Em defesa das eclusas


23/03/2009


Colaboração de Bernardino Capell Ferreira, sócio da ABI, é jornalista, administrador e escritor

A abrangência de inúmeros projetos do PAC, pelo Governo, talvez não tenha sido uma boa programação. A aplicação dos valores existentes em caixa na época das vacas gordas, se dirigida para a feitura de obras bem projetadas, em termos de retorno garantido, mesmo que não imediato, estaria agora nos permitindo um certo desafogo, ante as perspectivas sombrias que toldam possibilidades de equilíbrio da nossa economia.

O preâmbulo foi motivado em razão de termos, em nossa última matéria no site da ABI, nos referido à questão dos portos do Brasil, sem cogitarmos de aprofundar a nossa participação no campo hidroviário.

Agora, acreditamos devamos estender nossos olhos para as águas do interior do nosso País, as nossas hidrovias, tão esquecidas estão, podendo vir a ser amparadas se para isso nos dispusermos a refletir sobre essa lacuna ou grave omissão.

Saiamos então da letargia dos comunicados abrangentes que elucidam mas nos prendem ao evasivo, a fim de apontarmos problemas que devem ser observados, no pouco espaço de que dispomos.

Há alguns anos passados, ao escrevermos para a revista do Conselho Nacional do Petróleo (nº 34, de 1974) sob o título Carajás, seus reflexos no desenvolvimento da bacia Tocantins/Araguaia em nosso otimismo de sempre, fizemos imprimir no referido artigo (nariz de cera) o seguinte: “Barragens e eclusas poderão ser construídas no Tocantins a fim de transformá-lo em hidrovia de primeira classe”.

Essa matéria foi publicada em 1974, fazendo hoje, pois, cerca de 35 anos. Pois bem, a hidrelétrica de Tucuruí, no Tocantins, em cuja planta inicial se achava prevista a área destinada a eclusas –, tenho conhecimento desse pormenor, desde quando, em companhia de um bom amigo, Coronel Carlos Henrique Rupp, da RFFSA, visitamos na época os escritórios da Vale do Rio Doce, no Rio de Janeiro, para tratos ferroviários –, ainda não teve concluídas as projetadas eclusas.

Segundo a Antac, na palavra do seu diretor, Murilo Barbosa, Vice-Almirante da reserva da Marinha, a idéia é que as eclusas de Tucuruí fiquem prontas até 2010 (Internet, 23.6.2008).

Maiores pesquisas nos dizem que o complexo Tocantins/Araguaia poderá permitir uma navegação de 1,9 mil quilômetros.

Em termos de avaliação de custos é ainda a Antac que diz: As eclusas quando construídas depois da hidrelétrica pronta ficam até 500% mais caras.

Há muitos anos somos apologistas das eclusas, desde que sobre elas nos falava um grande engenheiro do extinto Departamento de Portos e Vias Navegáveis, o sempre lembrado Antônio Furtado Portugal, já falecido. Levei-o um dia a proferir uma palestra sobre eclusas existentes no mundo; ele foi intensamente aplaudido pelo seu conhecimento e entusiasmo em discorrer sobre a matéria aos engenheiros da Rede Ferroviária Federal S.A., onde éramos então consultor de transporte para petróleo e derivados.

São muitos os fatores componentes do quadro estrutural hidroviário no Brasil em termos de navegação em nossas diversas regiões hidrográficas. Por essa razão, torna-se preciso, a nosso ver, que no Plano Nacional de Viação estejam presentes, após terem sido ouvidos, todos os órgãos envolvidos no sistema, a partir do Ministério dos Transportes, a fim de que, quando da elaboração de projetos relativos a hidrelétricas, estejam obrigatoriamente integrados aos mesmos aqueles que digam respeito à garantia do transporte hidroviário, pela construção de eclusas, quando assim o exigirem as condições técnicas, econômicas e de segurança da nação.

O Ministério dos Transportes considera a extensão navegável dos principais rios brasileiros (Tabela 3, publicação da ANA – Internet) de 26.662 quilômetros, podendo alcançar 40.000 através da execução de melhorias.

Evidencia-se nas rápidas pinceladas que nos são permitidas dar ao assunto a enorme possibilidade que tem o Brasil de fomentar produções interiores, mormente nas áreas agrícolas–pastoris e na exportação e beneficiamento de minérios no sentido amplo de produzir e transportar seus bens pelas hidrovias, reduzindo custos do transporte entre as áreas produtoras e as de consumo, sistema que só tem contra si o tempo, menos rápido que os demais. Porém, se considerarmos que o transporte de uma TKU (tonelada de carga útil por quilômetro) pela hidrovia reduz em seis vezes o combustível gasto no transporte rodoviário, não há como discutir o assunto.

Queremos crer que as constantes modificações, criações e extensões nos órgãos ligados ao modal transporte trazem dificuldades insuperáveis ao sistema. Como exemplo temos a extinção do DNPVN–Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis, autarquia do Ministério dos Transportes, substituída posteriormente pela criação da Portobrás, Empresa de Portos do Brasil, à qual foi dada a incumbência de cuidar, temporariamente, das vias navegáveis interiores. São tantas as leis que extinguem e reestruturam setores hidroviários que se torna cada vez mais difícil acompanharmos a evolução, sempre mais política que técnica ou econômica, considerando-se ainda órgãos vinculados diretamente à Presidência da República, possibilitando, ao que cremos, interferências e constrangimentos quando das aplicações de regulamentação procedente de setores da estrutura orgânica.

Seria um grande avanço, mormente na época em que nos obrigamos a reduzir custos, que se viabilizasse a redução de órgãos que, em suas atividades, espelham trabalhos redundantes ou similares – isso só dificulta, gera discórdias, promove ações contrárias, gastos salariais, demonstrando falta de controle administrativo (não político) do Governo.

O entrelaçamento das condições de comércio gerado pela navegabilidade dos nossos rios, na procura de mercados internos e externos, poderá nos trazer, tão logo houvesse uma melhor visão de compartilhamento político-administrativo dos órgãos competentes da nação, uma possibilidade de atração empresa–indústria para investimentos de capitais, considerados os recursos naturais existentes ou aqueles que poderiam vir a ser criados em razão da garantia do transporte hidroviário.

O que é preciso, sim, acima de toda a gama de truculências que reduzem a capacidade de trabalho e a vontade de criar do homem brasileiro, é que se encontre uma forma eficaz de reação contra crimes que poderíamos considerar de lesa-pátria, transmudados, todavia, quando ordinariamente se dão, em subtítulos juridicamente simples, que desoneram seus ativistas, garantindo sua continuidade, em plena harmonia com a sociedade perplexa. Continuemos lutando, caros leitores!

Que se façam as nossas eclusas, antes que os tsunamis de forças contrárias as impeçam de ser construídas! Lembremos-nos, outrossim, que as nossas Forças Armadas precisam de usar a navegabilidade dos nossos rios a fim de garantir a defesa da nossa pátria em todos os seus quadrantes.