13/03/2009
Nesta quinta-feira, dia 12, foi realizado o ato de fundação do Instituto Henfil, que tem por finalidade preservar a obra do artista e promover eventos culturais e projetos sociais. A cerimônia aconteceu no Auditório Oscar Guanabarino, localizado no 9º andar do edifício-sede da ABI, e contou com a presença de importantes nomes do jornalismo, da cultura e da política brasileira, além dos familiares do cartunista.
Pouco antes de começar o evento, o jornalista Ricardo Gontijo contou que conheceu Henfil ainda na adolescência, em Belo Horizonte:
— Meu pai era dono do Hotel Gontijo, que funcionava como um ponto de encontro entre os amigos. O humor dele não era de graça, sempre tinha um objetivo, uma crítica política. Era um homem eminentemente político, vivia, falava e respirava política.
Gontijo, que trabalhou com Henfil no jornal O Sol, lembrou de um momento em que, desempregado, conseguiu trabalho graças a uma intervenção do cartunista:
— Eu estava passando por um período complicado. O Henfil, sabendo disso, pediu ao Humberto Pereira, diretor do “Globo Rural”, para me encaixar em algum lugar no programa. Fui a São Paulo ser apresentado à redação e, quando estávamos saindo, eu e o Humberto, passamos pelo aquário onde estava sendo editada a retrospectiva daquele ano, e vimos a imagem de Henfil, no monitor, acenando. Lembro que nós dois ficamos muito emocionados. Afinal, eu estava ali por causa dele.
Bernardo Costa |
Wanda Figueiredo |
Na abertura da cerimônia, Ivan Cosenza de Souza, filho do cartunista, citou os objetivos do Instituto Henfil:
— Nosso intuito é utilizar a arte do Henfil, seu traço e seu humor, da maneira que ele sempre a utilizou, para lutar por interesses comuns no campo social e político. Com este Instituto, eu vou poder reunir a obra dele toda, catalogá-la e deixá-la à disposição de outras pessoas, para que possam consultá-la e conhecer mais sobre o seu trabalho. A nossa meta é dar apoio a outras campanhas, entidades e lutas.
Wanda Figueiredo, irmã do cartunista, disse que o Instituto Henfil é um sonho antigo da família:
— Preservar a obra dele é muito importante para a gente. E é um trabalho árduo, pois ele deixou uma obra muito vasta, mas acredito que nada foi perdido.
Cinema
Joffre Rodrigues |
O cineasta Joffre Rodrigues, que trouxe o cartunista para o Rio de Janeiro, em 1966, para trabalhar no Jornal dos Sports e em O Sol, contou sobre o surgimento do filme “Tanga — Deu no New York Times?”, com roteiro dele e de Henfil, que, além de atuar, também assinou a direção do longa-metragem:
— Tinha um programa do SBT que se chamava “Essa era minha vida”. Certa vez, convidaram o Henfil e diversos amigos dele. Quando eu cheguei, ele levantou, virou para a platéia e disse: “Foi esse cara que me trouxe de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro. Ele que me descobriu”.
Ao final do programa, a produção ofereceu um jantar para os convidados. Durante a conversa Henfil perguntou a Joffre com o que ele estava trabalhando:
— Eu disse que estava trabalhando com cinema. Henfil ficou entusiasmado e falou que tinha uma ótima idéia para um filme. O roteiro era baseado na seguinte teoria dele: “Se você fosse preso pela ditadura militar, e seu nome saísse no New York Times, eles não te matavam”.
Marcello Escorel, responsável pela apresentação da cerimônia, e que também atuou no filme, relembrou que interpretava o personagem Aids (Ação Insurrecional Democrática Sexual):
— Durante as filmagens eu soube que ele estava com Aids e pensei: “que cara maluco, ele não respeita nem a si próprio”. Henfil era politicamente incorreto até com ele mesmo. Mas ele sempre foi assim, caustico. O Aids, era um personagem gay, uma sacanagem do Henfil com a ala cor-de-rosa da esquerda nacional.
Capa
Se Joffre trouxe Henfil para o Jornal dos Sports, Maurício Azêdo, Presidente da ABI, o tirou das páginas internas do jornal e o lançou na primeira página:
— Eu era editor do jornal e vi que havia um talento escondido numa página interna. Então, eu o promovi para a capa e, com o talento que ele tinha, deslanchou. Sua charge era sempre marcada pela irreverência e por um certo teor de surpresa que ele oferecia no encaminhamento de um determinado assunto que era objeto de sua análise.
Segundo Azêdo, nos dias de jogos no Maracanã, Henfil ganhava uma página inteira para criar em cima do resultado das partidas:
— E foi aí que ele lançou o “Urubu” como símbolo da torcida do Flamengo. Para a ABI é um motivo de muita honra poder colaborar, com sua família e seu filho Ivan Cosenza de Souza, nessa homenagem que se presta a este grande brasileiro, através da criação do Instituto Henfil, que tem por objetivo a defesa daquelas questões que marcaram sua fecunda trajetória no jornalismo, na criação artística e na política nacional.
Importância social
Paulo Vanucchi |
O Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, não pode comparecer à solenidade, mas enviou uma mensagem, lida por Marcello Escorel, com o seguinte teor: “O Henfil sempre representou a cidadania e o direito de liberdade de todos nós, da forma mais rascante e contundente possível. E o Ivan vai na mesma trilha, sempre parceiro das boas causas e disponibilizando o traço genial, o riso incontido e a ironia demolidora do Henfil contra os poderosos de plantão. O Ministério do Meio Ambiente tem o Henfil, o Ivan, a ‘Graúna’, o ‘Zeferino’ e tantos outros personagens geniais, como símbolos da luta contra o desmatamento e a desertificação, e a favor do Plano Nacional sobre Mudança do Clima”.
Em seguida, o Ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, destacou a importância social da obra de Henfil e a relação deste com o Presidente Lula:
— Sou assessor do Presidente Lula desde 1980, e acompanhei bons momentos dessa relação, como as contribuições do Henfil na nossa Tribuna Metalúrgica, o jornal dos metalúrgicos do ABC, as campanhas pelas Diretas Já! e pela Anistia, que ainda produz um debate vivo no País, pois se trata, sobretudo, de assegurar a idéia da memória, incentivada, agora, pelo Instituto Henfil.
Paulo Vanucchi destacou também a irreverência do cartunista:
— O Henfil representava uma boa esquerda que não era sisuda, nem rancorosa, e sim irreverente e brincalhona, pois a luta pela liberdade passa pelas lágrimas, pelo sangue, pela morte e pela dor, em direção a um mundo de alegria e descontração.
Humor
O compositor Aldir Blanc, que também não pode comparecer, enviou um texto que foi lido pelo artista plástico Mello Menezes: “Em memória do Henfil e dedicado as seus discípulos. Advertência: assim como Henfil vivia repetindo no Pasquim que ‘humor é pé na cara’, lá também ouvi que a graça não respeita nada. Talvez, em razão dessas lições, acho que o politicamente correto, e não interessa se estamos falando de minorias, feminismo, raças, credos etc., é a morte do humor”.
João Bosco |
Parceiro de Aldir, o cantor e compositor João Bosco lembrou do início da carreira, quando teve seu primeiro disco lançado pelo Pasquim, em 1972. Com o título “O tom de Antônio Carlos Jobim e o tal de João Bosco”, era um disco de bolso, com as músicas “Águas de março” e “Agnus sei” :
— Meu primeiro disco gravado, que eu dividi um lado com o Tom Jobim, foi uma idéia do Pasquim, com produção do Sérgio Ricardo. Então, como o Aldir também colaborava com o jornal, nós freqüentávamos a redação e era comum estarmos com Henfil, Sérgio Cabral, Ziraldo, Millôr… Depois, estreitei mais ainda as relações com o Henfil em função da aproximação dele com a Elis Regina, que era uma grande intérprete das nossas canções. E isso tudo gerou “O bêbado e a equilibrista”, que é uma canção que celebra toda essa amizade: a minha, do Aldir, da Elis e do Henfil, com o Brasil.
Conselho
O Instituto Henfil ainda não tem sede própria, mas, como disse Ivan Cosenza, “preferimos colocar a carroça na frente dos bois e dar início aos trabalhos”. Os integrantes do Conselho são: José Roberto, Marcelo Gibson, Nelson Rodrigues Filho, Aldir Blanc, Arthur Xexéo, Chico Caruso, Eduardo Suplicy, João Bosco, Zuenir Ventura, Márcio Braga, Tárik de Souza, Wagner Tiso, Paulo Betti, Ziraldo, Sérgio Cabral, Joffre Rodrigues e Ricardo Gontijo.
Sobre Henfil
As irmãs Wanda e Glória, o filho Ivan Cosenza e a neta Jade |
Henrique de Souza Filho, o Henfil, nasceu no dia 5 de fevereiro de 1944, na cidade de Ribeirão das Neves, Minas Gerais. Cartunista, jornalista e escritor teve sua estréia profissional em 1964, na revista Alterosa. No ano seguinte, passou a colaborar com o jornal Diário de Minas, o Jornal dos Sports e nas revistas Realidade, Visão, Placar e O Cruzeiro.
Em 1969, mudou-se para o Rio de Janeiro e passou a trabalhar no Jornal do Brasil e no jornal O Pasquim. No ano seguinte, lançou a revista Os Fradinhos, da qual faziam parte seus personagens “Pó-de-Arroz”, “Zeferino”, “Orelhão”, “Bode Orelana”, “Graúna”, “Cabôco Mamado”, “Urubu”, “Bacalhau”, “Ubaldo e os Fradinhos”. A partir de 1970, passou a trabalhar também com cinema, teatro, televisão e literatura.
Henfil assinou o manifesto de fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), no dia 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion. Um dos trabalhos mais importantes do autor são as “Cartas à mãe”, textos em que Henfil abordava o que acontecia ao seu redor, com viés social, político e íntimo.
No dia 4 de janeiro de 1988, devido a uma transfusão de sangue em um hospital público, durante tratamento da hemofilia, contraiu o vírus da Aids, falecendo em decorrência da doença.
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