Melada a eleição, aparece a mesma turma pacificadora, marcando uma nova data. Calcula-se que isso só seria possível depois de pelo menos dois meses. Tendo ocorrido uma catástrofe dessas proporções, a totalização eletrônica estaria ferida. Nesse caso, o hiato seria maior. Assim, chega-se ao mesmo desfecho da versão anterior: prorrogam-se os mandatos.
Por todos os motivos, essas piruetas não teriam a menor chance de avançar. Contudo, os antecedentes dos principais personagens da manobra recomendam cautela e prevenção.
Bolsonaro cultiva o Apocalipse. Em 2019, quando o Chile foi sacudido por desordens, ele profetizou: “O que aconteceu no Chile vai ser fichinha perto do que pode acontecer no Brasil. Todos nós pagaremos um preço que levará anos para ser pago, se é que o Brasil não possa ainda sair da normalidade democrática que vocês tanto defendem.”
Um ano depois, Bolsonaro dizia que o Brasil se tornou “um barril de pólvora”: “Estamos na iminência de ter um problema sério.”
Veio o Sete de Setembro, caravanas de ônibus foram a Brasília e caminhoneiros furaram o bloqueio da Esplanada, anunciando que invadiriam o Supremo Tribunal Federal. Aconteceram manifestações ordeiras em diversas cidades.
Bolsonaro escalou: “A partir de hoje, uma nova história começa a ser escrita aqui no Brasil.” Em São Paulo, insultou ministros do Supremo.
Uma intervenção do ex-presidente Michel Temer jogou água na fervura. De lá para cá, o “barril de pólvora” ficou em paz, o caos não veio e não aconteceu um só “problema sério” além da suspeição lançada sobre as urnas eletrônicas pelo presidente e pelos generais palacianos.
Como ensinava o sábio Marco Maciel, no dia Sete de Setembro e nos seguintes pode acontecer muita coisa, “inclusive nada”.
O sonho de um caos deliberadamente fabricado circula agora com o enfeite do adiamento das eleições e com o presente da prorrogação dos mandatos. Um Congresso que corre o risco de grande renovação pode gostar dessa ideia. Estima-se que metade dos deputados não voltem a Brasília. Afinal, Bolsonaro dispõe da benevolência do doutor Arthur Lira.
Em seus períodos democráticos, o Brasil nunca teve prorrogação de mandato presidencial. Na última ditadura, Castello Branco teve seu mandato prorrogado por um ano e rebarbou uma segunda prorrogação. Emílio Médici, o mais popular dos generais, matou no nascedouro uma manobra prorrogacionista.
Numa palestra em Washington, o ministro Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, disse o seguinte: “O que tem sido dito no Brasil… é que nós poderemos ter um episódio ainda mais agravado do 6 de janeiro daqui, do Capitólio.”