Por Ana Helena Tavares, conselheira da ABI
“A vida de uma pessoa pode ser uma obra de arte?” A pergunta é de Michel Foucault. Inaugurado em 10 de agosto, o site Jesus Chediak em Memória, que conta com uma exposição narrando a trajetória do jornalista, teatrólogo, cineasta, gestor cultural falecido em 2020 de Covid, pretende responder afirmativamente à pergunta do filósofo francês. É o que garante a curadora da exposição, a jornalista Ana Helena Tavares, conselheira da ABI, casa onde Jesus Chediak foi diretor cultural por 14 anos.
A inauguração do espaço virtual ocorreu através de uma reunião informal, feita pelo aplicativo zoom, tendo a presença de familiares e amigos, entre eles o presidente da Associação Brasileira de Imprensa Paulo Jerônimo. Ana Helena também prepara uma biografia sobre Jesus e, quando o livro for lançado, parte do acervo de imagens e documentos, hoje disponibilizado virtualmente, será exposto de forma presencial.
Tanto a exposição como o livro fazem parte de um projeto maior que visa manter vivo o legado de Jesus. “Tenho esperança de que o exemplo dele, como um ser humano generoso e um gestor que acreditava na cultura como ferramenta de transformação social, possa contagiar as novas gerações”, diz a jornalista e biógrafa.
A viúva de Jesus, Glória Chediak, também jornalista, fez um breve discurso na cerimônia virtual de inauguração, frisando o quanto seu marido tinha um amor incondicional pela família e um imenso orgulho dos filhos Tiago, fotógrafo que hoje mora em Nova York, e Paloma, atriz e dançarina. Os filhos também participaram. Tiago lembrou que “quando saía com ele encontrava pelo menos 10 amigos pelo caminho”, porque seu pai era um homem que cultivava muito os relacionamentos afetivos. Paloma, muito emocionada, falou da espiritualidade do pai e, entre suas principais características, destacou sua generosidade e seus ensinamentos sobre o perdão.
Entre os amigos, quem começou falando foi o professor Eurico Figueiredo, que recorreu ao poeta Coelho Neto para expressar seu sentimento. “A saudade é a memória do coração”, citou. Em seguida, falou o professor Raimundo Matos Leão, historiador do teatro na Bahia, que deu uma miniaula sobre a importante passagem de Jesus Chediak pela Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ocorrida entre os efervescentes anos de 1969 e 1970. Mostrando a diversidade etária de amigos de Jesus, também estava presente a jovem Danielle Santana. Eles se conheceram em Duque de Caxias (RJ), quando ele era secretário de cultura de lá. Hoje, ela mora na Argentina e fez questão de enfatizar o quanto Jesus sempre deu força e incentivo à juventude.
Paulo Jerônimo também fez uso da palavra, fazendo questão de assinalar que só é presidente da ABI graças a Jesus Chediak. “Quero deixar bem claro que foi ele que inventou a minha candidatura. Ele insistiu que tinha que ser eu o candidato”, frisou Pagê, revelando ainda que o lançamento de sua candidatura ocorreu no escritório de Jesus em Copacabana. “Aí, começamos a liderar um movimento de oposição, a coisa cresceu, e acabei presidente. Então, devo muito ao Jesus, que foi um grande amigo”, concluiu.
A reunião contou ainda com a fala de Maria Araújo, amiga de Jesus que, graças a ele, realizou o sonho de trabalhar como gestora cultural, sendo curadora de uma exposição na Casa França Brasil, quando Jesus era diretor dessa instituição. A exposição citada foi o Fórum LAD I – Literatura, Artes e Design. Maria Araújo lembrou também das doações de livros promovidas na Casa França Brasil durante a gestão de Jesus. “Era uma coisa espetacular, uma mesa que parecia não ter fim, cheia de livros para quem quisesse chegar e pegar. Juntava-se uma garotada em volta da mesa, alunos de escolas do Centro do Rio, e de imediato desapareciam os livros”, relatou.
Logo a seguir, a atriz e professora de teatro Heloísa Machado recordou de sua participação no elenco da peça “Mulheres de Nelson”, encenada em 2013, última dirigida por Jesus. “Foi um espetáculo lindo. Tive a honra de trabalhar com ele diretamente”. No entanto, ela fez questão de pontuar que “o mais importante é a amizade”. Certamente, todos os que conheceram Jesus concordam e ele próprio, se estivesse aqui nesse plano físico, citaria Vinícius de Moraes dizendo que “é impossível ser feliz sozinho”.
A exposição foi batizada de “A cultura como prática da liberdade” remetendo a um dos livros mais famosos de Paulo Freire, cujo centenário se completa em 2021. Como frisa a curadora, a visitação é gratuita, permanente e sem burocracias. “Jesus odiava os burocratas”, lembra Ana Helena. Os custos de registro, criação e manutenção do site estão sendo bancados por amigos e parceiros que colaboraram numa campanha de financiamento coletivo. Um meio moderno, honesto e eficaz que a internet oferece para quem quer levantar fundos para projetos. A intenção é que seja um espaço em constante evolução, aberto a críticas, sugestões de novas inserções e alterações diversas que se façam necessárias.
Nenhuma escolha é à toa. Paulo Freire se definia como “um intelectual que não tem medo de ser amoroso” e os depoimentos de amigos e o testemunho de vida de Jesus Chediak mostram que ele também o foi. Se no dia em que ele faria 80 anos, tanques de guerra desfilaram por Brasília, num espetáculo deprimente patrocinado por um governo que odeia os artistas, não havia nada mais adequado a fazer do que emanar amor e inaugurar uma exposição retratando a trajetória cultural de um homem que tanto pregou a justiça e a paz.
Serviço:
O que? Exposição virtual sobre Jesus Chediak
Onde? jesuschediakememoria.com
Quando? Permanente, inaugurada em 10 de agosto de 2021
Quanto? Gratuito