14/03/2023
Por Camilo Vannucchi, em Jornal da USP (*)
Por que razão a morte de Alexandre Vannucchi Leme, em 17 de março de 1973, acabou se destacando em relação às demais baixas sofridas pela comunidade USP naquele período – justificando, por exemplo, sua escolha como patrono do Diretório Central dos Estudantes, refundado em 1976 como DCE-Livre Alexandre Vannucchi Leme? Não precisa ir longe: seu colega no curso de Geologia, Ronaldo Mouth Queiroz foi fuzilado num ponto de ônibus por uma equipe do Dops no dia 6 de abril de 1973, apenas três semanas após a morte de Alexandre, sem que seu assassinato tenha suscitado a mesma comoção.
O jornalista Sérgio Gomes, que era estudante da ECA e diretor do Centro Acadêmico Lupe Cotrim em 1973, entende que a diferença esteve na repercussão, amplificada sobretudo em razão da missa presidida por Dom Paulo. “De repente, havia 3 mil estudantes na Catedral da Sé, o arcebispo de São Paulo repudiava publicamente a versão oficial de atropelamento, um cantor como o Sérgio Ricardo veio cantar na cerimônia e as autoridades não se entendiam sobre o que responder e como se explicar”, diz.
Para Adriano Diogo, colega de Alexandre na graduação em Geologia, também contribuiu para isso o perfil do estudante assassinado. “O Alexandre era um estudante típico, primeiro aluno da classe, com um jeitão de menino do interior, que punha apelido em todo mundo, com quem todo mundo se dava, e que era disputado pelos professores como assistente ou orientando porque já chegou geólogo”, diz. “Ele não tinha nenhum cargo na hierarquia da ALN, não era um guerrilheiro procurado. A morte dele foi um absurdo, não fazia nenhum sentido.”
Em 2011, por iniciativa do Núcleo de Estudos da Violência, foi inaugurado o Memorial em homenagem aos membros da comunidade USP que foram perseguidos e mortos por motivações políticas durante o regime militar (1964-1985), conforme inscrição feita no monumento de concreto aparente. A obra está exposta na Praça do Relógio, no coração do campus do Butantã, em São Paulo, e lista 38 nomes. Por ocasião da entrega do relatório final da Comissão da Verdade da USP, que listou 47 nomes, foi proposto o acréscimo dos nove nomes faltantes. O nome de Alexandre Vannucchi Leme está gravado na sexta placa de concreto, de um total de dez, junto com Heleny Guariba, Luiz Eduardo Merlino e outros. De vez em quando, o monumento amanhece pichado com palavras de ódio ao comunismo e de louvor à “revolução de 1964”. Ao que parece, a universidade segue um território em disputa – o que renova o compromisso dos que lidam com memória e justiça de sempre contar. Para não esquecer.
(*) jornalista e escritor, mestre e doutor em Ciências da Comunicação pela USP, professor de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero e primo de segundo grau de Alexandre Vannucchi Leme. Para informações sobre o livro Alexandre Vannucchi Leme: eu só disse o meu nome, entre em contato pelo e-mail camilo.vannuchi@gmail.com