30/07/2015
“O trabalho de Evandro Teixeira materializa a modernidade, a urbanização do Brasil. Não há nada mais brasileiro que sua fotografia.” As palavras são do também fotógrafo Sebastião Salgado, que sempre se entusiasma ao falar do colega, único outro brasileiro a figurar com ele na Enciclopédia Suíça de Fotografia. Em quase 50 anos de atividade profissional, e com preferência pelo fotojornalismo, Evandro já expôs em vários países e documentou de tudo, de Copas do Mundo e desfiles de moda a golpes militares — no Brasil, em 64, e no Chile, 73. Nascido em Jequié, no interior da Bahia, quando criança ele sonhava ser escultor, mas também gostava de brincar de cinema e, inspirado num primo que foi convocado para a Segunda Guerra, pensou na carreira de aviador militar. Passou a apreciar o fotojornalismo em 1954, através da revista O Cruzeiro, que considera a grande escola da reportagem fotográfica brasileira:
— Ainda morava no interior da Bahia e ficava impressionado com o trabalho dos grandes fotógrafos da revista, principalmente o Jean Manzon e o José Medeiros. Foi inclusive um ensaio sobre mães feito pelo Medeiros, que depois veio a ser meu professor, que me transformou definitivamente num apaixonado pela fotografia.
Com o fotógrafo Nestor Rocha, tio do cineasta Gláuber Rocha, Evandro aprendeu os primeiros segredos da profissão, fazendo fotos que chama de “acadêmicas”. Em seguida, foi estudar em Salvador, onde logo arranjou uma vaga como estagiário no Diário de Notícias. Em 1957, desembarcou no Rio com a indicação de um amigo para procurar estágio no Diário da Noite, onde foi designado para registrar casamentos:
— O chefe de redação me chamou e disse:“Você vai ser nosso santo casamenteiro. Vai ter um carro, uma lista das igrejas,e sair para cobrir casamentos. Só não me traga fotos de pretos.” No primeiro dia, consultando a listagem, percorri várias igrejas da cidade. Cheguei a uma onde um negro ia se casar com uma loura. Peguei a Rolleiflex e fiz a foto.
Evandro conta que voltou para a redação preocupado e revelou seu dilema para o laboratorista, que o consolou, dizendo:
“Não tem problema, pode deixar que ele vai ficar branco.” Mais tarde,o chefe da redação descobriu a falseta e,esbravejando,chamou-o à sua sala juntamente com o editor de Fotografia, Ângelo Regatto:
— O que houve? Eu não te disse que não queria preto? Demite! A sorte, para Evandro e para o fotojornalismo,é que Regatto apostou no talento do estagiário e o mandou para casa até que ele “amansasse a fera”.
Valorização da fotografia do Diário da Noite, Evandro foi para O Jornal, a revista Mundo Ilustrado e o Jornal do Brasil, onde está até hoje. Chegou ao JB em 72 —num momento em que o diário carioca se destacava dos demais, especialmente pela valorização da fotografia no seu noticiário — e transformou-se num dos grandes documentaristas da imprensa brasileira.
Sua foto da Passeata dos 100 mil, por exemplo, virou símbolo dos movimentos populares contra a ditadura militar. Era junho de 68 e Evandro devia acompanhar o líder estudantil Vladimir Palmeira, então ameaçado de prisão, do início ao fim do ato que se realizaria na Cinelândia, no Centro do Rio. Para fazer o registro histórico,ele subiu no palanque e, apesar da repressão policial, posicionou-se atrás de Vladimir e conseguiu o clique. Publicada em livro em 1982, a foto virou novo projeto, 68: destinos, que pretende servir de resgate da história política do País nos últimos 40 anos e contar, a partir de um minucioso trabalho de pesquisa e identificação, como vivem atualmente 68 pessoas que participaram da passeata — 55 já foram contatadas.
O produto final desse trabalho será exibido em exposição e também publicado ao lado de textos dos jornalistas Fer-
nando Gabeira, Marcos Sá Corrêa, Augusto Nunes e Fritz Utzeri.
Apesar de ter sido muitas vezes premiado, Evandro prefere evitar o assunto. Em contrapartida, seus olhos brilham quando ele fala de seus livros:
Além do atual projeto, Canudos: 100 anos depois, Fotojornalismo, editado em 1982 e 1988, e Feira de São Cristóvão:
o Nordeste é aqui, que deverá ser lançado pelo Senac.
Ele também não se furta de comentar que seus trabalhos estão sendo exibidos em três mostras simultâneas — na França, na Suíça e em Brasília — e não esconde que considera a fotografia brasileira uma das melhores do mundo:
— Ela não perde o encanto, apesar das nossas dificuldades para realizar um bom intercâmbio cultural e de todos os outros tipos de sacrifício impostos aos nossos profissionais.