15/06/2022
Bernardo Mello Franco em O Globo
Em setembro de 2019, Bruno Pereira articulou uma grande operação para reprimir o garimpo ilegal no Vale do Javari. A força-tarefa destruiu cerca de 60 balsas que operavam em território indígena. Dias depois, o indigenista foi punido pelo serviço exemplar: perdeu o cargo de coordenador de Índios Isolados da Funai.
O desaparecimento de Bruno e do jornalista Dom Phillips jogou luz sobre o desmonte da autarquia. Desde a posse de Jair Bolsonaro, a Funai foi capturada pela causa anti-indigenista. Passou a atuar contra os povos que deveria proteger.
Um dossiê divulgado nesta semana descreve o desmanche em detalhes. O documento pinta um quadro de asfixia orçamentária, leniência com o crime e perseguição a servidores de carreira.
No dia em que vestiu a faixa, Bolsonaro transferiu a Funai para o Ministério dos Direitos Humanos, entregue à pastora Damares Alves. A mudança foi revertida pelo Congresso, embora o então ministro da Justiça, Sergio Moro, tenha manifestado desinteresse em reaver o órgão.
Depois de seis meses sob as ordens de um general, a Funai passou ao comando do delegado Marcelo Xavier. Ex-assessor da bancada ruralista, ele radicalizou o aparelhamento da autarquia. Das 39 coordenações regionais, hoje só duas têm um servidor como chefe titular. Outras 17 estão nas mãos de militares, e quatro são chefiadas por policiais.
A militarização multiplicou os episódios de truculência e abuso de autoridade. No ano passado, o coordenador do Vale do Javari, um tenente reformado do Exército, foi gravado incentivando líderes locais a “meter fogo” em índios isolados.
Na ânsia de bajular o chefe, o presidente da Funai chegou a remover o vermelho do logotipo do Museu do Índio. A cor se referia a um grafismo do povo Kadiwéu, e não ao comunismo que assombra o capitão.
O dossiê também dá números ao esvaziamento do órgão. Em 2020, a Funai tinha mais cargos vagos (2.300) do que profissionais em atividade (2.071). Isso é resultado da falta de concursos e do afastamento voluntário de servidores como Bruno Pereira, que preferiu atuar no terceiro setor.
O desmonte não é fruto do acaso. Na campanha de 2018, Bolsonaro avisou que não demarcaria “mais um milímetro” de terra indígena. “Vou dar uma foiçada na Funai, mas uma foiçada no pescoço. Não tem outro caminho”