O cardeal dom Eugenio de Araújo Sales, 91 anos, arcebispo emérito do Rio de Janeiro, morreu na noite desta segunda-feira, às 22h30, de infarto, na Residência Assunção, onde morava, no Sumaré.
O governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes decretaram três dias de luto oficial no Estado e na cidade do Rio de Janeiro.
O corpo de dom Eugenio Sales foi embalsamado na manhã desta terça-feira, 10, no Cemitério de Inhaúma, e seguiu em cortejo no carro do Corpo de Bombeiros para ser velado na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro. Centenas de fiéis compareceram ao local para homenagear o religioso.
Dom Eugenio será o segundo cardeal a ser enterrado no chão da cripta da Catedral do Rio. O primeiro foi dom Jaime Câmara, morto em 1971. O enterro será realizado nesta quarta-feira, dia 11, às 15h, após a chegada de dom Heitor de Araújo Sales, arcebispo emérito de Natal(RN), irmão de dom Eugenio Sales, que está na Suíça, e do bispo auxiliar do Rio de Janeiro, Karl Homer, que está em Roma, na Itália.
O site do Vaticano publicou nesta terça-feira, 10, o telegrama enviado pelo Papa Bento XVI ao arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta, lamentando o acontecido:
“Recebida a triste notícia do falecimento do venerado cardeal Eugenio de Araújo Sales, depois de uma longa vida de dedicação à Igreja no Brasil, venho exprimir meus pêsames a si e aos bispos auxiliares, ao clero e comunidades religiosas, e aos fiéis da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, que por três décadas teve nele um intrépido pastor, revelando-se autêntica testemunha do evangelho no meio do seu povo. Dou Graças ao Senhor por ter dado à Igreja tão generoso pastor que, nos seus 70 anos de sacerdócio e 58 de episcopado, procurou apontar a todos a senda da verdade na caridade e do serviço à comunidade, em permanente atenção pelos mais desfavorecidos, na fidelidade ao seu lema episcopal: “impendam at supermpendar”(gastarei e gastar-me-ei por inteiro por vós). Enquanto elevo fervorosas preces para que Deus acolha na sua felicidade eterna este seu servo bom e fiel, envio a essa comunidade arquidiocesana, que lamenta perda dessa admirada figura, à Igreja no Brasil, que nele sempre teve um seguro ponto de referência e de fidelidade à Sé Apostólica, e a quantos tomam parte nos sufrágios animados pela esperança da ressureição, uma confortadora benção apostólica.”
O arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani Tempesta, comunicou a morte de dom Eugenio por volta da 0h40m, desta terça, 11, pelo Twitter:
“Nosso querido cardeal dom Eugenio faleceu. Pedimos orações pelo seu descanso eterno!” O religioso também lamentou a morte por meio de nota: “É uma tristeza anunciar essa notícia nesse momento. Mas ele era um homem de Deus e serviu a Jesus Cristo. Sempre esteve presente nos momentos importantes do Brasil principalmente na questão dos refugiados e na defesa dos perseguidos e teve presença marcante na igreja do Brasil e do Vaticano. Trabalhou em educação de base e na evangelização nas arquidioceses do Rio, Natal e Bahia. Viveu quase 92 anos principalmente pelo sua presença significativa na igraja e no Brasil. Ele foi alguém que sem dúvida soube viver dando continuidade aos ensinamentos.”
Ditadura
Nascido em 8 de novembro de 1920, em Acari (RN), o cardeal teve o nome entre os candidatos a Papa depois da morte de João Paulo I. A vocação para o sacerdócio surgiu no início dos anos 1930, após ser matriculado em colégio marista de Natal. Antes de optar pela Igreja, pensou em ser engenheiro agrônomo. Foi ordenado em 21 de novembro de 1943.
Em 67 anos de vida dedicada à Igreja, o cardeal foi rotulado tanto como líder conservador quanto “bispo vermelho”, por ter ajudado a criar os primeiros sindicatos rurais no Rio Grande do Norte. Durante a ditadura, dom Eugenio abrigou no Rio mais de quatro mil perseguidos pelos regimes militares do Cone Sul, entre 1976 e 1982, especialmente argentinos. A história da participação do arcebispo foi revelada 30 anos depois, pelos meios de comunicação.
A situação teve início em 1976, quando um jovem bateu na porta do Palácio São Joaquim, escritório e residência de dom Eugenio, na Glória. Sem documentos, explicou que era refugiado do regime militar instaurado seis semanas antes na Argentina.
—Com o crucifixo na mão, eu pensava: “Como cidadão brasileiro, não posso receber montonero, tupamaro, aqueles refugiados que vinham (…) Em seguida, repensava: “Agora eu, como pastor, tenho o dever de receber — relembrou dom Eugenio.
O arcebispo telefonou para o general Sylvio Frota, então ministro do Exército e anunciou a sua decisão de ajudar aquelas pessoas:
—Chamei o Frota no telefone vermelho e disse: “Frota, se você receber comunicação de que comunistas estão abrigados no Palácio São Joaquim, de que estou protegendo comunistas, saiba que é verdade, eu sou o responsável. Ponto final.”
Para dar conta dos inúmeros pedidos de abrigo, dom Eugenio autorizou o aluguel de quartos e apartamentos. Foram 80 imóveis alugados em 14 bairros da cidade, como Centro, Lapa, Flamengo, Copacabana e Botafogo. Mandou abrir os cofres da Mitra e liberou dinheiro para gastos pessoais, assistência médica e auxílio jurídico. Em pouco tempo, o número de foragidos das ditaduras do Cone Sul chegando ao Rio chegou a 15 por semana.
—Se eu anunciasse o que estava fazendo, não tinha chance. Muitos não concordavam, mas eu preferia dialogar e salvar — disse dom Eugênio ao jornal O Globo. Eu não tinha nem nunca tive interesse em divulgar nada disso. Queria que as coisas funcionassem, e o caminho naquele momento era esse, o caminho de não pisar no pé (do governo).
Dom Eugenio costumava visitar os presos da ditadura no Brasil no Natal e na Páscoa. Em certa ocasião, o religioso enfrentou o general Abdon Sena, que lhe pediu uma missa pelo aniversário do AI-5.
—Vocês que estão satisfeitos com o AI-5 podem agradecer a Deus, mas não por meu intermédio — respondeu.
A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) lamentou a morte de dom Eugenio e destacou a sua luta contra a opressão:
—Ele defendeu os direitos humanos. A cada época, ele viveu o seu tempo, buscou soluções para a ditadura e para as questões sociais. Foi um dos brasileiros com mais influência no governo central da igreja.
Dom Eugênio Sales foi agraciado com o prêmio “Personalidade Cidadania 2009”, promovido pela Folha Dirigida, Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e Unesco. A premiação aplaude personalidades e instituições que contribuem para o desenvolvimento humano e a cidadania.
Leia a íntegra da nota publicada pela Arquidiocese do Rio:
“O Arcebispo do Rio de Janeiro, dom Orani João Tempesta, cumpre o dever de informar do falecimento de seu antecessor: o Emmo. e Revmo. Sr. Cardeal dom Eugenio de Araujo Sales, Arcebispo Emérito desta Arquidiocese. O mais antigo cardeal da Santa Igreja morreu serenamente no final do dia de ontem, 9 de julho, celebração de Santa Paulina do Coração Agonizante, na Residência Episcopal de Nossa Senhora da Assunção (Sumaré). Deixa-nos com os belos números de 91 anos de vida, 69 de sacerdócio, 58 de episcopado e 43 de cardinalato.
Filho do Desembargador Celso Dantas Sales e de Josefa de Araujo Sales, nasceu em Acarí, Rio Grande do Norte, em 8 de outubro de1920, estado onde viveu e cursou os hoje chamados ensinos fundamental e médio.
Sentindo-se chamado ao sacerdócio, em 1936 pede ingresso no Seminário Menor de São Pedro, sendo, no ano seguinte enviado para o Seminário Maior da Prainha em Fortaleza, Ceará, onde estudará filosofia e teologia, aí passando 7 anos.
Dom Eugenio sempre falou com carinho do Seminário da Prainha; além disso, nunca esqueceu de ter sido “seminarista hóspede”, já que pertencia à Diocese de Natal, como Arcebispo do Rio de Janeiro favoreceu a formação de um grande número de sacerdotes de todo o Brasil.
Ordenado sacerdote em 21 de novembro de 1943, desenvolveu várias atividades pastorais, destacando-se pelo pioneirismo na ação social, valorizando a participação dos leigos que viam nele uma liderança natural. O jovem que queria ser engenheiro agrônomo, nunca se esqueceu o campo e seus problemas, fundou em 1949 o Serviço de Assistência Rural, formando equipes que trabalhavam tanto na área social quanto formação religiosa, buscando a melhoria de integral do homem do campo, cujo progresso incluirá uma melhor compreensão de sua dignidade e dos direitos que daí derivarão. Desse trabalho pastoral surgirão as comunidades eclesiais de base, fruto também das Escolas Radiofônicas.
Em 1954, Pio XII o nomeia bispo-auxiliar de Natal, sendo ordenado aos 15 de agosto deste ano, solenidade da Assunção de Nossa Senhora, por Dom José de Medeiros Delgado. Feito bispo, sua atividade se multiplica naquilo se costuma denominar Movimento de Natal,um formidável conjunto de iniciativas, em grande parte bem sucedidas, de promoção humana em todas as suas dimensões.
Em 1964 é nomeado Administrador Apostólico da Arquidiocese de Salvador, deixando seu querido Rio Grande do Norte – a vida inteira se reconhecerá nordestino –, 4 anos depois (1968) se tornará Arcebispo-Primaz do Brasil, posição que deixará, caso raro, para assumir esta Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, em 1971, já como Cardeal do Título Presbiteral de São Gregório VII, para o qual fora nomeado por Paulo VI em 1969.
A dom Eugenio custava deixar Salvador, como foi difícil deixar Natal, mas, como dizia, estava sempre pronto para obedecer, e “obedecer com alegria” a voz do Sucessor de Pedro. Aliás, este foi um dos aspectos mais belos de sua personalidade: a fidelidade irrestrita ao Papa. O Cardeal tinha autêntica devoção ao Sumo Pontífice e foi universalmente reconhecido por isso. Amigo pessoal de Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI, sempre ouvimos de sua boca a convicção: seguir o Papa em suas mínimas orientações, pois é o melhor para a Igreja, para a diocese, para cada católico. Nesta defesa nunca temeu ser impopular.
Seu destemor mostrou-se também por ocasião da defesa dos perseguidos políticos. O Cardeal Sales, silenciosamente, como ele mesmo gostava de dizer, protegeu os presos políticos, ajudou-os materialmente e foi a sua voz junto às autoridades de então, e sempre foi ouvido pelo respeito de suas posições claras, não se comprometendo nem com os detentores do poder e nem com a luta armada.
Muitos conhecemos histórias, vimos fotos da proteção e asilo dadas a perseguidos não só a nacionais, mas também dos países vizinhos. Socorreu, protegeu pessoas cujas posições ideológicas estavam, por vezes, em nítido contraste com a fé católica; mas, para dom Eugenio, sua ação não poderia ser diferente, impulsionado pelo cumprimento simples e objetivo da moral católica que diferencia o pecado do pecador.
Muitas ações de dom Eugenio foram consideradas fundamentais na vida da cidade do Rio de Janeiro, como foi o caso da Favela do Vidigal, cujos moradores não foram removidos graças à sua intervenção através da Pastoral das Favelas; a Pastoral do Menor, ambulatórios e abrigos para carentes, aidéticos… segundo a necessidade se apresentava. Enfim, uma ampla e silenciosa rede de assistência aos mais pobres que foi idealizada, levada a efeito e protegida por dom Eugenio em seu longo governo de 30 anos em nossa Arquidiocese.
Sem hostilizar os ricos, na ação social priorizava os mais pobres, tanto na assistência imediata, quanto na promoção social; não esquecendo de, serenamente, refletir sobre as causas da pobreza, denunciando-as, despidas de ideologias, em programas de rádio e televisão, em artigos em vários jornais que manteve enquanto a saúde lhe permitiu.
A vida do Sacerdote, Bispo e Cardeal dom Eugenio de Araujo Sales bem pode ser sintetizada pelo lema episcopal que escolheu: Impendam et superimpendar. O texto é tirado de 2Cor 12,15: « Quanto a mim, de bom grado despenderei, e me despenderei todo inteiro, em vosso favor. Será que, dedicando-vos mais amor, serei, por isto, menos amado?» Talvez não tenha sido por todos compreendido, sobretudo por quem dele tem um olhar superficial, mas não será esquecido nesta Arquidiocese e por tantos que sempre o chamarão de pai.”
Rio de Janeiro, 9 de julho de 2012
Dom Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro”
*Com informações O Globo, G1.