Vladimir Herzog não se suicidou na cela em que estava preso no DOI-Codi de São Paulo, em 25 de outubro de 1975. Mas como assim, se vimos a foto dele publicada no Jornal do Brasil pendurado com uma corda amarrada no pescoço?
O Exército apresentou a sua versão sobre o “suicídio” de Vlado amparada em uma prova documental da tragédia: a fotografia do jornalista morto em sua cela registrada pelo então aluno do curso de fotografia da Polícia Civil de São Paulo, Silvaldo Leung Vieira.
Silvaldo também testemunhou outra “morte por suicídio”: a do metalúrgico Manuel Fiel Filho, que também foi torturado até à morte nos porões da ditadura militar, mas que foi apresentado como suicida.
A farsa montada pelos agentes da ditadura militar não se sustentou por muito tempo, graças a intervenção do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, que, com o apoio da ABI, mobilizou a categoria de jornalistas e exigiu do Exército uma explicação mais plausível para o caso.
Localizado recentemente pela reportagem da Folha de S.Paulo, em Los Angeles, onde vive desde 1979, Silvaldo contou ao jornal como foi a sua atuação na polícia técnica de São Paulo, como fotógrafo do Instituto de Criminalística.
A história do envolvimento de Silvaldo com o suposto sucídio de Vlamir Herzog foi contada na edição da Folha do domingo, 5 de fevereiro, na página 6, do caderno “Ilustríssima”. De acordo com o depoimento de Silvaldo, quando ele chegou ao DOI-Codi para fotografar Vlado morto, já encontrou todo o cenário do suicídio preparado.
Com base no depoimento do fotógrafo o jornal reconstituiu a cena: “Numa cela o corpo pendia de uma tira de pana atada a uma grade na janela. As pernas arqueadas e os pés no chão. Completavam o cenário papel picado (um depoimento que fora forçado a assinar) e uma carteira escolar”, diz um trecho da matéria.
Para fazer o registro, Silvaldo usou uma câmera Yashica 6×6 TLR, tipo caixão. Disse que o clima no ambiente do DOI-Codi o deixou tenso, e que antes de chegar à sala onde estavo o corpo passou por vários corredores:
—Havia uma vibração muito forte, nunca senti nada igual. Mas não me deixaram circular livremente pela sala, como todo fotógrafo faz quando vai documentar uma morte, disse Silvaldo.
Ele conta que não lhe deram liberdade, que fez o registro da foto da porta da sala. Inclusive não lhe deixaram ficar com a câmera, nem com o negativo. Só depois, segundo ele, é que foi entender o que tinha acontecido.
Vladmir Herzog foi preso na sexta-feira, 24 de outubro de 1975. Apareceu morto no sábado, 25; o seu velório ocorreu no sábado, 26. Silvaldo disse que somente a partir desse momento é que começou a decifrar a trama, principalmente quando viu a foto publicada no Jornal do Brasil.
Desse momento em diante o fotógrafo disse que percebeu que infelizmente tinha sido manipulado para favorecer o regime ditatorial. Disse que se ainda hoje esse é um peso que carrega na consciência:
—Ainda hoje carrego um triste sentimento de ter sido usado para montar essas mentiras, declarou Silvaldo à Folha de S.Paulo.