Nós, entidades signatárias do Pacto pela Vida e pelo Brasil, historicamente comprometidas com a defesa do Estado democrático de Direito, os direitos humanos e a justiça social, acompanhamos com preocupação a multifacetada crise que o país atravessa. Enlutados pelos mais de 615 mil mortos da Covid-19 e solidários com seus familiares, manifestamos nossa perplexidade com a forma pela qual a população mais pobre e vulnerável vem sendo tratada, quando as consequências da pandemia assombram o Brasil.
A crise sanitária escancarou um país injusto e desigual, com altos índices de desemprego e insegurança alimentar. A Constituição prescreve, no seu art. 6º, que são diretos sociais do povo brasileiro “a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a Previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Direitos sociais não são favores de governos, mas deveres do Estado.
Quando o Brasil mais necessita de políticas públicas eficientes e equilibradas, assistimos à extinção pelo governo federal do Bolsa Família, programa testado, aprovado e reconhecido nacional e internacionalmente como um dos maiores instrumentos de transferência de renda já implementados. Some-se a isso o fim do auxílio emergencial, que foi essencial em tempos da pandemia.
Em 2020, esse auxílio foi pago a 68,3 milhões de pessoas, segundo o Ministério da Cidadania. Em 2021, caiu para 39 milhões. Agora, cria-se o Auxílio Brasil, um programa de governo com fortes suspeitas de motivação eleitoreira, para atender apenas 17 milhões de famílias. Depois de votada no Congresso Nacional, a MP do Auxílio Brasil confirma a exclusão de pelo menos 4 milhões de famílias que seriam elegíveis ao benefício, cujo atendimento ficará à mercê de haver ou não espaço orçamentário. Seja como for, os patamares adotados estão muito aquém do estágio atual da pobreza no país.
Nossa preocupação se agrava ao dar conta de que, para viabilizar o Auxílio Brasil, manipula-se econômica e politicamente o dinheiro público. Primeiro, ao se propor como fonte de sustentação do programa recursos vindos do não pagamento de precatórios, dívidas que o Estado tem não só com estados ou municípios, mas com pessoas. E, no jogo pela aprovação do novo benefício, vêm à tona o estranho relacionamento entre Executivo e Legislativo, sob a forma de um “orçamento secreto”. Ou seja, de verbas públicas que, através de artifícios regimentais, são direcionadas a parlamentares “comprometidos com o governo”.
Diante desses fatos e do quadro social vigente, as entidades que subscrevem este artigo assumem o compromisso de acompanhar as tratativas entre Congresso e governo federal para que não se prejudique e ou se retarde a implementação de políticas públicas urgentes em favor dos mais vulneráveis, que não podem ser deixados à margem como se fossem culpados da sua condição!
Conclamamos a sociedade civil a exigir do Congresso a criação de um efetivo programa de transferência de renda de proporções compatíveis com o desemparo e a fome que hoje castigam expressiva parcela da população brasileira. E que esse programa esteja acompanhado do fortalecimento do SUS, sem o qual muitos brasileiros não reagirão ao duro legado da Covid-19.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Felipe Santa Cruz
Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)
José Carlos Dias
Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns
Luiz Davidovich
Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC)
Paulo Jeronimo de Sousa
Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
Renato Janine Ribeiro
Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)