Por Igor Waltz*
15/08/2014
O projeto de urbanismo adotado em Barcelona para as Olimpíadas de 1992 é tido hoje como referência em revitalização urbana. Mas por trás desse modelo consagrado se esconde um processo de exclusão de populações mais pobres de áreas históricas da cidade, repressão a movimentos sociais e à imprensa e aumento da desigualdade social. De acordo com o professor da Universidade de Barcelona (UB) Miquel Fernández González, os problemas observados na cidade catalã vêm se repetindo no Rio, que se prepara para os Jogos de 2016.
“O movimento olímpico cria um entusiasmo como estratégia para encobrir a transformação da cidade em uma mercadoria que atenda às necessidades dos turistas, isto é, da chamada ‘elite global’”, explica González, que é pesquisador do Observatório de Antropologia do Conflito Urbano da UB. O professor falou durante a o encontro “De Barcelona ao Rio: O mito das Olimpíadas como desenvolvimento social”, organizado pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíadas na sede da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) na última quinta-feira, 14 de agosto.
Participaram também do evento Lucas Cuba, do Comitê Popular Contra o Estado de Exceção; Inalva Mendes Brito, da Associação de Moradores Vila Autódromo; e Fernanda Sánchez, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF). A mesa foi mediada por Letícia Luna, do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas.
Para González, os jogos procuram construir uma ideia de “cidadania global”, voltada mais ao o consumo do que à discussão dos problemas da cidade. O professor afirma que desde 1988, quatro anos antes da realização dos jogos, o governo iniciou uma dura repressão contra movimentos anticapitalistas e anti-Estado espanhol [a Catalunha busca sua autonomia em relação ao governo central da Espanha]. No mesmo período, demoliu construções e expulsou a população mais pobre da região conhecida como Ciutat Vella, abrindo o espaço para o investimento imobiliário do bairro histórico.
“A herança das Olimpíadas trouxe um significativo crescimento econômico para Catalunha nas décadas seguintes, mas acompanhado de um aumento da desigualdade social. Nem toda a população se beneficiou com o legado dos Jogos”, afirmou.
Fernanda Sanchez afirma que o “modelo Barcelona” nada mais é do que a instauração de uma política urbana neoliberal e que o Rio de Janeiro foi a porta de entrada do projeto que deve se repetir em outras cidades brasileiras. “O modelo é adotado em estado puro: na retórica, na intervenção urbana, etc. O que se busca é criar um consenso em torno da ideia de um cidadão-figurante no lugar de um cidadão global”, explica a professora. “Estamos buscando aqui uma outra conexão com Barcelona, uma conexão pela esquerda, que analise os efeitos de uma ruptura social”, completou.
Inalva Brito, por sua vez, mostrou o lado dos moradores da Vila Autódromo, que vivem uma situação semelhante às dos moradores da Ciutat Vella, de Barcelona. Atualmente os moradores estão proibidos de entrar com materiais de construção na comunidade, que tem sua área cobiçada por empreiteiras.