05/05/2013
A Comissão Nacional da Verdade – CNV e a Comissão da Verdade do Estado do Rio de Janeiro realizaram no último sábado, 4 de maio, na sede da ABI, uma audiência pública para ouvir relatos de militares e de seus familiares perseguidos pelo regime militar instaurado a partir de 1964. O encontro foi motivado a partir do depoimento do brigadeiro Rui Moreira Lima, em outubro de 2012, que relatou as perseguições e prisões sofridas por ele durante o governo militar.
Um grupo de trabalho criado na CNV calcula que 7.488 militares tenham sido perseguidos e 30 acabaram mortos. Entre os perseguidos, esteve o fuzileiro naval Paulo Novaes Coutinho, enviado em 27 de março de 1964 ao Sindicato dos Metalúrgicos, no centro do Rio, com a missão de desalojar marinheiros que ocupavam o prédio.
Ele fez parte de um grupo de 23 fuzileiros que tomaram a decisão surpreendente ao Comando da Marinha: jogaram no chão os fuzis e se recusaram a atirar contra os colegas. O gesto foi visto como uma afronta pelos militares, que dias depois tomariam o poder, e significou para os 23 fuzileiros mais de 100 dias de prisão e a perseguição durante todo o governo militar.
De acordo com o Presidente da ABI, ao lado dos jornalistas profissionais, os militares foram um dos grupos mais perseguidos pela ditadura militar.
— A ABI tem um grande preocupação pela questão da busca da verdade pelos crimes cometidos da ditadura. Essa instituição se orgulha de oferecer à CNV os subsídios ricos e densos de uma categoria profissional que foi atingida pelo golpe militar, os jornalistas, que ao lado dos militares, constituem o segmento da população brasileira mais perseguida pelo regime. Continuamos aqui a luta pela Verdade e por aquilo que é fundamental para vitalidade da memória, a Justiça, até hoje sonegada a uma importante parte do povo brasileiro”, afirmou.
Azêdo aproveitou a oportunidade de colocar à disposição da CNV para consulta todo o material produzido pelo Jornal da ABI a respeito das violações dos Direitos Humanos cometidos pelos golpistas.
— A ABI possui um acervo de matérias, produzidas de forma continuada, em seu jornal institucional acerca das violências e crimes da ditadura. Essas matérias reúnem um importante elenco de informações a esse respeito, que disponibilizamos à Comissão para que através da consulta dessas coleções seja possível levantar uma série de questões que perturbam nossa consciência.
Para o Presidente da Comissão da Verdade do Rio, Wadih Damous, é preciso recuperar a memória daqueles que foram perseguidos.
— A missão das comissões é justamente a de reescrever a História. A ditadura implementou uma máquina de publicidade, responsável por mentiras e distorções. Nosso papel é justamente reverter isso e esclarecer a sociedade sobre o que de fato se passou naqueles anos. O termo ditadura militar esconde essa situação paradoxal de militares que foram perseguidos. Foram militares que resistiram ao golpe e pagaram com o alto preço tendo uma série de direitos cassados. São estigmatizados como traidores ou desertores, quando na verdade é o contrário. Os traidores são aqueles que perpetraram o golpe. É preciso que a população brasileira saiba que existiram heróis que resistiram bravamente e honraram a farda e a pátria.
Rosa Cardoso, advogada, professora da Universidade Federal Fluminense – UFF e integrante Comissão Nacional da Verdade, lembrou que essa revisão histórica não pode basear-se tão somente em trabalhos desenvolvidos por pesquisadores e historiadores, mas deve dar voz à vítimas, sobreviventes e familiares.
— O contar essa história não é somente contar entre nós próprios, mas transformar a produção dessa história numa grande campanha de mobilização. Ela ainda não é completamente conhecida por nossa sociedade. A sociedade precisa estar indignada com os militares perseguidos para que possam obter essas vitórias pelas quais se empenham. A CNV, com seus problemas e limitações, é uma oportunidade de dar visibilidade a essa luta. Diferente do que muitos dizem, a mídia é muito interessada em saber o que essa comissão tem a dizer, garantindo visibilidade em âmbito nacional.
Já o presidente do Instituto João Goulart, João Vicente Goulart, aproveitou a ocasião para comemorar a decisão da CNV junto com o Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul de reabrir o inquérito sobre a morte do presidente deposto pelo golpe de 1964. O corpo de João Goulart, enterrado atualmente na cidade de São Borja, Rio Grande do Sul, poderá ser exumado.
— A Comissão está dando um grande passo com a retomada dessa investigação, que estava parada nos arquivos do Ministério há mais de seis anos. Meu pai, João Goulart, assim como os heróis presentes na audiência de hoje, é o que precisamos resgatar na memória nacional. Quantos heróis anônimos temos no seio da resistência das forças armadas e que lutaram contra o golpe de estado em nosso País. Mais de 7,5 mil militares foram cassados e perseguidos para que outros pudessem instalar um regime de restrições democráticas, esse manto terrível de tortura, perseguição e morte que se instaurou sobre a sociedade brasileira.
Operação Mosquito
A audiência também reservou espaço para que os militares pudessem se manifestar. O coronel-aviador da reserva Roberto Baere contou detalhes da chamada Operação Mosquito, conspiração de oficiais da Aeronáutica para matar João Goulart antes que ele assumisse posse em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros.
O plano dos golpistas era abater o avião em que Goulart faria a viagem a Brasília para tomar posse. Baere, então tenente do 1º Grupamento de Aviação de Caça da Base Aérea de Santa Cruz, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, disse ter recebido ordens do comandante da base para preparar os caças que seriam usados no ataque ao avião que transportava o vice-presidente. Baere e três colegas se recusaram a cumprir a missão e pediram para não serem escalados.
— Pedimos que ele não nos escalasse porque entramos nas Forças Armadas para defender a Constituição e não agredi-la. O plano acabou não sendo colocado em prática, mas passei a ser perseguido e punido três anos depois, já durante a ditadura, instituída pelo golpe de 31 de março de 1964. Fui sumariamente expulso, após ficar 50 dias incomunicável na prisão, policiado na porta por um oficial portando metralhadora, como se fosse um marginal de alta periculosidade. Após liberto, nunca mais pude cumprir minha função de aviador, nem mesmo como civil.
Baere concluiu fazendo um apelo à CNV, em que solicitou empenho dos componentes para que combatessem as discriminações que militares como ele sofrem no campo administrativo e político.
— Espero que nosso apelo chegue às autoridades constituídas, em especial os Ministros da Defesa, Celso Amorim, e da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Em vídeo, Iracema Teixeira, líder do Movimento Feminino pela Anistia e viúva do Brigadeiro Francisco Teixeira, falecido em 2012. Titular do 3º Comando Aéreo e reconhecido publicamente como de esquerda, Francisco Teixeira foi proibido de exercer sua profissão de piloto aéreo, sua casa foi incendiada e seu filho, Aloísio Teixeira, ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, sequestrado.
— Meu marido sempre participou do movimento pela legalidade, sempre foi a favor de que se cumprisse a Constituição, e por isso era mal visto por um grupo que queria o poder a todo o custo. Participei sempre como observadora desse movimento, mas muita coisa aconteceu, minha casa foi invadida, tive filhos detidos, minha casa incendiada. Durante toda ditadura, cada vez que havia a mudança para a escolha do presidente, ele era previamente preso, durante alguns dias, pois tinham medo de que ele liderasse algum movimento. Apesar disso, ele nunca abandonou suas idéias, sempre foi a favor do povo, da democracia e da liberdade.
Texto: Igor Waltz