14/05/2008
Alfredo Rosa |
João Máximo, Fernando Calazans e José Rezende |
O nome do seminário desta terça-feira, dia 13, “Futebol é cultura”, diz tudo. Promovido pelo Centro Histórico-Esportivo da Associação Brasileira de Imprensa, sob a coordenação do Conselheiro José Rezende, o evento teve como palestrantes os jornalistas João Máximo e Fernando Calazans. Na platéia, além de colegas da imprensa, estavam estudantes e ex-profissionais do esporte.
José Rezende fez a apresentação:
— Com este seminário, iniciamos de forma especial e gratificante a programação do Centro Histórico-Esportivo deste ano, trazendo como palestrantes dois craques do jornalismo esportivo, que têm por tradição de ofício lutar pela preservação da memória do nosso esporte, principalmente o futebol.
Rezende manifestou também sua felicidade pela presença de personagens deram sua colaboração ao esporte não só nas redações — como o jornalista Manolo Epelbaum, membro do Conselho Fiscal da ABI —, mas também em campo — como o ex-técnico Duque e o ex-jogador Amarildo:
— Este cidadão nos deu muita alegria na Copa do Mundo do Chile, em 1962, quando teve que substituir Pelé. Ele jogou com tanta disposição, deu conta do recado tão bem, que Nelson Rodrigues o chamou de “o possesso” — contou Rezende.
Muito entusiasmado também estava o Diretor de Cultura e Lazer da ABI, Jesus Chediak, idealizador do seminário. Ele contou à platéia os motivos que o levarem a convidar Fernando Calazans e João Máximo para um debate na Casa:
— Quando li no Globo a coluna em que o Calazans falava do futebol como um fenômeno do universo cultural brasileiro, não tive dúvidas: conversei com meus colaboradores José Rezende e Roberto Sander e disse que era preciso inserir o futebol na nossa programação.
Descaso
Alfredo Rosa |
Amarildo (de camisa azul): na primeira fila |
No início de sua fala, Fernando Calazans disse que teve a idéia de abordar em sua coluna os temas futebol e cultura, depois de assistir na TV a uma entrevista com jogadores da seleção brasileira, que estava em Londres para um amistoso com a seleção sueca:
— A matéria falava das comemorações do 50º aniversário da Copa disputada na Suécia e conquistada pelo Brasil. O repórter entrevistou cinco jogadores brasileiros. Perguntou a eles se se lembravam da Copa de 58, se conheciam os atletas que jogaram aquele Mundial. Para meu espanto, não souberam dizer um nome da nossa seleção. Isso causou indignação em mim e nos colegas do programa “Linha de passe”, da ESPN Brasil, que também viram a reportagem.
Segundo Calazans, no dia seguinte o jornalista Sidney Garambone escreveu em seu blog um artigo, comentando que achava que futebol era cultura:
— Para mim, foi uma postura muito singela da parte dele. Achei que isso merecia registro de um colunista de futebol, e disse a mim mesmo que esse pensamento deveria ser o que todos nós, jornalistas esportivos, deveríamos ter. Assim, escrevi a coluna “Futebol e cultura”, lamentando que jogadores brasileiros não soubessem quem foram os colegas de profissão que jogaram a Copa de 58. Minha iniciativa surtiu efeito, pois o assunto entrou em pauta em outras colunas de jornais. Sei que a maioria dos atletas de futebol não tem o nível cultural que muita gente tem, mas acho inadmissível o descaso com a própria profissão.
José Reinaldo Marques |
João Máximo |
Sem memória
João Máximo aponta dois fatores que poderiam explicar o descaso com que atletas — que representam o povo e levam para o esporte todas as qualidades e defeitos de todo indivíduo —, dirigentes de clubes e até mesmo intelectuais tratam o futebol:
— Um dos defeitos do nosso povo, pela má-formação cultural, é exatamente a péssima memória, pois vivemos em um país em que grandes fatos acontecem, mas são esquecidos rapidamente. Do lado da cultura, o que eu vejo é que o homem inteligente e culto levou muito tempo achando que o futebol era uma coisa menor.
Lendo recentemente duas antologias em que o assunto era futebol — de Paulo Mendes Campos e de Carlos Drummond de Andrade —, João Máximo observou que nelas não havia um artigo ou poema anterior a 1958. Antes disso, entre os poucos escritores que se ocuparam em escrever sobre futebol no Brasil, ele cita José Lins do Rego:
— Ele era um belo escritor, mas era também um cartola, dirigente esportivo. Teria feito um grande bem à Seleção Brasileira se levasse para a delegação que chefiou no Sul-Americano de 53 a inteligência e o equilíbrio que tinha como romancista. Não levou nenhuma das duas coisas. Além disso, o Brasil perdeu feio o torneio e ele amaldiçoou o Zizinho, o maior jogador brasileiro da época, mas que ficou proibido de jogar na seleção brasileira por causa dele.
Nelson Rodrigues, considerado um dos grandes cronistas esportivos do País, também foi lembrado por João Máximo:
— O Nelson, que a gente cita com muita freqüência, só começou a escrever sobre futebol para ganhar um dinheirinho a mais na Última Hora, em 1951. Ele escrevia os contos da série “A vida como ela é” e fazia crônicas esportivas, porque afinal de contas era irmão do Mário Filho, que, na minha modesta opinião, foi o maior jornalista esportivo brasileiro e o inventor do jornalismo esportivo moderno.
Gilberto Freyre
De acordo com o jornalista, fora os citados, nenhum outro escritor se ocupou do futebol antes dos anos 60 e nenhuma editora lançou livros sobre o assunto, sob a alegação de que era um produto fadado a encalhar:
— Resultado: de um lado temos o povo, que, por tradição, não quer saber do passado, simplesmente porque este não lhe é ensinado. Na outra ponta, no caso dos intelectuais, foi preciso o Brasil ganhar uma Copa do Mundo para que os escritores passassem a escrever sobre o futebol brasileiro.
BR>Dizendo ter cometido uma injustiça por quase ter se esquecido de citar Gilberto Freyre, João Máximo fez questão de destacar a contribuição do sociólogo à memória do futebol nacional. Lembrou que na véspera do jogo Brasil X Itália, na Copa de 38, Freyre escreveu um artigo em um jornal de Recife, enaltecendo a qualidade que o futebol brasileiro estava mostrando na Europa e a habilidade dos jogadores negros e mulatos, que tinham “um jogo sinuoso”, que misturava um pouco da capoeira e do samba:
— Ele foi o primeiro a perceber isso, e não é pro acaso que tenha sido o prefaciador do livro “O negro no futebol brasileiro”, em que o Mário Filho desenvolve sua tese sobre a contribuição do negro ao futebol nacional.
Para justificar seu ponto de vista sobre a importância do futebol para a história e a memória cultural da Nação, João Máximo ressaltou um pensamento que surgiu na década de 40, quando se pensou em construir o Maracanã, visando à Copa de 50:
— Na época, diziam que o Brasil só seria um grande país se ganhasse aquela Copa. Talvez os jovens que estão aqui presentes duvidem disso, mas era o que eu, então com 15 anos de idade, ouvia na escola. Era o que o Mário Filho escrevia no Jornal dos Sports, juntamente com o João Lyra Filho e o Vargas Neto. Construir o Maracanã é provar que o homem brasileiro é importante e realizador; se não o fizer, é um derrotado. Todos os dias isso estava escrito no Jornal dos Sports.
José Reinaldo Marques |
Fernando Calazans |
Fernando Calazans endossou a tese, lamentou que o povo brasileiro não tenha a tradição de valorizar seu passado e defendeu que a história do futebol deveria fazer parte da bibliografia adotada pelas escolas:
— Quanto à ausência do futebol nas obras dos grandes escritores, o fenômeno não ocorre apenas no Brasil, é internacional.
Ao finalizar sua participação no encontro, Calazans disse que, apesar de continuar defendendo que futebol e cultura se completam, não vê com otimismo, ao contrário de João Máximo, que uma mudança de comportamento possa ocorrer a médio prazo no País:
— Sou mais pessimista do que ele sobre a nossa dedicação ao aprendizado dos valores culturais do passado. Essa ausência de interesse no resgate da memória que o João destacou, seja na música ou no futebol, é culpa da formação do nosso povo. E isso, ao invés de melhorar, se acentua. A cada geração, diminui o interesse pela cultura do futebol. Foi por isso que eu fiz questão de escrever aquele artigo que citamos no início.