Entrevista exclusiva – Lilia Teles


21/01/2010


Imagens reproduzidas da TV Globo

Jornalista Lilia Teles

A jornalista Lilia Teles, enviada especial da Rede Globo no Haiti, acompanha a situação dramática do país devastado por forte terremotomno último dia 12, que resultou em 250 mil mortos, sendo 21 brasileiros, e milhares de desaparecidos.

De acordo com a Organização Internacional de Migrações (OIM), 500 mil pessoas estão desabrigadas apenas na capital Porto Príncipe, onde ocupam 447 acampamentos improvisados, em meio a inúmeros corpos em estado de decomposição, falta de água, comida, medicamentos.

Sobreviventes, voluntários e equipes de resgate participam do esforço conjunto para combater os efeitos da tragédia, muitos com as próprias mãos. Jornalistas de todo o mundo realizam a cobertura e também ajudam a salvar vidas, como a repórter Lilia Teles, responsável pelo resgate da enfermeira Jean Batiste Mimose, 43 anos, soterrada durante três dias sob os escombros do hospital onde trabalhava. O sargento do Exército brasileiro, Marco Antonio Leôncio, também auxiliou no resgate da enfermeira, que pretende batizar o bebê que espera com o nome do militar.

As imagens do resgate foram veiculadas em todo o mundo e revelaram o espírito de solidariedade e o empenho humanitário e profissional de Lilia no cumprimento de sua missão maior como jornalista.

Em entrevista exclusiva ao ABI Online, a correspondente da TV Globo relembra os momentos do resgate e analisa a situação do Haiti, segundo ela, comparável a uma guerra. 

ABI OnlineQuando vimos as primeiras imagens do resgate da enfermeira Jean Batiste, tivemos a nítida sensação de que você foi a responsável por aquele salvamento. No carro do Exército brasileiro, você passava por aquele local com o cinegrafista Luiz Cláudio e insistia para que os soldados parassem. Nas imagens, quase nem víamos mais aqueles homens haitianos em cima dos escombros quando o veículo, finalmente, parou. Como você se sente por ter pedido tanto para que fossem checar a existência de sobreviventes? 
Lilia Teles — Era um passeio tenso pela cidade coberta de corpos e quando a gente viu aquele marido desesperado no meio da rua, imaginou que seria uma possibilidade de encontrar sobrevivente. Já havíamos parado outras vezes e, infelizmente, não tínhamos encontrado vida. Acho que fui iluminada por Deus. Foi Ele quem nos fez parar naquele lugar.

ABI OnlineQual foi a sensação ao ser confirmada a notícia de que embaixo dos escombros tinha um sobrevivente?
Lilia Teles — Na hora meu coração disparou. Eu toquei a mão dela e fiquei angustiada imaginando o que ela sentia estando presa ali. Era de uma felicidade tão grande ter ajudado a encontrar aquela mulher. Mas o nosso desespero era do mesmo tamanho. Os bombeiros diziam que existia o risco dela entrar em choque e morrer.

ABI OnlineVocê disse no ar que a equipe não pôde acompanhar o resgate todo porque precisavam voltar para a Central de TV.  Como foi rever a enfermeira Jean Batiste bem e salva? Fale um pouco sobre o reencontro de vocês.
Lilia Teles — Foi uma decisão muito complicada de fazer. Se a gente esperasse o fim do resgate perderia o horário de geração, que ficava muito longe dali. Depois do JN eu me encontrei com ela e com o marido dela. Ele apontava pro céu e pra mim, dizendo que Deus e eu havíamos salvado a Jean Batiste. Em creole, que é a língua dos haitianos, ela disse que me amava e me contou que estava grávida.

ABI OnlineDe que maneira você reage ao ver as pessoas nas ruas precisando de comida? Você já forneceu alimento para muita gente?
Lilia Teles — É de enlouquecer. O sentimento é de impotência total. Faço o que posso. Já passei sede pra dar a única garrafa de água que a gente tinha. Distribuo qualquer comida que eu tenha na bolsa. Mas é duro ver que tem um monte de gente em volta e você não pode ajudar todo mundo.

ABI OnlineComo e onde você está alojada?
Lilia Teles — Estou na Base Militar Brasileira, onde ficou a maioria dos jornalistas brasileiros e alguns estrangeiros. Aqui temos toda infra-estrutura, incluindo um colchão pra dormir e comida. O Exército foi maravilhoso nesse processo todo.

ABI OnlineComo a sua família se sente sabendo que você está numa missão quase comparável a uma guerra? Muitos jornalistas já definiram que esta cobertura é pior do que uma guerra.
Lilia Teles — Minha família ficou muito preocupada por causa das condições precárias, por causa do risco de novos terremotos e também por não saber como os haitianos iriam reagir diante da fome. Isso poderia desencadear violência. Mas correu tudo bem e eu vou dando notícias daqui pra tranquilizar todo mundo. Eu nunca cobri guerra, mas imagino que seja mesmo muito parecido com o Haiti neste momento. A sensação é de que Porto Príncipe foi bombardeada e a população não teve tempo de fugir.

ABI OnlineO que mais a impressionou em meio a toda esta catástrofe?
Lilia Teles — Não tenho como escolher uma única coisa. Tudo me impressionou. Talvez a resignação desse povo bom diante da tragédia tenha mexido muito comigo. Eles chegam com muita humildade pra pedir água, comida e socorro. É como se fosse assim: “se vocês puderem ajudar, tudo bem. Se não puderem, a gente vai entender”.

ABI OnlineExiste alguma previsão de que outro repórter vá para Porto Príncipe te render; ou você permanecerá o tempo que for necessário?
Lilia Teles — Não vem ninguém pra me render. Somos uma equipe de três pessoas — eu e o Rodrigo Alvarez e o cinegrafista Luiz Cláudio Azevedo — e a gente tem conseguido descansar algumas horas. Não é fácil, mas não dá pra abandonar o trabalho no meio.