10/05/2021
Na linguagem miliciana, foram 28 CPFs cancelados. Wilson Witzel já prometera atirar na “cabecinha”. Seu substituto deve ter achado pouco. Menos de uma semana após assumir definitivamente o cargo, Cláudio Castro disse a que veio. Sob sua autoridade, uma operação policial resultou no maior banho de sangue já visto no Rio de Janeiro.
O estado acumula histórico tenebroso de chacinas impunes, tanto aquelas produzidas por grupos de extermínio formados por policiais como as que decorrem de ações oficiais, supostamente para combater o tráfico de drogas, como agora na favela do Jacarezinho, com seus 27 civis e um policial mortos.
Acari, Candelária, Vigário Geral, massacre da Baixada, Complexo do Alemão, morros do Fallet e da Coroa. A lista é grande e antiga. Mas esse “cartão de visitas” do novo governo indica que estamos diante de uma mudança de patamar na violência do poder estatal. Isso pôde ser percebido também na entrevista dos comandantes da operação. Um deles peitou o STF ao criticar o “ativismo judicial”. No ano passado, a corte proibira operações em favelas durante a pandemia, a não ser em situações “excepcionais”. No Jacarezinho, excepcional foi a carnificina.
Um delegado disse que todos os que morreram eram “criminosos”. Ele decidiu e ponto. As pessoas foram executadas sem direito à defesa, processo e julgamento. A barbárie deve ser entendida como uma demarcação de território, uma declaração de guerra e um desafio explícito ao Supremo, à civilidade e à democracia.
Essa escalada de selvageria está visceralmente associada à violência do bolsonarismo como fenômeno social e político, ao qual, aliás, o governador fluminense faz questão de se vincular. Não é mera coincidência que a mortandade tenha ocorrido em semana tão importante na CPI da Covid-19. A ação policial tenta estender uma cortina de sangue sobre o genocídio comandado pelo governo federal. O mais assustador é que parcela numerosa da sociedade aplaude a explosão de brutalidade. Esse é nosso abismo mais profundo.