O Governo brasileiro emitiu nesta sexta-feira, 15 de março, em São Paulo, um novo atestado de óbito que registra a morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, nas dependências DOI-Codi, na capital paulista. Ao contrário do documento original, que apontava “asfixia mecânica por enforcamento” (suicídio), as causas da morte passam a ser “lesões e maus tratos sofridos durante o interrogatório em dependência do segundo Exército (DOI-Codi)”. A entrega do documento à família ocorreu durante um evento realizado no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo – USP em memória dos
40 anos de morte do estudante Alexandre Vannuchi, militante da Aliança Libertadora Nacional – ALN preso pela Operação Bandeirantes e assassinado após sessões de tortura em 1973.
A determinação para um novo atestado de óbito foi do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJ-SP, em setembro do ano passado. O juiz Márcio Martins Bonilha Filho, da 2ª Vara de Registros Públicos do TJ-SP, atendeu a um expediente de iniciativa da Comissão Nacional da Verdade, criada para esclarecer as violações de direitos humanos no período da ditadura militar.
“Até pouco tempo, tivemos um atestado de óbito falso. Contado pela voz e pela caneta dos que tinham o poder. Sendo derrotados pelas forças da democracia, ainda hoje mantêm as mentiras”, disse a ministra da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Maria do Rosário, durante o ato de entrega do documento.
Ela afirmou que esses momentos são marcados, de um lado, pela emoção e por outro, pelo sentido de profunda responsabilidade por aqueles que lutaram pela liberdade. “Chegamos aqui com a vergonha de que nem todas as respostas tenham sido dadas até hoje”, disse ela.
Para o filho de Herzog, o reconhecimento por parte do Estado pela morte de seu pai é uma grande conquista para a família por dois motivos: “pelo que isso significa para a família, de enterrar um documento mentiroso, que humilhava a família, tendo que aceitar uma farsa pela morte de meu pai. E o segundo motivo é o precedente para outras famílias”, disse ele.
Ivo Herzog afirmou que o Estado brasileiro tem obrigação de dizer como e em que circunstâncias essas pessoas morreram. “Com algumas (famílias), é até pior. Até hoje, não receberam o atestado de óbito de seus parentes”, disse.
Para Clarice Herzog, viúva da vítima, o novo atestado é motivo de felicidade. “Fiquei muito feliz. Não é uma conquista só da família, mas da sociedade. Várias famílias agora vão ter esse direito, também como nós tivemos. A grande conquista foi de anos atrás quando houve a sentença do juiz”, declarou.
Alexandre Vanucchi anistiado
Além da entrega do documento, também foi realizado um ato pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça para reconhecer a condição de anistiado político ao estudante Alexandre Vanucchi Leme. Ele foi morto no dia 17 de março de 1973, aos 22 anos. Estudante de Geologia da Universidade de São Paulo, Leme também foi morto, a exemplo de Herzog, nas dependências do DOI-Codi.
Paulo Sérgio Pinheiro, presidente da Comissão Nacional da Verdade, afirmou que não foi em vão o sacrifício de Vlado, como era conhecido, e de Alexandre Vanucchi, além das famílias de todos que sofreram no período da ditadura. “Não será em vão que a presidente Dilma instalou a Comissão da Verdade. Todos nós podemos sair certos daqui que essa caminhada longa e sofrida da sociedade em direção ao direito da memória, à verdade e à justiça não será em vão.”
Desde 2001, foram feitos mais de 70 mil pedidos de anistia ao governo. Desse montante, um terço foi deferido com pagamento de indenização, outro um terço foi deferido sem indenização e o restante indeferido por falta de provas, informou o secretário da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão.
Outros eventos em São Paulo também lembraram o assassinato do estudante. No dia anterior, quinta-feira, 14 de março, foi realizado o show “Conversando com a Paz”, no Centro Cultural São Paulo, com o músico Sérgio Ricardo, de 81 anos. O artista, acompanhado de seus dois filhos, Marina e João, apresentou músicas como “Conversação de Paz”, “Enquanto a Tristeza Não Vem”, “Contra a Maré”, “Esse Mundo é Meu”, além de músicas que compôs para a trilha do filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, de Glauber Rocha.
Na sexta-feira, no fim da tarde, também foi realizada uma missa na Catedral da Sé que relembrou missa celebrada por ocasião da morte de Vannuchi, feita no mesmo local em 30 de março de 1973, quando três mil pessoas enfrentaram o bloqueio feito pelos órgãos de segurança em vários pontos da cidade e foram à igreja, ação considerada um dos primeiros atos públicos contra a ditadura no Governo Médici. A cerimônia foi celebrada pelo bispo emérito da capital D.Angélico Sândalo Bernardino, que ocupava o cargo de bispo auxiliar do arcebispo D. Paulo Evaristo Arns, que realizou a cerimônia de 1973.
*Com informação dos portais Terra, G1 e Rede Brasil Atual.