17/03/2017
A Associação Brasileira de Imprensa recebeu nessa quinta-feira, 16, em sua sede, no Centro do Rio, centenas de espectadores para assistir e debater o documentário ‘Curumim–Diário de um condenado no corredor da morte’, do produtor Marcos Prado. A exibição marcou a inauguração da programação do Cine ABI no ano de 2016.
Iniciativa do Cineclube ABI, do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros) e da Caixa e Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro (Caarj), o filme conta a história de Marco Archer, o primeiro brasileiro executado por tráfico de drogas no mundo, na Indonésia, em 2015. A tônica principal do debate foi o direito fundamental à vida.
Participaram do debate o presidente da ABI Domingos Meirelles, a Diretora do IAB Adriana Brasil Guimarães, o diretor e produtor do filme, Marcos Prado, que também produziu Tropa de Elite; os advogados Fernando Drummond, Maíra Fernandes e Alexandre Tolipan, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB); o jornalista Jesus Chediak, diretor de Cultura e Lazer da ABI; e o defensor público Emanuel Rangel, coordenador da Defesa Criminal da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Segundo Adriana Brasil, mediadora da mesa debatedora, a proposta dos eventos é usar a linguagem cinematográfica para discutir as questões legais e humanas do Direito Internacional: “A presidente da República Dilma Rousseff pediu clemência por Marco Archer. Mas por que a ONU não interviu nesse caso?”, indagou a advogada.
O produtor e diretor do filme Marcos Prado abriu o debate contando como se envolveu no projeto e destacou que o final do filme contrariou todas as expectativas: “O Curumim me convidou para contar a sua história, que registramos durante três anos. Foram 70 horas de conversas gravadas ao telefone, dezenas de cartas e mais de três horas de arquivos com imagens, registradas pelo próprio Marcos com uma câmera escondida. Nós não imaginávamos que ele seria executado”, lamentou o diretor.
Domingos Meirelles, que já havia feito uma reportagem sobre o caso, disse ter ficado muito impressionado com a decadência física e emocional de Marco Archer, revelada no documentário. Para ele, o filme aponta para muitas questões importantes a serem discutidas no Brasil, como as drogas, a infância abandonada, a pena de morte e a corrupção no ambiente carcerário, inclusive na Indonésia. “O documentário mostra a imagem do Marco como figura humana se degradando. E denuncia a hipocrisia do sistema carcerário do país, revelando o tráfico de entorpecentes dentro do próprio presídio de segurança máxima”.
Jesus Chediak destacou que o filme leva a uma reflexão sobre a droga e a descriminalização dos entorpecentes como questões fundamentais: “É muito triste ver um ser humano de bom coração como o Curumim se degenerando por causa da droga. E no Brasil, que é um país muito preconceituoso, as maiores vítimas da violência têm cor”.
A advogada Maíra Fernandes, da Comissão de Direitos Humanos da IAB, também defendeu o comércio legal de entorpecentes e criticou a “guerra contra as drogas”. Para ela, o uso de droga já é uma pena de morte, pois as pessoas que se envolvem seja como usuário ou traficante, acabam sendo presas ou morrendo, de forma muito parecida. “A penalidade de morte já existe. Seja para o traficante, policial ou para uma criança que esteja passando no momento de um confronto. A guerra contra o narcotráfico continua matando. É impossível assistir a esse filme e não pensar sobre a descriminalização”.
O advogado criminalista Alexandre Tolipan, representante da Comissão Internacional dos Direitos Humanos da IAB, ressaltou a hipocrisia do governo da Indonésia, que tem como fonte de renda o turismo das droga. Mas acredita que o mundo está mudando: “Hoje 28 países ainda tem pena de morte, entre eles os Estados Unidos e a China. Estamos caminhando para o fim desse costume bárbaro”.
O também criminalista Fernando Drumond falou sobre a importância da aproximação da advocacia com a imprensa. “Essas duas instituições, a OAB e a ABI têm uma história de grandes transformações políticas, como foi o caso do impeachment de Fernando Collor. Grandes criminalistas, como Evaristo de Moraes, o patrono da imprensa, vieram da vinham do meio jornalístico. Que esses encontros possam nos aproximar cada vez mais para debater temáticas fundamentais como essas. As imagens do filme falam muito mais do que qualquer debate do nosso cotidiano”.
O defensor público Emanuel Rangel lembrou a situação de violência que o Estado do Rio de Janeiro vive, em que “um governo construiu unidades pacificadoras, com armas”. Para ele, a pena de morte já existe no Brasil e o sistema carcerário, onde os detidos morrem, em sua maioria de doenças, já é um “corredor da morte”. Somos um país extremamente violento, que gasta mais em segurança pública do que em educação. O Brasil deveria construir menos presídios e mais escolas. O filme revela como as pessoas se desviam no caminho e como essa guerra contra o narcotráfico é uma prática sem sentido”.
O filme
O documentário digital de 102 minutos, da Zazen Produções, com a cooprodução do GNT e da Globo Filmes, mostra como a vida de Marco “Curumim” Archer muda drasticamente quando os 13,5 quilos de cocaína escondidos em sua asa delta são descobertos pela polícia no Aeroporto Internacional de Jacarta, na Indonésia. Ele faz uma fuga espetacular e sai pela porta da frente do aeroporto, ludibriando a polícia local. Depois de se esconder por 16 dias, Marco é preso e condenado à morte. Doze anos depois, o brasileiro, após ter os dois pedidos de clemência a que tinha direito negados pelo governo da Indonésia, foi executado no dia 17 de janeiro de 2015.
Curumim destaca a vida de um homem que escolheu viver intensamente a ilusão de que, para ser amado pelos amigos e aceito pela sociedade, teria as drogas como sua maior moeda de troca. O filme traz cenas inéditas filmadas com uma câmera escondida dentro da prisão.