18/01/2007
José Reinaldo Marques
19/01/2007
Empenhado na tarefa de unir arte e informação, o fotógrafo catarinense Araquém Alcântara, 55 anos de idade e 36 de profissão, apresenta uma produção invejável: 25 livros sobre temas ambientais e outros 19 em co-autoria, três prêmios internacionais e 32 nacionais, 74 exposições individuais e 28 coletivas e inúmeros ensaios e reportagens para jornais e revistas do Brasil e do exterior.
Os livros mais recentes — “A grande floresta”, “Histórias de um fotógrafo viajante” e “Mar de dentro” — foram lançados em dezembro do ano passado, em São Paulo. E o mais vendido é “TerraBrasil”, de 97, que está na nona edição e tem um sabor especial por ser o primeiro registro dos parques nacionais do Brasil.
A influência na escolha da carreira veio, segundo ele, da admiração do trabalho de grandes fotógrafos — como Ansel Adams, Cartier-Bresson, Walter Firmo e Pierre Verger — e também dos cineastas Akira Kurosawa, Orson Welles, Glauber Rocha e Nelson Pereira dos Santos. A narrativa de João Guimarães Rosa, Euclides da Cunha, Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto e Ariano Suassuna também serviram de inspiração a Araquém, ainda que ele tenha preferido a imagem ao texto depois de formado:
— Cursei a Faculdade de Comunicação de Santos, cidade onde fui criado. Sou totalmente autodidata, porque lá não havia curso de Fotografia na época. Da formatura, em 73, ao início dos anos 80, eu escrevia e fotografava. Com o tempo, porém, o processo foi ficando doloroso, não conseguia mais escrever com a qualidade que eu me exigia, enquanto a fotografia tomava conta e me revelava novos caminhos.
A decisão de fotografar começou depois de Araquém assistir a um filme japonês, à meia-noite, na chamada “sessão maldita” de Maurice Legeard, agitador cultural de Santos, hoje falecido:
— Era “A ilha nua”, de Kaneto Shindo, um filme mudo clássico em que uma família pobre se muda para um lugar estéril e tenta sobreviver num drama doloroso. O que me deixou em transe no escuro e fez minha cabeça foi a perfeita conjunção de roteiro, trama, atores, diretor e fotógrafo. Tudo parecia verdade e era comovente. Quando saí do cinema, tinha um alvoroço dentro de mim, eu me dizia que podia fazer aquilo daquele jeito, dizer as coisas daquela maneira. A minha viagem começou ali.
No dia seguinte, Araquém pediu emprestada a Yashica Eletro 35 de uma amiga e, na mesma noite, saiu pelas docas de Santos, em busca de suas primeiras imagens:
— A madrugada inteira, não fotografei nada. Pela manhã, vi uma prostituta bêbada encostada num ponto de ônibus. Senti a foto, fiquei trêmulo e me aproximei titubeando, pedindo licença. Ela levantou o vestido e disse: “Fotografa aqui, seu…” Foi a primeira foto. Pena que perdi os negativos desse filme e de vários outros do início de carreira.
Meio ambiente
Antes de se tornar freelancer e abrir o seu próprio escritório de fotografia, Araquém trabalhou na revista IstoÉ e nos jornais Cidade de Santos, A Tribuna, O Estado de S. Paulo, Jornal da Tarde e O Globo. Em três décadas, produziu um dos maiores acervos do País sobre o meio ambiente. A dedicação ao tema o levou, no ano passado, a tornar-se o único fotógrafo a receber o Jabuti, um dos mais importantes prêmios literários do Brasil, pelo livro “Amazônia”.
Araquém nunca contabilizou ao certo quantas vezes já percorreu o Brasil de ponta a ponta. Só na Amazônia, já percorreu mais de 100 mil quilômetros de barco, a cavalo, de carro e, sobretudo, a pé. Sua missão, diz ele, é dividir as belezas que tem o privilégio de encontrar e contribuir para uma identidade visual da memória geográfica do Brasil:
— Mostro o retrato de um País em transformação, vou a lugares que provavelmente ninguém vai pisar e faço história. Revelo a grandeza de um Brasil desconhecido para que os brasileiros desenvolvam um sentido de nação, um verdadeiro amor pela sua terra. Assim, creio estar realizando a maior função de um artista, que é seduzir as pessoas para o meu modo de ver o mundo, espalhar benefícios, repartir belezas.
O fotógrafo conta quando e por que se especializou em meio ambiente:
— Foi em 1978, na Juréia, mais precisamente na Serra dos Itatins, entre Peruíbe (Sul de São Paulo) e Iguape (litoral Norte do Paraná). O assunto me atraiu quando vi a Serra do Mar desabando devido à poluição de Cubatão e entrei pela primeira vez numa mata atlântica virgem, selvagem.
Perigos
Para o fotojornalista que atua como um bandeirante, os riscos, de doenças tropicais a ataques de animais peçonhentos, ocorrem a todo momento. Isto sem contar as situações de extremo desconforto, carregando peso, acampando em lugares inóspitos. Tudo isso, porém, é recompensado quando se consegue uma grande foto:
— Vivemos a experimentação quase mística do encontro com a beleza. E a beleza é a verdade, já dizia um filósofo. Vivi muitas situações de perigo, como uma pane de monomotor no Norte de Roraima e o pouso forçado numa aldeia de índios ingaricós. Não aconteceu nada, mais vi a morte de perto.
As aventuras arriscadas incluem ainda navegar numa canoa desgovernada no rio Cotingo (RO) e ser seqüestrado pelos índios caiapós menkragnoti do Sul do Pará:
— Eram todos bandidos. Queriam R$ 1.500,00, 150 litros de gasolina e dez quilos de pimenta verde. Depois de muitas ameaças de morte, consegui escapar num avião de garimpeiro, escoltado por dois guerreiros armados com pistolas 765, que eles chamam de “catunquiras”. Prometi que tiraria o dinheiro do Banco do Brasil em Novo Progresso, na estrada Cuiabá—Santarém. Lá, pedi socorro ao Prefeito, que se acovardou, mas diminuiu o valor do resgate para R$ 300,00 — e não se falou mais em gasolina, nem em pimenta verde.
Araquém Alcântara diz que a Amazônia e a mata atlântica são as nossas maiores riquezas, sem as quais não existe Brasil. E também afirma que a fotografia mudou sua forma de olhar o cotidiano e a natureza:
— Como qualquer forma de arte, a fotografia é um caminho para o autoconhecimento. À medida que amadureço como ser humano, minha arte cresce, revigora-se. A fotografia é uma poderosa arma de encontrar o mundo. Com ela, sou um artista realizado, mas quero muito mais. Precisaria de mais umas dez vidas para realizar todos os meus projetos.
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