Dezenas de pessoas prestigiaram a solenidade em homenagem ao escritor e novelista Dias Gomes, que completaria 90 anos, nesta sexta-feira, dia 19. Parentes, amigos, colegas de profissão e o publico em geral lotaram o Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar do edifício-sede da ABI.
A cerimônia contou com a presença dos atores Tony Ramos e Rosamaria Murtinho, do cenógrafo José Dias, do poeta Ferreira Gullar, do jornalista, escritor e imortal Ivan Junqueira, representando a Academia Brasileira de Letras-ABL, entre outros. A coordenação do evento, cuja abertura foi feita pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, foi de Denise Emmer, filha do homenageado.
O ator Sergio Fonta, mestre de cerimônia do evento, iniciou a solenidade aplaudindo a vida e a obra de Dias Gomes como um dos principais nomes da dramaturgia brasileira do século 20, autor de 33 peças teatrais, oito romances, 14 novelas, um filme, cinco minisséries e três seriados.
—Esta cerimônia será informal como Dias Gomes gostaria que fosse, com breves depoimentos de amigos e encerramento musical. Emiliano Queiróz, Edney Giovenazzi, na plateia, e vários amigos queridos de Dias Gomes vão falar sobre Dias Gomes. Se ele estivesse entre nós, os 90 anos de idade seriam comemorados com muita festa e alegria. Mas esta energia existe aqui e agora. Dias Gomes está conosco.
O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, abriu a cerimônia saudando a plateia e os convidados:
—A Associação Brasileira de Imprensa sente-se homenageada pela família de Dias Gomes pela oportunidade que oferece a esta Casa da Liberdade de prestar as homenagens que se devem a esta figura extraordinária do teatro, da televisão e da cultura brasileira que foi Dias Gomes. Ficamos muito confortados com esta possibilidade e consideramos que os convidados que prestarão depoimento sobre a trajetória de Dias Gomes vão enriquecer os motivos da nossa admiração por este grande brasileiro de saudosa memória.
Em seguida, Sergio Fonta acentuou a relevância de Dias Gomes no cenário da cultura nacional:
—Tive a honra de suceder a vaga de Dias Gomes no Pen Clube do Brasil e pude constatar a sua força popular, já conhecida de todos, através de suas criações no teatro e na TV, quando em 18 de maio de 1999, o cortejo fúnebre saiu do Petit Trianon, da Academia Brasileira de Letras(ABL) para o seu enterro cemitério São João Batista. Era impressionante a comoção popular. Em todas as ruas irrompiam aplausos, lenços brancos surgiam nas janelas dos prédios. Na rua São Clemente, o funcionário de uma loja escreveu em uma caixa de sapatos: Viva Dias Gomes!. Com simplicidade e precisão, aquele humilde funcionário expressava a voz do povo. Este mesmo povo para o qual Dias Gomes escreveu a vida inteira, sozinho ou com parceiros, e um deles está aqui, o poeta e dramaturgo Ferreira Gullar, que trabalhou com Dias Gomes em peças, novelas e minisséries.
Gullar iniciou o seu discurso recordando a parceria com Dias Gomes no trabalho e na vida:
—Tenho a honra de participar desta homenagem a Dias Gomes, um dos maiores amigos que tive em minha vida e um dos melhores dramaturgos do teatro moderno brasileiro. Ele criou muitos personagens que ainda estão vivos e expressões que ficaram na boca do povo. Contudo, não existe rua ou teatro com o nome dele. Em uma reunião na prefeitura com a classe teatral comentei este fato e se fez um silêncio absoluto, como se eu tivesse pedido alguma coisa inconveniente.
A amizade entre Gullar e Dias Gomes se fortaleceu após o golpe militar de 1964, com o fim da UNE-CPC e a criação do Grupo Opinião por Ferreira Gullar, Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa, Paulo Pontes, entre outros.
—Foi no Teatro Opinião que me aproximei mais de Dias Gomes, quando ele me convidou para escrever a peça cuja ideia era contar a história de Getúlio através do enredo de uma escola de samba, uma coisa muito original e fascinante. Ele me chamou porque eu estava envolvido com escolas de samba e era necessário ter algum conhecimento, inclusive para fazer a letra do samba enredo. A música foi composta por Silas de Oliveira, grande compositor da Portela. Quando voltei do exílio, o jornalista Mario Gazzaneo, que nos deixou recentemente, me ligou e disse que tinha um recado do Dias Gomes para que eu fosse trabalhar com ele na TV. Ele achou que eu estava chegando do exílio e não tinha emprego. Esse era o Dias.
Hipocrisia
Gullar lembrou que Dias Gomes insistiu para que ele aceitasse a função e se comprometeu a ensinar a rotina do trabalho em televisão:
—Eu nunca tinha escrito telenovelas, mas ele me ajudou muito. Dias Gomes é o melhor teledramaturgo brasileiro. Atualmente há bons autores, mas nada no nível dele e com o seu o humor. Para escrever a peça “Berço de Herói”, por exemplo, ele partiu da história de uma cidade do interior invadida por bandoleiros que tentaram saquear a igreja, mas o sacristão resistiu, foi morto, virou estátua e alavancou a região como centro de turismo. Até o dia em que o sacristão apareceu vivo e decidiram matá-lo. Com isso, Dias Gomes estava denunciando a hipocrisia da sociedade que vive a partir de uma mentira.
A parceria no trabalho se estendeu aos momentos de convivência íntima, enfatizou Gullar:
—Nos momentos de dificuldade Dias Gomes esteve sempre presente. Ele me dava a alegria de me consultar em alguns acontecimentos de sua vida, pois acreditava que eu tinha uma certa sensatez que lhe faltava. Ele gostava muito de conversar comigo. Infelizmente, Dias Gomes morreu de uma forma absolutamente injusta, fruto do acaso, um dos fatores fundamentais da vida. Quero neste momento prestar uma homenagem a este grande amigo, meu grande irmão.
Na sequência, o ator Sérgio Fonta passou a palavra ao jornalista e escritor Ivan Junqueira, membro da Academia Brasileira de Letras(ABL).
—Estou aqui a convite da musicista e poeta Denise Emmer, filha de Dias Gomes, e por delegação da presidente da Academia Brasileira de Letras(ABL), a escritora Ana Maria Machado. Ao contrário dos outros depoentes desta noite, eu queria dizer que só estive com Dias Gomes pessoalmente duas vezes. A primeira vez em 1989, na Bienal do Livro de Paris. Em 1999, infelizmente, o ano de sua morte, fui à casa dele conversar sobre a possibilidade do meu ingresso na ABL. Não sou a pessoa mais apropriada para falar sobre ele, mas quero atestar que a contribuição de Dias Gomes para a dramaturgia brasileira é fundamental. Antes do teatro, Dias Gomes fez muitos trabalhos para rádio, onde inclusive conheceu aquela que seria sua mulher, Janete Clair.
O grande sucesso de Dias Gomes, disse Junqueira, veio com a peça “O Pagador de Promessas”, que virou filme e conquistou a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
—Acho que a glória nacional de Dias Gomes começou a partir desta peça. Depois vieram muitas outras, inclusive adaptadas para a TV. Como lembrou Ferreira Gullar, eu diria que Dias Gomes é o maior teledramaturgo até a presente data. Lembro de “O Pagador de Promessas”, “Roque Santeiro”, adaptação de “Berço de Herói”, “Bandeira 2”, e a peça na qual Dias Gomes introduziu o realismo fantástico na dramaturgia brasileira, que é Saramandaia. Quem não se lembra ainda de Odorico Paraguaçu e da Viúva Porcina? Lamento a forma abrupta pela qual Dias Gomes foi arrancado do nosso convívio em 18 de maio de 1999, e o pouco tempo que os confrades da academia tiveram para conviver com este extraordinário autor brasileiro.
Diálogo
Referência na cenografia brasileira, José Dias subiu ao palco da ABI para falar sobre os laços de amizade e profissional que o uniram ao homenageado:
—É uma grande honra estar aqui nesta data. Acho que o xará, como eu e Dias Gomes nos tratávamos, gostaria de ver muita alegria nesta noite de confraternização. Meu início de contato com Dias foi quando comecei a fazer a novela “Saramandaia”, mas, como estudante de teatro e de arquitetura, eu já conhecia a obra dele. Depois da novela “Gabriela”, na qual trabalhei como assistente, entraria no ar “Roque Santeiro”, baseada na peça “Berço de Heroi”, que tinha sido proibida na década de 70. Como o telefone de Dias Gomes estava grampeado, ele não pôde continuar a escrever “Roque Santeiro” e substituiu o texto por “Saramandaia”.
Neste novo projeto José Dias descobriu o realismo fantástico e, juntamente com toda a equipe, se emocionou com a obra do dramaturgo:
—Logo depois deste primeiro contato ele me convidou para fazer um trabalho em São Paulo, que foi “Campeões do Mundo”, peça que já tinha estreado no Rio de Janeiro, no Teatro Villa-Lobos. Após a estreia, nos encontramos no avião e ficamos conversando. Surgiu, então, o convite para eu assumir a cenografia de “O Bem Amado”. Costumávamos acertar todos os detalhes do trabalho em sua residência na Lagoa e na casa da Barra da Tijuca. Dias Gomes tinha o talento de dramaturgo e de diretor, pois o roteiro dele indicava até os planos. Dialogávamos muito também sobre o espaço cênico.
A partir desta experiência, José Dias ampliou a visão em relação ao teatro, pois até então só trabalhara com o realismo:
—Antes do contato com Dias Gomes, eu trabalhava com a concepção plástica onde o ator representava, mas descobri que o importante no teatro não era a cenografia, mas sim a palavra. Passei, então, a sintetizar a cena. Em seguida, fizemos vários trabalhos juntos: “As Primícias”, “Campeões do Mundo”, “Meu reino por um cavalo”, um contato muito fértil em relação ao diálogo. Ele era como um pai para mim. Em 2009, lancei o livro “Odorico Paraguaçu, o Bem-amado de Dias Gomes”, no qual eu conto toda a trajetória desde a primeira montagem da peça no Teatro de Amadores de Pernambuco.
Segundo José Dias, “O Bem Amado” foi escrita em 1962, encomendada pelo TBC, por Flávio Rangel. O texto foi publicado na revista Cláudia, e Benjamin Cattan, da TV de Vanguarda, gravou o espetáculo. O primeiro ator a interpretar o papel de Odorico Paraguaçu foi Rolando Boldrin.
Apesar do forte legado de Dias Gomes, para o cenógrafo, a cultura nacional está em dívida com o dramaturgo:
—Não existe nenhum teatro com o nome de Dias Gomes. O Teatro Serrador, por exemplo, foi o primeiro a encenar uma peça dele. Chamava-se “Pé de Cabra”, e ele tinha apenas 19 anos. Dias escreveu a primeira peça aos 9 anos de idade. Deixo aqui um apelo às autoridades para que reflitam sobre a homenagem a Dias Gomes nos futuros projetos culturais. As novas gerações precisam conhecer esta magnífica obra.
Representando dezenas de atores que imortalizaram personagens do dramaturgo, a atriz Rosamaria Murtinho destacou a postura ideológica de Dia Gomes:
—A peça “Pé de Cabra” foi proibida pelo Estado Novo por que o texto foi considerado marxista. Existe uma história que diz que Dias Gomes foi acusado de marxista, mas não sabia exatamente o que significava. Quando leu sobre o assunto concordou com a teoria e ingressou nos quadros do Partido Comunista Brasileiro. Ele sempre teve essa preocupação social. Eu fui apresentada ao Dias Gomes por Janete Clair e frequentei muito a casa deles. Praticamente criamos nossos filhos juntos. Meu filho que é músico, João Paulo, toca muito com Guilherme e com Alfredo. Eles vivem lá em casa. Lembro-me das festas que o casal oferecia, como os réveillons. Todos aqui já falaram muita coisa sobre o trabalho de Dias Gomes e seu texto sempre franco, lúcido e com muito bom humor. Participei da novela o “Espigão”, de 1974, que é muito atual pois já tinha a preocupação com o crescimento urbano desordenado e denunciava a demolição de conjuntos históricos e paisagísticos.
Imortal
Intérprete do personagem Zé do Burro, na peça “O Pagador de Promessas”, marco da cena do cinema e do teatro nacional, o ator Tony Ramos grifou a influência da obra de Dias Gomes em sua trajetória profissional:
—Nos emocionamos aqui com as recordações sobre o cotidiano de Dias, do homem, do pensador, do criador. Não convivi intimamente com ele, mas compartilhamos uma amizade verdadeira, aquela na qual não precisamos nos falar todos os dias para saber o valor do sentimento. A amizade efetiva é aquela que brota a cada momento em que revemos os nossos amigos. Era assim a minha convivência com Dias. Como muitos aqui, tive a oportunidade de visitá-lo em sua casa em jantares e comemorações, estreais ou encerramento de novelas.
Em 1978, o diretor Flávio Rangel e Dias Gomes convidaram Tony Ramos para um trabalho conjunto:
—Fui chamado para fazer o Zé do Burro, imortal criação do nosso grande ator Leonardo Villar. Fiquei embasbacado com o convite porque aquela obra é revestida de imortalidade. Eles me tranqüilizaram e incentivaram a minha participação no ano em que se comemorava 20 anos da primeira montagem do espetáculo. O respeito, o cuidado e o zelo, não a reverência e o medo, por uma obra que já tinha demonstrado a sua imensa força, faz parte do meu modo de pensar. Quem não gostaria de fazer o Zé do Burro, que denuncia a intolerância, a péssima divisão de renda, o descaso com tantos necessitados deste país? Entrei naquele palco com a energia renovada na minha carreira. Naquele momento eu já tinha 10 anos de profissão.
Na cena clássica em que Zé do Burro se precipita com a cruz contra a porta da igreja, a cruz cenográfica se partiu e Tony Ramos encotrou uma solução que não afetaria a dinâmica e a profundidade do texto:
—Naquele momento um silêncio profundo tomou conta da plateia e dos atores em cena. Com a voz baixa pedi aos companheiros de cena que me carregassem em forma de cruz. Isto feito, a plateia irrompeu em aplausos. Lembro da expressão emocionada de Dias Gomes. Foi uma emoção para toda a minha vida. Há 45 anos perdi um querido primo. O padre que encomendou o corpo era da Costa do Marfim e disse que na cultura dele a morte é um momento de celebração. É com este espírito que eu gostaria de recordar Dias Gomes. Vamos remontar Saramandaia na TV no ano que vem, uma boa oportunidade para ativarmos as lembranças de Dias Gomes pela sua determinação, ousadia e criatividade.
Antes do início da apresentação da Camerata Dias Gomes, Denise Emmer agradeceu a participação de todos na homenagem ao pai.
—Ao Presidente da ABI, Maurício Azêdo, a minha gratidão pela carinhosa acolhida nesta Casa, palco de inúmeras manifestações, algumas com a presença atuante de meu pai. Manifestações em prol da liberdade, pela justiça, a ética e o sonho de um mundo melhor. A homenagem ao meu saudoso pai não seria completa não fossem os significativos e afetivos depoimentos do poeta Ferreira Gullar, do poeta Ivan Junqueira, representando a ABL, do cenógrafo José Dias, dos atores queridos Tony Ramos e Rosamaria Murtinho. Agradeço a presença de minha família, amigos e especialmente ao público que veio prestigiar este momento de justa lembrança ao escritor cuja obra ficará eternamente na memória popular.
Denise lembrou as últimas palavras que ouviu do pai antes do acidente que o vitimou e o incentivo que ele sempre deu à sua carreia musical:
—Em 1999, eu estava cursando o primeiro período da graduação de violoncelo no Conservatório Brasileiro de Música, quando assisti a um concerto de um grande violocenlista russo. Ao final da apresentação, pedi um autógrafo, e o músico me deu um abraço e escreveu o meu nome em russo. Cheguei em casa eufórica e telefonei para papai. Ele achou muita graça e me disse: “Minha filha, nunca pare de tocar o seu violoncelo. Ele será o seu grande amigo para sempre.”. Aquelas foram as últimas palavras que ouvi de meu pai. Uma semana depois, ele partiria deste mundo num átimo de tempo, vítima de um acidente de carro. Segui o seu conselho e último pedido. Com isso, presto a homenagem que me cabe em forma de música. Como foi dito aqui, não existe nome de rua e de teatro, mas dei o nome de meu pai a uma orquestra, a Camerata Dias Gomes.
O evento foi encerrado com a apresentação, muito aplaudida, dos músicos Alexei Henriques e Milena Da Matta( violino I), Ivan Scheimar e Rodolpho Ennser(violino II), Luciano de Castro e Elza Marins(viola), Denise Emmer e Luciano Corrêa(violoncelo), Fábio Bezerra da Silva(contrabaixo) e Catherine Henriques(teclado), com o seguinte repertório: J.S Bach – Concerto de Brandenburg n. 3 – Allegro – Adágio – Allegro Assai; Chiquinha Gonzaga – “Gaúcho”; Ernesto Nazareth – “Odeon”; Heitor Villa Lobos – “O Trenzinho Caipira” (arranjo Álvaro Carrielo).