02/07/2022
Rubens Valente, José Medeiros, em Agência Pública
Momentos depois que a Agência Pública dirigiu perguntas incômodas ao general Marcius (ele não forneceu o nome completo), durante um encontro entre parlamentares do Congresso Nacional com indígenas em Atalaia do Norte (AM), um militar fotografou a tela do computador pessoal do jornalista da Agência Pública. Antes, o jornalista havia indagado ao general quais seus esclarecimentos a respeito de críticas e denúncias feitas ao microfone por lideranças indígenas do Vale do Javari.
As fotografias foram tomadas pelas costas do jornalista, quando ele acompanhava e transcrevia os discursos dos parlamentares na sede da Univaja, a principal entidade indígena do Vale do Javari. Os senadores e deputados representavam duas comissões externas, da Câmara e do Senado, criadas para apurar o assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips e a ausência do Estado na região do Javari.
Ao saber que estava sendo fotografado, o jornalista se aproximou do autor das imagens, um soldado que tinha parte da sua identificação coberta pela correia de apoio da máquina fotográfica. Foi possível visualizar apenas “Amon-H[…]”.
Soldado que fotografou pelas costas o jornalista da Agência Pública tinha identificação de Amon-H
Seguiu-se o diálogo no corredor da Univaja, que foi gravado em vídeo pela Agência Pública:
Jornalista – O sr. está fotografando minha tela, por quê?
Militar – Senhor?
Jornalista – Por que o sr. está fotografando minha tela? Quem mandou? O sr. recebeu autorização de alguém?
Militar – [Murmúrio]
Jornalista – Qual foi a ordem? Qual o seu nome?
Militar – [Vai em direção à saída da Univaja]
Jornalista – Pois não? Por que o sr. está fotografando o meu computador?
Militar – Senhor, não posso dar informação nenhuma.
Jornalista – Não pode dar entrevista. E quem pode? Quem pode dar entrevista? Quem é seu superior?
Militar – [Sai pela porta da frente da Univaja]
Depois do encerramento do evento na Univaja, a Agência Pública viu o mesmo militar entrando na van mobilizada para trazer os assessores dos parlamentares ao evento na Univaja. O veículo levou as autoridades e assessores para um helicóptero que os aguardava nos fundos da prefeitura de Atalaia. Dali, a aeronave partiu em retorno para Tabatinga.
O helicóptero e a van são parte da estrutura disponibilizada pelo governo para transportar os parlamentares, assessores e jornalistas de Brasília para o encontro na sede da Univaja, em Atalaia, e outro evento na cidade de Tabatinga sobre o mesmo tema das comissões.
A Agência Pública apurou que instantes antes de começar a fotografar, o soldado havia conversado com um oficial identificado no uniforme como “Afonso”, também presente ao evento da Univaja e que atuava como uma espécie de assessor do general Marcius. De acordo com fotos e registros na internet, trata-se do tenente-coronel Afonso Gomes de Sousa Filho, do Comando de Fronteira SOLIMÕES/8º Batalhão de Infantaria de Selva (Cmdo Fron SOLIMÕES/8º BIS).
O jornalista abordou “Afonso” e indagou se ele pediu para que o computador fosse fotografado. Ele negou. “Não, não pedi não. Não tenho nada a declarar. Não tenho nada a declarar. Não pedi nada.”
A Agência Pública presenciou “Afonso” indagando a outras pessoas sobre quem seria o jornalista da agência.
“Afonso” era o mesmo oficial que estava ao lado do general Marcius quando o comandante se recusou a dar declarações à Agência Pública, momentos antes do início das fotografias no computador. O general havia dito que não iria dar declarações.
Segundo fotografias e registros disponíveis na internet, trata-se do general de Exército Marcius Cardoso Netto, comandante da 16ª Brigada de Infantaria de Selva, vinculada ao Comando Militar da Amazônia.
A Agência Pública fez perguntas sobre o ocorrido à assessoria de comunicação do Comando do Exército, em Brasília, e assim que surgirem respostas este texto será atualizado.
A ABI divulgou Nota Oficial, cobrando explicações do Comando do Exército sobre o episódio:
ABI espera explicações do Comando do Exército para tentativa de intimidação de jornalista em Atalaia de Norte
A Associação Brasileira de Imprensa espera que o comando do Exército não se omita diante de um episódio de evidente intimidação dirigida ao jornalismo, ocorrido em evento que reuniu senadores e deputados com indígenas da Amazônia, na quinta-feira,
dia 30, em Atalaia do Norte.
Um militar fotografou a tela do computador do repórter da Agência Pública, na tentativa não só de identificar o jornalista, que não atua secretamente, mas de constranger seu trabalho.
Enviado pela Agência Pública ao evento promovido pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava), o jornalista Rubens Valente havia, pouco antes, feito perguntas a um general a respeito das críticas de indígenas à atuação das Forças Armadas no Vale
do Javari, onde Bruno Pereira e Dom Phillips foram assassinados.
O possível desconforto diante dos questionamentos do repórter teve como resposta a aproximação de um militar, com uma máquina fotográfica, que momentos antes havia interagido com um superior.
O Exército, que até a tarde dessa sexta feira, 1º de julho, não havia oferecido respostas às perguntas enviadas pela Agência Pública à assessoria de comunicação do comando em Brasília, precisa esclarecer o que o militar pretendia ao registrar imagens do
computador de um jornalista.
Espera-se que esse tipo de bisbilhotagem não faça parte das tarefas de integrantes das Forças Armadas em evento organizado para que autoridades esclareçam suas intervenções em áreas indígenas.
Até o momento, as evidências da tentativa de intimidar o repórter juntam-se a outras atitudes recentes envolvendo militares, sempre com indícios de que as ameaças à imprensa são dirigidas à democracia.
Episódios como esse não devem mais ser protegidos pelo silêncio dos militares.
Rio de Janeiro, 1º de julho de 2022
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA