06/02/2006
José Reinaldo Marques
10/02/2006
Em 1939, aos 11 anos de idade, o menino Flávio Silveira Damm ficou impressionado com as imagens da guerra nos jornais e quis saber do pai se eram os próprios soldados que faziam as fotos. Hoje, perto de completar 78, o fotógrafo gaúcho é um dos mais importantes profissionais da história do fotojornalismo brasileiro. Em todo esse tempo, confessa que nunca entendeu nada de futebol, mas foi num Grenal (Grêmio x Internacional) que estreou na reportagem e na primeira página de um jornal:
— Cheguei cedo e estava focalizando uma arquibancada totalmente lotada quando ela sumiu do meu visor. Instintivamente, apertei o obturador e fiz as únicas fotos do desabamento de uma arquibancada inteira. Depois, saí registrando as vítimas. Vendi as fotos para a Folha da Tarde e para a extinta Revista do Globo, de Porto Alegre. Ganhei 600 cruzeiros e virei repórter mesmo, com nome no jornal.
Em busca de uma boa foto, Flávio Damm fez muitas viagens (930 pelo Brasil e 65 ao exterior) e viveu muitas aventuras. Chegou a ir atrás do diabo para uma matéria para a revista O Cruzeiro — marco do fotojornalismo brasileiro — no interior de São Paulo, onde diziam que a população estava sendo aterrorizada por ele. É claro que não encontrou o sinistro personagem, mas registrou o povo amedrontado e ouviu suas histórias. Os registros, aliás, foram feitos como gosta: em preto e branco e focados no que chama de “cotidiano surreal”:
— Para passar emoção a cor é desnecessária, mesmo quando há sangue. A fotografia em preto e branco exige composição, bagagem cultural e experiência, pois não convive com as facilidades que a cor oferece.
Depois de 15 anos em O Cruzeiro, ao lado de José Medeiros e Jean Manzon, Flávio decidiu virar freelancer e, em 62, criou a Agência Jornalística Imagem, a primeira do gênero no Brasil. Em seis décadas de profissão, conseguiu reunir um acervo que já rendeu a publicação de 12 livros, entre os quais “Brasil futebol rei” (1965), “Ilustrações do Rio” (1970) e “Um Cândido pintor Portinari” (1971) — e apenas dois não esgotados:
— Também escrevo para o site www.photos.com.br e a revista Photo Magazine, estou produzindo um livro sobre 24 reportagens que fiz para as revistas O Cruzeiro e do Globo e deixei nas mãos de editores três livros novos: uma retrospectiva, “Mulher dama” — sobre prostitutas da Bahia — e “Vejo Lisboa”.
A grande chance
Uma Baby Brownie, da Kodak, aos 12 anos, foi sua primeira câmera. Quando se preparava para ingressar na Faculdade de Direito, foi levado pelo escritor Barbosa Lessa à Revista do Globo, onde conheceu o fotógrafo alemão Ed Keffel, de quem se tornou auxiliar de laboratório. Quando Keffel deixou a publicação, em 46, Flávio, então com 18 anos, assumiu seu lugar.
Mais tarde, a amizade com João Goulart lhe rendeu o convite para fotografar o ex-Presidente Getúlio Vargas, no momento em que este lançava sua candidatura para as eleições de 1950. As fotos foram publicadas como grande furo na Revista do Globo e vendidas para diversos jornais brasileiros e internacionais e renderam ao autor uma vaga em O Cruzeiro, no Rio de Janeiro:
— Três dias depois já estava acompanhando Assis Chateaubriand, dono da revista, numa viagem a Pernambuco e Paraíba. O salário era de 3 mil cruzeiros mensais, uma nota preta em 49.
Entre as grandes reportagens fotográficas que fez para a revista estão a cobertura da revolução boliviana que levou Paz Estensoro ao poder; a coroação da Rainha Elizabeth II, em 53; e a explosão do foguete “Vanguard”, o primeiro lançado em Cabo Canaveral, em 1957 — “dei sorte de estar no lugar certo, na hora certa”, diz.
Nos últimos 40 anos, ele acha que diversos fatores ajudaram o desenvolvimento do fotojornalismo brasileiro, como os progressos tecnológicos e a valorização do profissional:
— O fotojornalista brasileiro está mais atento à necessidade de agregar uma bagagem cultural ao seu conhecimento para melhor entender os acontecimentos. A melhoria dos recursos na impressão de revistas e livros, o grande avanço na comunicação, a foto digital… Tudo isso contribuiu muito para o desenvolvimento do fotojornalismo no Brasil.
Flávio está com duas exposições programadas na Galeria Soraia Cals (Rua Marquês de São Vicente, nº 20, ao lado do Shopping da Gávea, no Rio) — de 16/2 a 14/3 e de 16/3 a 16/4 — e diz que não sai de casa sem uma câmera:
— Tenho um arquivo com 60 mil negativos. Fotografo o que a minha leitura pede e não falo com meus fotografados antes, durante ou depois das fotos. Eles não me conhecem e eu não desejo conhecê-los. Somos anônimos e sem cara. Não uso flash e sou discreto. Faço minha aproximação como um gato e fujo da cena como um rato.
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