debate o ex- jogador niteroiense Gerson de Oliveira Nunes, 80 anos, que atuou como meio-campista, jogou em diversos clubes brasileiros de futebol, tendo passagem destacada no Flamengo, Botafogo, São Paulo e Fluminense, além da seleção brasileira. É o Canhotinha de Ouro.

O paulista Afonso Celso Garcia Reis, o Afonsinho, 73 anos, é também médico. Ele chegou ao Botafogo em 1966, após ser revelado pelo XV de Jaú, mas se hoje os jogadores hoje são livres para negociar com qualquer clube, isso se deve a ele. O embate com o Botafogo na Justiça, em 1971, o premiou com o passe livre e representou uma revolução na legislação esportiva. A vitória nos tribunais serviu como jurisprudência para que outros atletas seguissem o mesmo caminho. Mas foi só em 1998, quando Pelé era secretário do esporte, que todos os boleiros passaram a ser donos do próprio destino. Ele participou dos filmes Passe Livre e Trem da Alegria – Arte, Futebol e Ofício

A sanitarista Sonia Saldanha deu força ao pai para ir à Copa do Mundo na Itália mesmo doente e fala de seu sofrimento no final de sua vida, fragilizado pela asma e pelo enfisema pulmonar, além da dramática escolha da família em respeitar à última decisão de Saldanha: a de cobrir a Copa do Mundo de 1990na Itália, mesmo sabendo que a viagem e o clima do país europeu abreviariam ainda mais sua vida, o que de fato ocorreu. Ele não conseguiu nem retornar ao Brasil com vida, tendo falecido em Roma, no dia 12 de julho daquele ano, aos 73 anos.